Arte e História num livro portentoso
Corria a época Medieval e Fernão Lopes deixava para a eternidade a palpitação do povo português, o sofrimento, a alegria, as pelejas, os escolhos, a exasperação, os amores, as intrigas e os ódios descritos com o pitoresco arrebatador e sensível de crónicas que seriam as percursoras da historiografia portuguesa. No final de 2007, a Campo das Letras impulsiona aquela herança extraordinária ao lançar o melhor livro do ano em Portugal, se não o melhor dos últimos anos, o majestoso álbum «FERNÃO LOPES – CRÓNICAS de D. Pedro I, D. Fernando e D. João I», antologia do incontornável historiador António Borges Coelho com desenhos e 25 pinturas poderosas de Rogério Ribeiro.
E ficamos a «esguardar como se fôssemos presentes» os quadros humanos de forte visualismo, mas também mistério, reportados por um dos mais geniais escritores da Literatura Portuguesa que «tanto mais se aprecia quanto mais se lê», como disse Rodrigues Lapa.
«Este homem fala para os seus contemporâneos, a eles dirige juízos de valor sobre os acontecimentos e a actuação das personagens. Dá relevo aos acontecimentos militares, à intriga política, ao quotidiano. Introduz os temas económicos e de política monetária. E quando os acontecimentos dramáticos escasseiam, é recorrente afirmar: “Pois não temos mais nada que contar…”», escreve António Borges Coelho na magnífica apresentação da Antologia, numa prosa viva como há muito já nos habituou. O historiador, que nasceu em 1928, nome maior da nossa cultura, continua a mostrar uma vitalidade assombrosa, para nosso gáudio. Também é magnífica a parceria com o ilustrador Rogério Ribeiro, nascido em Estremoz, em 1930, que revela um trabalho assombroso (exemplos nas fotografias das pinturas).
Ainda segundo Borges Coelho, o presente livro «visa alargar a um maior número de leitores a fruição destes tesouros da cultura medieval portuguesa.» Sendo a Antologia uma escolha, o historiador explica a inclusão das duas primeiras crónicas por fazerem parte do «“ primeiro princípio” que desembocaria nos acontecimentos de 1383/85» e o facto dos textos da Crónica de D. João I ocuparem o maior espaço devido ao tamanho e à «riqueza histórica e literária». Em relação à revisão da escrita, refere que se actualizaram a grafia e os sinais, e deu-se «nova veste» a algumas palavras antigas. A obra conta, ainda, com uma Cronologia e um Glossário.
O fresco global de uma época
Sobre a visão multifacetada de Fernão Lopes, que se deteve nos aspectos colectivos da vida nacional para os iluminar na prosa recitada, linguagem flexível, ardor, e ironia, onde se sente a voz do autor, escreve Borges Coelho:
"Na sua narrativa não faltam heróis com as suas fraquezas e façanhas, mas integrados na moldura colectiva: e posto que nós louvemos Fulano e Fulano, “não entendais vós porém que eles sós defendiam as galés sem outrem pelejar por as defender.” E na descrição dos feitos militares não assume o verbo grandiloquente. “Bradava o Mestre que fizessem algumas cousas”, mas o ruído das gentes e o som das armas era tanto, “que parecia que mandava em vão"
(...)
A História falava dos de cima (e ainda fala, mas Fernão Lopes abriu as janelas para os de baixo. Duarte , rei filósofo, encarregou-o “de pôr em crónica as estórias dos reis” e “isso mesmo os grandes feitos e altos do mui virtuoso e de grandes virtudes el-Rei meu senhor e padre”. Ora, ao narrar esses feitos de João, mestre de Avis, matador do Andeiro, Messias da arraia-miúda, Fernão Lopes fez entrar de roldão a cidade de Lisboa, os mesteirais, os ventres ao sol, os honrados, aqueles que não eram dos maiores nem dos mais pequenos, as mulheres, o cidadão Álvaro Pais, o Gil Fernandes de Elvas, libertado pela malta das vinhas, o “bom” do Rui Pereira, o guerreiro novo Nuno Álvares Pereira, sem esquecer Leonor Teles, a Rainha que ensinou as mulheres a ter novos jeitos com seus maridos.
Fernão Lopes está atento aos de cima, que retrata com a verdade das suas humanas mazelas, e aos de baixo, fantásticos ou temíveis, se enchem as ruas de alegria ou tumulto. No Paço a par de São Martinho, acompanha o conde João Fernandes à câmara onde vai receber a cutilada do Mestre e a estocada final de Rui Pereira, abre a janela para a rua onde ferve a multidão manipulada: - Oh Senhor! Como vos quiseram matar por traição!
Em geral o Poder desconfia dos de baixo. Assenta nos seus ombros e tem medo da queda. Gasta fortunas no ritual e na definição do protocolo. Como é que foi possível traçar retratos tão realistas dos de cima e deixar entrar com aquela força os de baixo?."
Obra que se sonha ter em casa, este álbum com 456 páginas de Arte e História é uma prenda especial para pessoas especiais.
FERNÃO LOPES – CRÓNICAS de D. Pedro I, D. Fernando e D. João I, António Borges Coelho (Antologia), Rogério Ribeiro (ilustrações); Editorial Campo das Letras, Porto 2007
nota da editora Campo das Letras:
Em 2003 inicia a preparação de um painel de azulejos de grandes dimensões, intitulado "O Lugar da Água", a instalar numa parede exterior do futuro Museu do Sítio, em Beja, que incorpora estruturas de banhos romanos, encomendado no âmbito do "Viver Beja - Programa Polis".Militante do Partido Comunista Português, Rogério Ribeiro deu importante colaboração artística a um grande número das suas iniciativas, com destaque para a Exposição do 60.º aniversário do Partido e para sucessivas realizações da Festa do Avante.
© Teresa Sá Couto
O majestoso álbum FERNÃO LOPES CRÓNICAS – ANTOLOGIA ANTÓNIO BORGES COELHO e ILUSTRAÇÕES ROGÉRIO RIBEIRO é apresentado no dia 27 de Maio, em Almada, no FÓRUM MUNICIPAL ROMEU CORREIA - SALA PABLO NERUDA. A apresentação será feita por ANTÓNIO BORGES COELHO, CLÁUDIO TORRES e JOSÉ LUÍS PORFÍRIO. Estarão, também, patentes os originais das ilustrações e será prestada homenagem ao seu autor, o Professor e artista plástico Rogério Ribeiro que viria a falecer uns meses depois da edição deste álbum, a 10 de Março último, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, devido a complicações cardíacas.
Corria a época Medieval e Fernão Lopes deixava para a eternidade a palpitação do povo português, o sofrimento, a alegria, as pelejas, os escolhos, a exasperação, os amores, as intrigas e os ódios descritos com o pitoresco arrebatador e sensível de crónicas que seriam as percursoras da historiografia portuguesa. No final de 2007, a Campo das Letras impulsiona aquela herança extraordinária ao lançar o melhor livro do ano em Portugal, se não o melhor dos últimos anos, o majestoso álbum «FERNÃO LOPES – CRÓNICAS de D. Pedro I, D. Fernando e D. João I», antologia do incontornável historiador António Borges Coelho com desenhos e 25 pinturas poderosas de Rogério Ribeiro.
E ficamos a «esguardar como se fôssemos presentes» os quadros humanos de forte visualismo, mas também mistério, reportados por um dos mais geniais escritores da Literatura Portuguesa que «tanto mais se aprecia quanto mais se lê», como disse Rodrigues Lapa.
«Este homem fala para os seus contemporâneos, a eles dirige juízos de valor sobre os acontecimentos e a actuação das personagens. Dá relevo aos acontecimentos militares, à intriga política, ao quotidiano. Introduz os temas económicos e de política monetária. E quando os acontecimentos dramáticos escasseiam, é recorrente afirmar: “Pois não temos mais nada que contar…”», escreve António Borges Coelho na magnífica apresentação da Antologia, numa prosa viva como há muito já nos habituou. O historiador, que nasceu em 1928, nome maior da nossa cultura, continua a mostrar uma vitalidade assombrosa, para nosso gáudio. Também é magnífica a parceria com o ilustrador Rogério Ribeiro, nascido em Estremoz, em 1930, que revela um trabalho assombroso (exemplos nas fotografias das pinturas).
Ainda segundo Borges Coelho, o presente livro «visa alargar a um maior número de leitores a fruição destes tesouros da cultura medieval portuguesa.» Sendo a Antologia uma escolha, o historiador explica a inclusão das duas primeiras crónicas por fazerem parte do «“ primeiro princípio” que desembocaria nos acontecimentos de 1383/85» e o facto dos textos da Crónica de D. João I ocuparem o maior espaço devido ao tamanho e à «riqueza histórica e literária». Em relação à revisão da escrita, refere que se actualizaram a grafia e os sinais, e deu-se «nova veste» a algumas palavras antigas. A obra conta, ainda, com uma Cronologia e um Glossário.
O fresco global de uma época
Sobre a visão multifacetada de Fernão Lopes, que se deteve nos aspectos colectivos da vida nacional para os iluminar na prosa recitada, linguagem flexível, ardor, e ironia, onde se sente a voz do autor, escreve Borges Coelho:
"Na sua narrativa não faltam heróis com as suas fraquezas e façanhas, mas integrados na moldura colectiva: e posto que nós louvemos Fulano e Fulano, “não entendais vós porém que eles sós defendiam as galés sem outrem pelejar por as defender.” E na descrição dos feitos militares não assume o verbo grandiloquente. “Bradava o Mestre que fizessem algumas cousas”, mas o ruído das gentes e o som das armas era tanto, “que parecia que mandava em vão"
(...)
A História falava dos de cima (e ainda fala, mas Fernão Lopes abriu as janelas para os de baixo. Duarte , rei filósofo, encarregou-o “de pôr em crónica as estórias dos reis” e “isso mesmo os grandes feitos e altos do mui virtuoso e de grandes virtudes el-Rei meu senhor e padre”. Ora, ao narrar esses feitos de João, mestre de Avis, matador do Andeiro, Messias da arraia-miúda, Fernão Lopes fez entrar de roldão a cidade de Lisboa, os mesteirais, os ventres ao sol, os honrados, aqueles que não eram dos maiores nem dos mais pequenos, as mulheres, o cidadão Álvaro Pais, o Gil Fernandes de Elvas, libertado pela malta das vinhas, o “bom” do Rui Pereira, o guerreiro novo Nuno Álvares Pereira, sem esquecer Leonor Teles, a Rainha que ensinou as mulheres a ter novos jeitos com seus maridos.
Fernão Lopes está atento aos de cima, que retrata com a verdade das suas humanas mazelas, e aos de baixo, fantásticos ou temíveis, se enchem as ruas de alegria ou tumulto. No Paço a par de São Martinho, acompanha o conde João Fernandes à câmara onde vai receber a cutilada do Mestre e a estocada final de Rui Pereira, abre a janela para a rua onde ferve a multidão manipulada: - Oh Senhor! Como vos quiseram matar por traição!
Em geral o Poder desconfia dos de baixo. Assenta nos seus ombros e tem medo da queda. Gasta fortunas no ritual e na definição do protocolo. Como é que foi possível traçar retratos tão realistas dos de cima e deixar entrar com aquela força os de baixo?."
Obra que se sonha ter em casa, este álbum com 456 páginas de Arte e História é uma prenda especial para pessoas especiais.
FERNÃO LOPES – CRÓNICAS de D. Pedro I, D. Fernando e D. João I, António Borges Coelho (Antologia), Rogério Ribeiro (ilustrações); Editorial Campo das Letras, Porto 2007
nota da editora Campo das Letras:
Rogério Ribeiro (1930-2008)Nasceu em Estremoz, em 1930. Fez a sua formação académica em Pintura, na ESBAL. Expunha individualmente desde 1954, tendo participado, a partir de 1950, nas Exposições Gerais de Artes Plásticas e em várias mostras colectivas nacionais e internacionais. Está representado em importantes colecções públicas e privadas no país e no estrangeiro. Sócio fundador da Gravura - Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses (1958), desenvolveu intensa actividade como gravador, especialmente nos primeiros anos da sua carreira.
Trabalhou em cerâmica por encomendas de particulares, empresas e organismos oficiais. Em 1961 iniciou a sua actividade de Professor de Pintura e Tecnologia na Escola de Artes Decorativas António Arroio e realizou as primeiras experiências em tapeçaria. Professor na ESBAL desde 1970. Dirigiu, desde 1988, a Galeria Municipal de Arte de Almada e, a partir de 1993, a Casa da Cerca - Centro de Arte Contemporânea. Em 1996, a convite do Metropolitano de Lisboa, realiza uma intervenção artística de azulejos para a estação de metro de Santa Lucia, em Santiago do Chile. Em 1997 realiza um painel de Azulejos "Peregrinação" e uma tapeçaria, nas Manufacturas de Portalegre, para o Forúm Municipal Romeu Correia em Almada. Em 1998 realiza um painel para Uzuki, Japão, destinado ao arquivo histórico Nanbam. Realiza igualmente, uma intervenção na estação de Sete-Rios da Rede Ferroviária Nacional.
Em 2003 inicia a preparação de um painel de azulejos de grandes dimensões, intitulado "O Lugar da Água", a instalar numa parede exterior do futuro Museu do Sítio, em Beja, que incorpora estruturas de banhos romanos, encomendado no âmbito do "Viver Beja - Programa Polis".Militante do Partido Comunista Português, Rogério Ribeiro deu importante colaboração artística a um grande número das suas iniciativas, com destaque para a Exposição do 60.º aniversário do Partido e para sucessivas realizações da Festa do Avante.
© Teresa Sá Couto
3 comentários:
Ora viva! Saiu aqui da Kaminhos do João morgado? há uns anos avisei-a lembra-se?EstreladaSerra, mandei mail.Gostei de encontrá-la aqui com a bela escrita e sábia.Por sua causa quase comecei a admirar aquele JM! safa!! Não nos deixe sema sua escrita!
Obrigada por acompanhar a minha escrita!
Sobre este livro: é caro, mas o preço dele não paga o esplendor que ele encerra.
TSC
Serrano: peço-lhe muita desculpa por não ter editado o seu último comentário, porque continha demasiadas referências a assuntos à margem deste espaço. Estou certa que entende. Um abraço para as gentes da bela Serra da Estrela; estou surpreendida com a quantidade de mails, e o seu teor, que no último mês recebi, desde Castelo Branco até à altaneira Guarda. Aqui da capital, é bom saber que também a Beira Interior me tem acompanhado. Obrigada a todos.
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