domingo, 18 de dezembro de 2011

Três novidades da Assírio

Feitos com a sobriedade, a beleza, o esmero e a qualidade que a Assírio&Alvim há muito nos habituou, estão no mercado três novidades imprescindíveis, em poesia de língua portuguesa: Caminharei Pelo Vale Da Sombra, de José Agostinho Baptista, Tentativa e Erro - poemas escolhidos e inéditos, de José Alberto Oliveira e Como Se Desenha Uma Casa, de Manuel António Pina.

Com palavra mágica e intimista, como é seu apanágio, José Agostinho Baptista apresenta-nos, neste seu poema longo, mais um «mergulho nessa miragem de abismos» que é a alma humana, com um sujeito poético viajante por brumas, segredos de mar e alarmes de memórias.
Por sua vez, a saudada antologia Tentativa E Erro é um torvelinho poético, de palavra desassombrada, robusta, crua, inquiridora, que reúne poemas de cinco dos seis livros de José Alberto Oliveira, e alguns poemas inéditos.
Por fim, Como se Desenha uma Casa, de Manuel António Pina, é mais um fulgor poético do Prémio Camões 2011, com a palavra em busca de ruínas para, com a luz mais-que-perfeita das recordações, as reerguer.
Deixo três breves textos:


este não é o lugar onde pairam as aves, este lugar
mata.
E tu,
que te deitas junto ao regato onde vêm beber os lobos
que amas,
e entre eles pareces cantar,
humildemente,
tépida como junho numa tarde de asas,
depõe à altura da fronte um círio e uma grinalda,
e murmura:
eu sou aquela que não tem endereço.
Só me há-de encontrar quem eu queira.
Moro no interior de um grito.
O meu quarto é branco.
Lá fora,
os meus passos não se ouvem.
Só eles, os que vagueiam, me conhecem.

José Agostinho Baptista, Caminharei Pelo Vale Da Sombra, Assírio&Alvim, p.106

***
Plágio

Deixa-me descansar
a cabeça
no teu peito
que conforta;
passa a tua mão fria
pela minha cara,
alivia a febre
que foi a minha vida:

que nos teus olhos
reconheça
a amante prometida,
desde o primeiro desgosto.

José Alberto Oliveira, Tentativa e Erro, Assírio&Alvim, p.163

***
Não abras a porta,
se for o sublime diz que não estou,
já temos palavras de mais, sentimentos de mais.

A glicínia não floriu este ano,
antes floria à volta de tudo
o que resta de azul à nossa volta,
envelheceu, anima-a só o desejo de voltar a casa, de ser uma casa.

Manuel António Pina, Como Se Desenha Uma Casa, Assírio&Alvim, p.30