terça-feira, 13 de abril de 2010

Contas à Democracia

Perto de se celebrar mais um 25 de Abril, resgato este texto, elaborado há precisamente dois anos, sobre mais um livro imprescindível de Viriato Teles, para um reflexão necessária.

Contas à Democracia - Viriato Teles na missão de interpelar o tempo

Não é filósofo, nem sociólogo, tampouco analista político. Viriato Teles é apenas um português embrenhado no seu tempo, que vive a vida interpelando-a, com o dom superior de saber ouvir vozes individuais para, registando-as na palavra escrita, as devolver, plenas e inquiridoras, ao colectivo a que pertencem.

Quando passa mais um aniversário da Revolução de Abril, é ele que nos desafia à reflexão sobre os caminhos da nossa jovem Democracia, com Contas à Vida – Histórias do Tempo que passa, editado em 2005. São 20 conversas desatadas por entrevistas a personalidades dos mais diversas áreas da sociedade nacional, que viveram a revolução com frémito e esperança; não lhes é perguntado onde estavam no 25 de Abril, mas onde está e para onde vai o 25 de Abril; são as parcelas da prova dos nove que nos desfralda uma verdade irrefutável: Abril está na prática quotidiana da denúncia da injustiça, no inconformismo e na luta pela felicidade, o combate que legitima o homem, agora e sempre.

Nas 330 páginas deste Contas à Vida, não se dão respostas. Insurrecto, Viriato Teles, consegue muito mais: faz perguntas, às vezes directas, muitas vezes indirectas, sempre nascidas da interacção com os interlocutores que vão deixando escapar nostalgias, desencantos, pessimismo, mas também alguma esperança, quiçá cônscios de que a utopia é necessária para a caminhada; as suas perguntas alcançam-nos, leitores, estimulando-nos à auto – reflexão, num parto de ideias, espécie de maiêutica socrática, mas pelo timoneiro Viriato Teles, também ele enredado no processo que criou. Aliás, esta contaminação entre autor e leitor é uma das marcas inconfundíveis do jornalista, que torna magnética a leitura dos seus textos.
Gozando de liberdade reflexiva – num livro que se propõe fazer um retrato dos caminhos da Liberdade –, surgem as 20 personalidades, dispostas de A a V: Alberto Pimenta, Alice Vieira, António Pinho Vargas, Baptista-Bastos, Edmundo Pedro, Fausto Bordalo Dias, Fernando Relvas, Francisco Louçã, Isabel do Carmo, João Soares, José Mário Branco, José Medeiros, Luís Filipe Costa, Manuel Freire, Maria Teresa Horta, Mário Alberto, Padre Mário de Oliveira, Odete Santos, Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Gonçalves, o qual tem neste «Contas à Vida» a última entrevista dada – o militar de Abril e antigo primeiro-ministro morreu em 2005 – não chegando a ver o livro, disse-nos Viriato Teles.

E depois da Festa…

«A flor não é a certeza do fruto», disse Almada Negreiros. «O dia 25 de Abril de 1974 será esquecido. É inevitável», refere Tiago Rodrigues no Prefácio, aludindo à perda do valor da Festa coroada com cravos rubros. Todavia, sugestiona-nos, é preciso esquecermos Abril para «podermos começar a pensar na próxima festa, o que nos faz lembrar da razão que tinha Natália Correia ao afirmar que «só os medíocres sabem o que fazer com a vitória»; é também neste sentido de eterna construção do sonho que entendemos as palavras de José Mário Branco: «vai ser preciso fazer muitos mais vinte-e-cincos de Abril para recuperar o que se perdeu e se avançar no sentido da felicidade e da justiça da sociedade.». E não é esta energia do sonho um legado da Revolução de 1974?

Trinta e quatro anos depois das conquistas de Abril como vai a nossa Democracia, a nossa capacidade de crítica, e a nossa participação cívica?

Hoje, verifica-se perda de entusiasmo, diz a jornalista e escritora Alice Vieira, e surgem novos tipos de censura, como a «censura económica» que se alimenta da actual crise no trabalho e da fragilidade do trabalhador que necessita do pão na mesa, o que o faz calar-se perante o patrão, pois pode «ir para a rua e estão logo cinquenta» para o seu lugar.
Baptista Bastos aponta responsabilidades especiais aos partidos políticos de esquerda, aos jornais e à actual Literatura pela incapacidade de formação da massa crítica social: «O Guterres, cada vez que via um socialista ficava assustadíssimo!»; «O PCP está completamente esvaziado de conteúdo»; «os jornais não têm debate, não suscitam reflexão. Mas suscitavam no tempo do fascismo…»; «a literatura portuguesa está toda ela uma grande merda. Porque as pessoas estão a contar as suas vidinhas sem terem vidas para contar».
Apesar de nos ter restituído a cidadania, «dá a sensação que estamos cada vez mais longe dos objectivos do 25 de Abril, diz Fausto, para questionar: onde está a justiça social? Onde está garantido o direito à felicidade das pessoas quando estão à mercê de uma sociedade fortemente competitiva e onde milhares de jovens estão condenados ao desemprego, à marginalização, porque são dirigidos para se formarem em cursos completamente desadequados às necessidades do mercado e do país?».

Comentando o actual capitalismo tentacular, que debilita as ideias anticapitalistas e cria fossos sociais, João Soares nega-lhe a «inevitabilidade, porquanto reconhece nas classes mais jovens, que não se identificam com a «lógica de competição desenfreada, despudorada e feroz» do neoliberalismo, «espaço e apetite», e «uma grande vontade de construir alternativas».

«As revoluções não são apenas uma festa, isso sabemos desde o dia em que esta começou» e, por isso, «o 25 de Abril anda por aí», escreve Viriato Teles na Conclusão com que encerra as conversas. Haverá saudades? Certamente. Mas que sejam «saudades saudáveis, não nostálgicas ou melancólicas. Saudades que animam a luta pelo futuro», como as saudades assim descritas por Vasco Gonçalves. A prova desse ânimo está em nós, foi uma conquista de Abril, que este livro, em boa hora, volta a despertar. A prova está na resposta à provocação activa de Viriato Teles: «E se amanhã tivesses que dar a voz a outro 25 de Abril?». O jornalista e realizador Luís Filipe Costa responde, e na sua resposta reconhece-se a do imenso colectivo: «Ia já, a correr! (…) Desta vez não precisava nem de um minuto (…) desta vez, não vamos levar tanto tempo a acordar.».

Contas à Vida – Histórias do tempo que passa, Viriato Teles; Editora SeteCaminhos, Lisboa, Julho 2005

© Teresa Sá Couto
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Ver texto sobre o recente As Voltas de um Andarilho – Fragmentos da vida e obra de José Afonso e outros textos sobre livros de Viriato Teles na Etiqueta correspondente.

7 comentários:

Claudia Sousa Dias disse...

belo artigo, Teresa.

E desperta o apetite pelo livro.

;-)

csd

Teresa disse...

é um livro estupendo, ou não fosse escrito pelo Viriato Teles!
Espero que ele seja reeditado em breve; chega a ser um crime este livro não estar acessível a todos.

Bjs
T.

Paulo Assim disse...

Quer dizer então que há-de ser difícil encontrá-lo nas livrarias?
Não sendo uma «pessoa política», interessa-me o 25 de Abril e todo aquele tempo obscuro antecedente. Tenho uma certa dose de nostalgia porque na altura era eu um miúdo de dez anos. Consegui escrever um romance trespassando essa data com essa nostalgia da infância e acabei por vencer um prémio literário nos Açores: o livro vai ser publicado para a semana! :)
Quanto ao 25 de Abril, perdeu-se a essência, ou, se quisermos, a fragrância dos cravos que o simbolizaram. Trinta e tal anos depois, a angústia continua estampada na cara das pessoas. Abril só se cumpriu em casa de alguns, vemo-los todos os dias na televisão e nos jornais - são esses os beneficiados de Abril.

(peço desculpa se me alonguei)
:)

Teresa disse...

pois, Paulo; só se for algum perdido, algum sozinho nalguma livraria...

Não se alongou nada, ora essa! Até lhe agradeço o seu testemunho:)

Abraço
TSC

Manuela Freitas disse...

Olá Teresa,
Não conheço o livro e gostei muito de ler o que publicou. Vivi intensamente a Revolução dos Cravos, estava na idade dos grandes entusiasmos e depois de subir ao zénite, fui descendo a escada da ilusão...
Nunca esquecerei esses tempos vividos, porque também senti bem o antes de...
Bj,
Manuela

Teresa disse...

Olá Manuela

Muito obrigada pelo testemunho que nos deixa :)

Beijo

Teresa

Claudia Sousa Dias disse...

Se calhar ão convém que esteja no mercado...não sei porquê.


Mas estou com dificuldades em encontrar outros também: "A última Tentação de Cristo", que tiveram de me fotocopiar de uma biblioteca para poder ler, sublinhar e tirar apontamentos, por causa da apresentação do filme de Scorcese há trÊs anos atrás; e, da mesma forma, "O Milagre segundo salomé" de José Rodrigues Migueéis por motivos análogos.


csd