terça-feira, 19 de janeiro de 2010

De Eugénio de Andrade para as crianças


No dia de aniversário de Eugénio de Andrade (19 de Janeiro de 1923 - 13 de Junho de 2005) não vos trago a sua poesia, porquanto já a abordei, há precisamente um ano, AQUI; detenho-me na História da Égua Branca, uma narrativa do poeta beirão para os mais pequenos, num tesouro para quem queremos que cresça com as rédeas bem firmes da vida, com alegria e robustez intelectual. «Eu seria outro poeta se, aos cinco ou seis anos, tivesse deparado com as cintilações dessas sílabas», escreveu. Nesta história, o poeta dá aos mais novos o brilho mágico e sedutor da leitura que diverte e ensina.

Ilustrada magistralmente por Joana Quental, a breve narrativa tem a cadência da oralidade, o júbilo das peripécias, a pureza da linguagem. Conta a história de uma bela égua branca que é disputada por três irmãos que têm de provar merecê-la. No final, uma lição que acompanha o ser humano durante toda a sua vida: um tesouro não pode pertencer a que não o merecer.

Porque a magia sempre se multiplica, a obra está  incluída na lista de livros do Plano Nacional de Leitura. A mágica égua branca, animal duplamente intuitivo, na narrativa e na cumplicidade urdida com o leitor, tem muitas gerações para encantar.

Lição sobre o bem e o mal, os comportamentos e as escolhas que se fazem, a história de Eugénio de Andrade surpreende pelo seu vigor e carácter pedagógico tecidos numa mensagem translúcida, como, aliás, devem ser as mensagens basilares a partir donde se edifica o ser humano. A Égua Branca é o animal com características humanas e o centro de todo o ensinamento. Curioso é, também, que na galeria de personagens masculinas, a égua de cor pura é a essência ou a força feminina que está na origem de tudo, um ser genesíaco para a génese do crescimento psicossocial das crianças.

As ilustrações de Joana Quental enchem as páginas de cor e dinamismo. Com formas arredondadas, as figuras envolvem quem as contempla, guiando-o numa experiência única. A disposição das diversas figuras nas composições lançam o desafio aos mais novos para que construam a sua própria história e com elas interajam, consoante as suas percepções, o seu mundo.

Um, dois, três, e assim se faz magia. O número três faz parte do nosso imaginário colectivo e é ele que marca a cadência da «História da Égua Branca»: o velho Cristóvão tinha três filhos e não sabia a qual deixar a magnífica e afamada Égua Branca. Pede conselho ao amigo Boticário, um poeta, que o aconselha a testar os três rapazes, dando-lhes, a cada um, um tempo com o animal, daí originando-se os três episódios; foi dado ao primeiro filho, o António, o prazo de três semanas para devolver a Égua.

Os irmãos representam três dos pecados capitais, mas não pecados com sentido religioso: etimologicamente, peccare significa errar no objectivo, dar passo em falso, tropeçar, enganar-se, ser deficiente ou ser reduzido. Por isso, devem combater-se os pecados, para se moldar o carácter, para se ser alguém melhor, para se ser reconhecido, estimado e, consequentemente, realizado. E os rapazes, mostrando deficiências de carácter, erram o objectivo de ter a égua branca, além de serem castigados pela ladina égua humanizada:

- António, o filho mais velho, mostra a Vaidade e a presunção ao ver na Égua Branca o chamariz para impressionar as raparigas, pavoneando-se com ela pela vila «para que as moças se derretessem ou se matassem por ele». Um dia, quando passeava no bosque com uma rapariga que se deixou deslumbrar pelo portentoso animal, a Égua, farta de estar presa a um eucalipto e de lhe comer as folhas, ficou com soluços. Encavacado, o rapaz espetou-lhe um alfinete no traseiro para que ela parasse e a égua, relinchando, «alçou o rabo e borrifou de alto a baixo os dois namorados, exactamente com o que estás a pensar», e galopou para casa.

- Joaquim, o do meio, revela a Soberba e a ambição, outrossim a vaidade e a arrogância. Pensando nos proveitos monetários que a Égua lhe traria, resolve exibi-la nas feiras. Indignada, a Égua relinchou. Resolve, então, ensiná-la a chicote. «Mas a mansidão também tem limites – é mesmo da sabedoria das nações que os mansos não entram no Reino dos Céus», e o animal devolve-lhe uma parelha de coices, bem direccionada aos queixos do rapaz.

- João, o mais novo, deixa escapar a Ira e a insensatez: dominado pela cólera, espanca até à morte o burro do moleiro que tentou subir para cima da égua, «malhou, malhou, até o deixar bom para estrume.». O moleiro, alertado pelos zurros lancinantes do seu animal, corre em seu auxílio e, encontrando-o morto, desfaz-se em lágrimas. Estava encontrado o dono para a Égua Branca: o pesaroso moleiro. A Égua Branca escolhia o dono que a merecia e, desprezando o rapaz, segue a sua vida sem olhar para trás.
Estava encontrada a moral da história e uma lição de vida.


História da Égua Branca, texto de Eugénio de Andrade, ilustrações de Joana Quental; Editorial Campo das Letras, 10ª edição, Porto 2007

© Teresa Sá Couto

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