Os europeus e os Outros. O caminho, a marcha das civilizações. A história da dominação, do desprezo, a nova era global das migrações e o «nascimento de um novo Outro não-europeu, que também é estranho perante outros não-Europeus». A xenofobia, essa «doença dos apavorados que padecem de complexos de inferioridade, assustados só com a ideia de confrontação no espelho da cultura dos Outros.».
Estes são os motes do pequeno e interessantíssimo livro O Outro de Ryszard Kapuscinski, editado no ano passado pela Campo das Letras. Considerado por Gabriel García Márquez “o verdadeiro mestre do jornalismo”, Kapuscinski apresenta-nos seis textos proferidos noutras tantas conferências nos anos de 1990 e 2004.
«Somos responsáveis pelo caminho. Frequentemente temos a consciência de percorrer um caminho só uma vez na vida e de nunca mais lá voltarmos», escreve Kapuscinski neste livro que nos surge como epílogo de uma vida dedicada a desvendar o Outro; o autor, que faleceu em 2007, deixou-nos um precioso e vasto acervo a dar conta da «Experiência de vários anos de viagens pelo mundo» esculpida em «reportagem literária» (ver AQUI e AQUI)
Segundo o autor, se a raça, a nacionalidade e a religião definem o outro, constata-se que «os nossos Outros terceiro-mundistas estão a ganhar maior protagonismo na história contemporânea e actual», devido à «invasão» aos países desenvolvidos, nomeadamente desde os anos oitenta do séc. XX, o que obriga à redefinição do mapa-mundo multicolor e complexo. Estarão os europeus preparados para esta coabitação?, aventa-se. Com efeito, hoje há a consciência da presença dos Outros - que «têm ainda a percepção do direito à existência e uma identidade própria» -, o peso da sua diversidade no nosso quotidiano; aceitar a multiculturalidade é um progresso que, todavia, esconde ameaças, assim nomeadas: «a enorme dinâmica e a ambição das culturas recentemente reconhecidas podem ser aproveitadas por nacionalistas e racistas para guerrearem contra os Outros»; «a defesa de uma cultura pode ser pretexto para a propagação do etnocentrismo, da xenofobia e da hostilidade com os Outros. Na teoria do desenvolvimento autónomo de culturas, o reconhecimento do direito inalienável da diferença – assim é, por vezes, interpretada a regra de multiculturalidade – pode esconder uma intenção separatista, uma negação da necessidade e do proveito de intercâmbio, uma arrogância e uma fobia relativamente aos Outros» (p.50).
Aprender com a História, recordar a dominação europeia com o seu balanço trágico e sanguinário, determo-nos no exemplo de períodos em que o pensamento europeu tentou aproximar-se do Outro pela compreensão, construirmos quotidianamente pontes de diálogo, constituem a tarefa imensa do caminho, já que vivemos num «mundo frágil, demagogo, desorientado, fanático e cheio de más vontades.».
Num pequeno livro, uma viagem à História das relações entre os habitantes do globo e uma reflexão lúcida para projectar o futuro.
O Outro, Ryszard Kapuscinski, tradução de Wlodzimierz Józef Szymaniak e Isabel Ponce Leão, Editorial Campo das Letras, 2009
© Teresa Sá Couto
4 comentários:
Bom Dia Teresa,
Queria só comunicar-lhe que no sábado passado se comemorou em Leiria o "Dia Miguel Torga", tendo-se descerrado uma lápide. Torga viveu em Leiria (não sei durante quanto tempo ou qual o período) e foi agora editado um pequeno guia com os percursos do escritor naquela cidade.
um beijinho para si
Miguel
olá Miguel
fico contente por a edilidade invocar assim Torga. Obrigada por mo dizer.
Beijinhos e boa semana :)
T.
«Os europeus e os Outros», hoje.
Em tempos já foi «Os cristãos e os Mouros» ... Oportuna escolha. Vou ficar de olho, também nos livros anteriores. Obrigada.
pois, os "Outros" (não-europeus) já foram os Persas, os Árabes, os Mongóis... agora são da Ásia, América Latina, África, etc. Hoje, esta casa grande não tem paredes, resta saber se não seremos nós a erguê-las...
Beijo
T.
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