Cristina Nobre Soares lança hoje a segunda edição de Gineceu, uma casa de silêncios de 17 mulheres abrigadas no mesmo número de curtas narrativas, mais duas do que na edição anterior. Nesta dilatação se vai cumprindo o enunciado pela personagem Laura: Eu só quero que alguém escute o meu choro, a minha existência. A presente edição, ainda com a chancela da Papiro, tem na capa a fotografia da escultura de “Isabel”, do conjunto das esculturas de Bolota, nome artístico da ceramista Isabel Maria de Azevedo Claro, sobre estas mulheres da escrita de Cristina (ver vídeo, no final deste texto). Não obstante tratarem-se de pequenas narrativas, as personagens femininas demoram-se no espaço que as portas da escrita abrem. Com efeito, se se trata de mulheres retidas numa baixa condição social e radicados em lugares portugueses (com referenciais da emigração lusa, da Guerra do Ultramar e da Revolução de Abril), o seu universo psíquico atinge qualquer mulher de qualquer lugar.
São mulheres que se exaurem na banalidade rotineira dos gestos, por isso gestos secos continuamente a fechar cortinas, que choram por dentro, que olham para “as costas da felicidade” e para o chão, sem capacidade de joeirar sonhos. Por isso, Helena fica a “quatro passos da janela” e Rosário cruza o xaile de renda, envolvendo-se na teia ímpia, e urdida com esmero, do destino, e todas afogadas na solidão, cumprindo o seu “papel de espectro patético”.
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No seu claustro de silêncio, fechadas no lamento do fado, algumas das mulheres estioladas no abafar da frustração, aninhadas no luto da saudade, têm na maternidade o único sentido das suas vidas, dito assim sobre Irene:
outra agulha. Outra barriga cheia. Outra vez que não conseguira fugir ao corpo que a puxava a meio da noite. Mas dessa vez, escondera os vómitos no abafar da água da torneira aberta e a barriga que logo se fez saliente, na cinta apertada. Até ser tarde demais para que fosse de novo. E a mesma parteira que lhe desmanchou os filhos, agarrou-lhe as pernas para que ela parisse aquele. Que lhe saiu num grito imenso, prenhe de culpa, parido de alívio. (p.39, da primeira edição).
.Simples e despretensiosa, com vocabulário, concomitantemente, doce e cru, a expressão escrita veicula eficazmente a voz interior das mulheres, íntima e confessional, seguramente capaz de estabelecer diálogos de cumplicidades com leitores homens e mulheres.
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© Teresa Sá Couto
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