terça-feira, 9 de novembro de 2010

relâmpago dedicado a Cesariny

Já está disponível o número 26 da revista de poesia relâmpago, que é, nesta edição, dedicado a Mário Cesariny. O número chega no mês em que passam quatro anos da morte de Cesariny - a 26 de Novembro, com 83 anos. «Se se pudesse falar, nem que apenas simbolicamente, de revolução em poesia, Mário Cesariny seria, sem dúvida, um desses símbolos maiores de mudança, à semelhança de Cesário e de Pessoa, dois poetas aos quais, não sem motivo, a sua obra está ligada», escreve Gastão Cruz na nota editorial.

A belíssima edição contém fotografias a preto e branco e a cores de Cesariny, de trabalhos seus e de trabalhos inspirados na sua obra, em imagens que documentam uma época tingida pelo carisma do homem irreverente e polémico, fundador do surrealismo português, poeta considerado e pintor elogiado. «Para mim tudo é pintura», e é a pintura que melhor faz a «denúncia do desespero», disse o poeta-pintor sobre a sua forma de estar no mundo, forma essa que a relâmpago agora recupera e analisa com ensaios realizados por António Carlos Cortez, Fernando Azevedo, Fernando J. B. Martinho e Fernando Cabral Martins. Como Cesariny é, ainda e sempre, surpresa, a relâmpago dá-nos, em imagens, o original Pastor - Evangelho em 1 Prólogo e 3 Quadros.
.
Cesariny tem a sua obra editada pela Assírio&Alvim, e dos inúmeros títulos destaco Uma Grande Razão - os poemas maiores, com 56 poemas, um artigo de José Manuel dos Santos, publicado no jornal O Público, aquando da morte do poeta, e uma entrevista de Maria Bochicchio a Cesariny, publicada no jornal Expresso. É deste livro que transcrevo o poema uma certa quantidade:

Uma certa quantidade de gente à procura
de gente à procura duma certa quantidade
.
Soma:
uma paisagem extremamente à procura
o problema da luz (adrede ligado ao problema da vergonha)
e o problema do quarto-atelier-avião
.
Entretanto
e justamente quando
já não eram precisos
apareceram os poetas à procura
e a querer multiplicar tudo por dez
má raça que eles têm
ou muito inteligentes ou muito estúpidos
pois uma e outra coisa eles são
Jesus Aristóteles Platão
abrem o mapa:
dói aqui
dói acolá
.
E resulta que também estes andavam à procura
duma certa quantidade de gente
que saía à procura mas por outras bandas
bandas que por seu turno também procuravam imenso
um jeito certo de andar à procura deles
visto todos buscarem quem andasse
incautamente por ali a procurar
.
Que susto se de repente alguém a sério encontrasse
que certo se esse alguém fosse adolescente
como se é uma nuvem um atelier um astro (p.p. 64,65)




1 comentário:

Tuca Zamagna disse...

Conheço pouco, infelizmente, da obra de Cesariny, um dos muitos grandes poetas de língua portuguesa quase ou totalmente ignorados no Brasil. E não se trata de algum tipo de xenofobia editorial: do desinteresse das editoras brasileiras por poesia (reflexo do praticamente nenhum interesse do público) não escapa a maioria dos bons poetas brasileiros.

Ler este extraordinário poema desperta de imediato a vontade de ler toda a sua obra, vontade que já transformo em compromisso. Minha "impecável" desorganização, no entanto, me faz tão relapso com meus compromissos...

Um abraço