A poeta angolana Ana Paula Tavares tem novo livro: Como veias finas na terra, com a chancela, uma vez mais, da Caminho, colige, em 51 páginas, poemas curtos tecidos com palavras de brilho, sílabas claras, sinais perdidos nas dunas, areias, fontes, manhãs, noites de lua.
Com escrita ritualística, marca da autora, celebram-se vozes antigas da mulher africana no chão que se confunde com o seu próprio corpo, para desse chão atingir a universalidade do ser. «Aqui as pedras já não são pedras. O /sopro de vida que as /habita é um resto da fala antiga /de que são feitos os versos.», «Aqui a música pode ouvir-se na mão /curvada /búzio /sobe /o ouvido», lê-se nesta poesia que assim nomeia as suas próprias características.
São, pois, sons, sabores, texturas, desejos, cicios de perdas, de ganhos, de quimeras, que impulsionam as palavras, veias desta poesia. Para ler e sentir demoradamente. (texto meu sobre a poesia da autora, AQUI)
Poemas:
Quantas coisas do amor
P’ra ti guardei
Coisas simples como estar à esperaP’ra ti guardei
Manter o pão quente
Deixar o vinho abrir-se
Em mil sabores
Guardei-me das tentações
das sombras do desejo
das vozes
dos segredos
seria muito pedir-te
que me veles o sono
só mais uma vez.
***
Toda a noite chorei na casa velha
Provei, da terra, as veias finas.
Um nome um nome a causa das coisas
Eu terra eu árvore eu sinto
todas as veias da terra
em mim e
o doce silêncio da noite.
***
Detenho-me no cais
Ainda não é a hora
Eu sei
Há barcos de um lado
E comboios antigos de toda a parte
Ainda não é a hora
Eu sei
Detenho-me no cais
Eu sei não é ainda a hora
As pessoas deslizam
Acertam as suas vidas
Pelos relógios
1 comentário:
Adoro-a, simplesmente. A escrita dela devora-se. Pessoalmente é uma pessoa extremamente doce.
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