Evoco os 86 anos de Albano Martins, cumpridos neste dia 24 de Julho, com a chamada de atenção para Desta varanda, o mar, Livro de Viagens e O Caroço, os livros mais recentes do autor que cumpre o seu destino «como qualquer fonte».
O Desta varanda, o mar é uma edição bilingue - português e castelhano -, com Alfredo Pérez Alencart a assinar a tradução castelhana. É um belíssimo livro de haikus, género que Albano há muito pratica com reconhecida mestria e que enforma na perfeição a limpidez desconcertante da voz do poeta. Transcrevo um dos poemas nas duas edições:
O luar montou na crista
duma onda; chegou à praia
e quebrou-se.
*
Una luz de luna subió en la cresta
de una ola; llegó a la playa
y se despedazó.
Em Livro de Viagens, faz-se um percurso por lugares e sentimentos, que, no caso de Albano, é a mesma coisa. E lá estão a demanda do sentido da vida, os afectos, a melodia, a luminosidade, a concisão. O poema Terras de Xisto:
Aqui, o sol
vem beber
às nossas mãos, dorme
connosco, na nossa
cama, sob
o mesmo tecto. Aqui,
o xisto é pedra
de sangue, lágrima
solteira, lâmina
e pálpebra
do silêncio. (p.55)
Finalmente, O Caroço é um curto conto juvenil fundeado no ninho da memória do autor, mais uma luminosa fábula construída com fios secretos que tecem o futuro. É a história de um caroço de cereja desprezado que haveria de se tornar cerejeira. As ilustrações expressivas são do incontornável pintor e escultor José Rodrigues. Extracto do lamento pelo desprezo:
Se alguém – pensou – se condoesse de mim, me levantasse deste chão estéril em que jazo e me lançasse à terra de semeadura, talvez eu voltasse, por metamorfose, a ser o que já fui: uma casa para as aves, que ali tantas vezes tiveram morada e sustento, alimento para os homens e sedução para os olhos ávidos dos transeuntes. (p.9)
© Teresa Sá Couto
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