O poeta e professor universitário Albano Martins, nascido na Aldeia do Telhado, Fundão, em 1930, será condecorado pelo Presidente da República, no próximo dia 10 de Junho, Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. O livro recente do autor, lançado dia 7 de Junho, na Feira do Livro do Porto, dirige-se às crianças. É esse livro que aqui sugiro num artigo, ressalvando a obrigatoriedade de nos determos na sua obra poética, a sua dedicação às letras de toda a vida. Albano Martins nasceu em 1930, na Aldeia do Telhado, Fundão. Foi agraciado pelo Governo da República do Chile com a Ordem de Mérito Docente e Cultural Gabriela Mistral no Grau de Grande Oficial, pela sua obra poética e pelo seu trabalho de tradução de Pablo Neruda. Foi distinguido com a Medalha de Ouro da Cidade do Fundão, em 2006. Esta condecoração do Dia de Portugal enche-nos de orgulho: pelo poeta e pelo país o reconhecer!
Palavras maiores para gente de palmo e meio
Decorridos cinquenta e sete anos a escutar o silêncio das palavras, para no-lo dar repleto de música, Albano Martins, o poeta nascido no chão beirão de vívidas cerejas, surpreende-nos com uma história dedicada aos miúdos.
Titulada «Uma casa à beira da floresta», a narrativa espraia-se num pequeno livro rectangular, com cerca de um palmo e meio, em mão pequena, a relembrar-nos que todos somos pequenos, mas com o poder de um grande abraço. São puras, as palavras, cristalinas, depuradas, luminosas e sanguíneas, como ele nos habituou. Tal como as ilustrações de Simona Traina, mais uma companheira na caminhada das palavras de Albano, nova cúmplice da imensa casa construída pelo nosso poeta, agora ainda mais inteira porque tem dentro dela todas as crianças reunidas em torno de uma lição: «que o bem-estar, o conforto e a felicidade não são uma conquista fácil, que os caminhos da vida estão armadilhados e que é necessário estar atento aos humores da fortuna.».
O livro traz-nos uma história de bichos na odisseia da sobrevivência. Uma fábula, em prosa poética ou, como a caracteriza Albano Martins: uma «fábula esopiana, se quiserem –, mas fábulas, se me permitem, são, no genuíno sentido do termo, todos os poemas que escrevi».
No centro da narrativa, a rã Margarida com a sua família harmoniosa que habita num «pequeno charco à beira da floresta», casa exígua, mas capaz de acolher outros amigos, «seres miudinhos» como os girinos, minhocas, «minúsculos peixes de água doce» ou salamandras, e reconfortar quem por lá passa na azáfama da jornada existencial, como a cobra Lucinda, libélulas, alfaiates ou joaninhas.
Repleta de vida, a narrativa convoca todos os sons, cores e movimentos, num apelo aos sentidos dos miúdos leitores, incentivando o imaginário de cada petiz. Assim: «Ao longe, as cigarras desfiavam o seu canto rouco. Os melros, cobertos de tinta preta, rasgavam, em voos rápidos, a atmosfera envolvente e perdiam-se, lá adiante, na folhagem dos salgueiros e amieiros das margens da ribeira. Mais para lá, um cuco dava sinal de si e percutia o ar com as suas vogais escuras».
Criado este mundo de afecto em íntimo diálogo com a imaginação e afectividade infantis, é hora para outras lições, também puras, mas em voo para o futuro; e, se as ilustrações da italiana Simona Traina, que vive actualmente na Sicília – que tem editados vários livros em Portugal –, ostentam maioritariamente as cores frias do charco, onde os animais vivem, em nota pictórica do carrego da vida custosa, também fazem sobressair o coração amarelo dos malmequeres, adornado pelos dedos brancos da paz a acolherem todos para o afago do seu interior.
Com notícias de outro espaço mais amplo, uma barragem a norte, a família de Margarida parte impelida pelo sonho de uma vida melhor. Mas o novo espaço, atingido com sacrifício, após uma viagem penosa feita debaixo de um sol abrasador, tem outro bicho: o predador homem, que, todo-poderoso, se apinha nas margens do grande lago, compartimenta o lugar, e que rapidamente descobre nas pernas de rã uma iguaria para o paladar. Assim, aquele novo espelho de água espelha uma grande verdade em grito de alerta: a necessidade de meditação dos pequenos e indefesos para se «protegerem contra as acções dos poderosos, sempre prontos a espezinhar os fracos e os humildes.».
Com este texto de leitura para todas as idades, e partilha geracional, Albano Martins escreve a torrente líquida primordial que constitui o ser humano, a qual, incautos, temos vindo a envenenar: a torrente do respeito ambiental, da estima por todos os seres vivos, da partilha e da solidariedade. Só assim se mantém a grande casa comum. Afinal, este é o imperativo de sobrevivência de todas as espécies, incluindo, a espécie humana.
Uma Casa à Beira da Floresta, Albano Martins (texto) e Simona Traina (ilustrações); Editorial Campo das Letras, Porto, Maio 2008
© Teresa Sá Couto
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