terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A canção do povo português na mestria de Fernando Lopes Graça


Ritmos cardíacos de funda ancestralidade, as cantigas populares são retratos da alma de um povo. À procura dessa alma antiga, e da invenção melódica do povo – uma das formas mais difíceis de invenção artística –, o maestro Fernando Lopes Graça recolheu criticamente cantigas tradicionais de todo o país. É esse trabalho que encontramos coligido na soberba Antologia A Canção Popular Portuguesa Em Fernando Lopes-Graça.
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«Restituir ao povo a sua música» é, pois, a missiva, o apelo e a urgência deste prodígio editorial, organizado por Alexandre Branco Weffort, que aqui invoco, quando se celebram 103 anos do nascimento de Fernando Lopes Graça (17 de Dezembro de 1906), considerado um dos músicos e compositores mais significativos da história da Música Portuguesa e da Península Ibérica. A Antologia crítica faz-se acompanhar de um CDROM contendo exemplos sonoros de composições referidas na Antologia e registos ao vivo da voz e de actuações do próprio maestro. Voz, estudo, paixão e mestria de um homem que, do Minho ao Algarve, passando pela Beira Baixa (Castelo Branco e Fundão) e bebendo a singularidade melódica do Alentejo, soube interpretar e imortalizar a alma sonora antiga do povo português.
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Fernando Lopes-Graça nasceu em Tomar em 1906 e faleceu a 27 Novembro de 1994, na freguesia da Parede, Cascais. Deixou uma obra imensa, comprovando-se as suas palavras: “a música é a minha única religião” e “a Academia é o meu lar musical”. Dessa sua religião nos dá conta a Antologia de 450 páginas, e o CD, dois registos complementares para prazeres de conhecimento.
Bem organizada, a Antologia crítica está dividida em 5 capítulos e repleta de fotografias de Fernando Lopes-Graça, em várias fases da sua vida, bem como de regiões do país que ele tanto palmilhou para reabilitar sonorizando. No prefácio, Mário Vieira de Carvalho faz uma contextualização histórica política e cultural da época de Fernando Lopes-Graça e traça o percurso do maestro pessoal e artístico, porquanto se interferem, nomeadamente a sua iniciação política nos anos vinte e os tempos conturbados da década seguinte que o atiram para o exílio em Paris, a partir de 1937.

É longe da pátria que o “olhar melhor a alcança” e é do exílio – onde bebe a modernidade – que Fernando Lopes-Graça desenvolve o sentimento telúrico que a sua intervenção musical posteriormente comprovaria.
A Antologia colige textos do maestro, sobre o Folclore e a Música Popular Portuguesa, resultado do trabalho de prospecção feito de norte a sul de Portugal, escritos que, por isso, mostram a intervenção na realidade, e não apenas a reflexão distanciada. A partir da terceira parte da colectânea, reúnem-se as composições de Lopes-Graça - letras e partituras -, sobre a canção popular e o seu tratamento erudito, uma relação explicada assim pelo maestro:
As canções que ides ouvir roubei-as eu ao nosso povo, que tem um grande tesouro delas: e roubei-lhas, não para as guardar para mim, mas com o propósito de lhas restituir, possivelmente com juro do roubo. (…) Não lhas restituo, porém, tal-qualmente lhas roubei: fiquei com alguma coisa delas e, ao devolver-lhas, procurei que elas não ficassem diminuídas no seu valor, antes diligenciei aumentá-las com aquele pequeno juro que está nas minhas posses despender.
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O CDROM abre com a voz do maestro, num registo ao vivo. Oferecem-se quatro caminhos informativos: um esboço biográfico de Lopes-Graça; a listagem da sua obra musical – as grandes formações instrumentais, Música Coral, Música de Câmara, Piano, Voz e piano, instrumentos diversos – com títulos e datas de formação; A Obra Literária; A Canção Popular Portuguesa, com 16 páginas para consulta e sempre com exemplos sonoros dos vários temas, referenciados na Antologia, interpretados muitas vezes ao piano pelo próprio Lopes-Graça. São incluídos também vários registos inéditos, como o do Coro da Academia de Amadores de Música, sob a direcção do maestro, captado ao vivo em 1976.
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A Canção Popular Portuguesa Em Fernando Lopes-Graça, organização de Alexandre Branco Weffort; Editorial Caminho, Lisboa 2006

© Teresa Sá Couto

3 comentários:

jorge manuel brasil mesquita disse...

Votos de feliz Natal.
Convém não esquecer o excelente trabalho de Lopes Graça com Giacometti ao recolherem grande número de canções tradicionais portuguesas e do livro que ambos editaram e de que, infelizmente, não me ocorre o nome neste momento. Prometo que regressarei para divulgar o Título.

Jorge Brasil Mesquita
www.fisgasdotempo.blogspot.com

Teresa disse...

Não tenho, mas penso que também está editado pela Caminho. Vou averiguar.

Boas Festas, Jorge e um Grande Abraço

TSC

jorge manuel brasil mesquita disse...

Tal como havia prometido aqui vão os títulos das obras que prometi divulgar: "A Canção Popular Portuguesa" de Fernado Lopes Graça e "Cancioneiro Popular Português" de Michel Giacometti, com colaboração de Fernando Lopes Graça, tendo sido lançada em conjunto uma cassette com o mesmo título, contendo 26 trechos de música tradiconal portuguesa.

Moinho das Antas, 23/12/2009 - Jorge Brasil Mesquita
www.fisgasdotempo.blogspot.com