Ainda falta muito? é o terceiro e mais recente livro infantil de Carla Maia de Almeida, mais uma marca de um estupendo percurso nas letras para os mais novos, que urge aqui apresentar.
A história deste “capítulo” é simples; a composição – pureza narrativa e ilustrações de Alex Gozlau – é arrebatadora. Primeiro a verosimilhança com a situação narrada, o que possibilita a cumplicidade com os jovens leitores e a partilha intergeracional: conta-se uma viagem de automóvel feita por dois adultos, pai e mãe, com os dois filhos pequenos, um rapaz e uma rapariga. O objectivo é visitar os avós a uma aldeia distante e de ambiência distinta do local onde as crianças habitam.
A imobilidade imposta no banco traseiro da viatura faz com que a viagem seja um tormento para as crianças. Ainda falta muito? é a pergunta que o miúdo mais pequeno coloca constantemente. Será a irmã, um pouco mais velha, a narradora da história da impaciência e a veiculadora da memória guarda que, nos seus tenros anos, já acumulou. Segue-se a narrativa, passos de crescimento, irrupções de júbilo, registos de afectos, projecções de futuro.
«O meu irmão ainda é muito pequeno. Só quer atenção e mimos. Não se lembra da aldeia, nem do cão chamado Roger, nem dos gatos que eram primos. E assim não podemos conversar. Mas depois, Como é que era? Como é que eu podia pensar? Como é que eu conseguia estar a sós com a minha imaginação? Aindaaaaaaaa faaaaaaaalta muuuuuuuto?, diz ele, quase a gritar», lê-se, ao mesmo tempo que se mostra que, afinal, uma viagem longa pode ser emocinante, bastando tão-só o motor veloz da imaginação. As ilustrações, que juntam brilhantemente fotografia e pintura, enchem as páginas de cor e expressividade.
A imobilidade imposta no banco traseiro da viatura faz com que a viagem seja um tormento para as crianças. Ainda falta muito? é a pergunta que o miúdo mais pequeno coloca constantemente. Será a irmã, um pouco mais velha, a narradora da história da impaciência e a veiculadora da memória guarda que, nos seus tenros anos, já acumulou. Segue-se a narrativa, passos de crescimento, irrupções de júbilo, registos de afectos, projecções de futuro.
«O meu irmão ainda é muito pequeno. Só quer atenção e mimos. Não se lembra da aldeia, nem do cão chamado Roger, nem dos gatos que eram primos. E assim não podemos conversar. Mas depois, Como é que era? Como é que eu podia pensar? Como é que eu conseguia estar a sós com a minha imaginação? Aindaaaaaaaa faaaaaaaalta muuuuuuuto?, diz ele, quase a gritar», lê-se, ao mesmo tempo que se mostra que, afinal, uma viagem longa pode ser emocinante, bastando tão-só o motor veloz da imaginação. As ilustrações, que juntam brilhantemente fotografia e pintura, enchem as páginas de cor e expressividade.
Ainda Falta Muito?, Carla Maia de Almeida (texto) e Alex Gozblau (ilustrações); Editorial Caminho, 2009
Titula-se Não quero usar óculos, é o segundo livro infantil de Carla Maria de Almeida e atesta que o segredo da genialidade está em inventar a simplicidade. Ora vejamos: um miúdo fica a saber que tem de usar óculos. Enquanto os espera, vai discorrendo sobre as formas das armações, pondo em cada hipótese os desejos com que se liga ao mundo. As ilustrações de André Letria objectivam a narrativa textual, e o festim pictórico que corre em páginas inteiras, instigando a criatividade do leitor.
Com efeito, a arte ao serviço das crianças está em trinta e duas páginas de cartolina, envolvidas por uma capa dura, carregam o espanto da arte literário e plástica, que junta palavras e imagens e cor ao serviço no incentivo desenvolvimento, intelectual, emocional e artístico das crianças. Conta-se a breve história, de forma límpida e de fácil identificação ao universo infantil, de um rapaz que vai a um médico «com um nome comprido: O-F-T-A-L-M-O-L-O-G-I-S-T-A», e fica a saber que tem de usar óculos. Enquanto os espera vai imaginando o seu formato: balizas, pois um dia quer ser guarda-redes; à maneira dos piratas, pois há-de ser «um terrível pirata»; guarda-chuvas, para poder andar à Chuva.
Comprovando-se que, quando libertada, a imaginação corre sem limites alimentando-se do próprio voo, o rapaz logo imagina óculos especiais que lhe permitam uma eficaz aproximação da natureza, das árvores, do mar, e de óculos para ver ao longe. Uma alegoria numa lição também para muitos adultos que “precisam de óculos” para poderem ver e, consequentemente, respeitar o meio ambiente, e poderem ver o «longe» do futuro. O rapaz da história também projecta óculos para «entender certas coisas» que lhe dizem não ser para a sua idade.
Preenchendo totalmente as páginas, com cores fortes e contrastantes, dinamizadas, pelo movimento das cerdas do pincel que ora espalham, em lastro, a tinta no fundo, ora se detêm, deixando nos pormenores o mesmo testemunho do processo de criação, André Letria vai construindo uma montra de óculos com narrativas do mundo interior infantil, que muitas vezes não divisamos. Também neste sentido, este é um livro de partilha entre pais e filhos, de revelações e deslumbramentos.
Não quero usar óculos, Carla Maia de Almeida (texto) e André Letria (ilustrações); Editorial Caminho, Lisboa, 2008Com efeito, a arte ao serviço das crianças está em trinta e duas páginas de cartolina, envolvidas por uma capa dura, carregam o espanto da arte literário e plástica, que junta palavras e imagens e cor ao serviço no incentivo desenvolvimento, intelectual, emocional e artístico das crianças. Conta-se a breve história, de forma límpida e de fácil identificação ao universo infantil, de um rapaz que vai a um médico «com um nome comprido: O-F-T-A-L-M-O-L-O-G-I-S-T-A», e fica a saber que tem de usar óculos. Enquanto os espera vai imaginando o seu formato: balizas, pois um dia quer ser guarda-redes; à maneira dos piratas, pois há-de ser «um terrível pirata»; guarda-chuvas, para poder andar à Chuva.
Comprovando-se que, quando libertada, a imaginação corre sem limites alimentando-se do próprio voo, o rapaz logo imagina óculos especiais que lhe permitam uma eficaz aproximação da natureza, das árvores, do mar, e de óculos para ver ao longe. Uma alegoria numa lição também para muitos adultos que “precisam de óculos” para poderem ver e, consequentemente, respeitar o meio ambiente, e poderem ver o «longe» do futuro. O rapaz da história também projecta óculos para «entender certas coisas» que lhe dizem não ser para a sua idade.
Preenchendo totalmente as páginas, com cores fortes e contrastantes, dinamizadas, pelo movimento das cerdas do pincel que ora espalham, em lastro, a tinta no fundo, ora se detêm, deixando nos pormenores o mesmo testemunho do processo de criação, André Letria vai construindo uma montra de óculos com narrativas do mundo interior infantil, que muitas vezes não divisamos. Também neste sentido, este é um livro de partilha entre pais e filhos, de revelações e deslumbramentos.
O Gato e a Rainha só é o livro de estreia de Carla Maia Almeida, um livro encantado que multiplica encantamentos, destinado a crianças a partir dos 8 anos. Fala de um gato que «Nunca tinha ido à Lua, mas pensava muito no assunto». «O mundo não é como vem nos livros – é muito mais redondo!»: palavras sábias a que se juntam as portentosas ilustrações Júlio Vanzeler, tudo a lembrar-nos que um livro pode ter as coordenadas, os instrumentos e os impulsos para se explorar o mundo.
Depois da casa destruída por um incêndio, o gato Radar é obrigado a recomeçar a vida. Parte à procura de uma nova casa para morar, «que tivesse cheiro, memórias….». Começa aqui a estrada da aprendizagem: há dor em qualquer recomeço porquanto se carrega o que se teve e se perdeu, acrescido do medo do desconhecido e do desnorte dessa nova empreitada. Todavia, a vida é uma «sopa de tudo» e, havendo fome, há que tomá-la. Assim se vê o gato (e os leitores) pelos caminhos do mundo que vinham ter com ele, e pelos quais seguia sem pensar, até encontrar uma encruzilhada com três tabuletas, cada qual indicando um caminho misterioso; cabia-lhe a difícil opção de escolher pela Terra da Água Salgada ou Terra do riso Eterno ou Terra do silêncio Prometido. Na Terra do Riso Eterno só era permitido rir. Auscultando-se, considerou que «Pior do que chorar quando se está triste, só mesmo obrigar-se a rir quando não se tem vontade.». Mostra-se que muitas vezes se escolhem caminhos mais empurrados pela intuição do que ditados pela razão: porque razão o gato escolheu a Terra do Silêncio Profundo? «ele não sabia porquê, mas sabia porque sim. Era o bastante para continuar a andar.».
Depois da casa destruída por um incêndio, o gato Radar é obrigado a recomeçar a vida. Parte à procura de uma nova casa para morar, «que tivesse cheiro, memórias….». Começa aqui a estrada da aprendizagem: há dor em qualquer recomeço porquanto se carrega o que se teve e se perdeu, acrescido do medo do desconhecido e do desnorte dessa nova empreitada. Todavia, a vida é uma «sopa de tudo» e, havendo fome, há que tomá-la. Assim se vê o gato (e os leitores) pelos caminhos do mundo que vinham ter com ele, e pelos quais seguia sem pensar, até encontrar uma encruzilhada com três tabuletas, cada qual indicando um caminho misterioso; cabia-lhe a difícil opção de escolher pela Terra da Água Salgada ou Terra do riso Eterno ou Terra do silêncio Prometido. Na Terra do Riso Eterno só era permitido rir. Auscultando-se, considerou que «Pior do que chorar quando se está triste, só mesmo obrigar-se a rir quando não se tem vontade.». Mostra-se que muitas vezes se escolhem caminhos mais empurrados pela intuição do que ditados pela razão: porque razão o gato escolheu a Terra do Silêncio Profundo? «ele não sabia porquê, mas sabia porque sim. Era o bastante para continuar a andar.».
Andando, encontra a Rainha Só, que deixou de o ser quando cativada pela amizade do novo amigo. No entanto, o gato mostra-nos o valor e a importância de se estar só: «às vezes também precisava de se sentir um Gato Só. Era bom poder miar alto, sem ter de explicar o que estava a dizer. Apenas a miar. Por incrível que parecesse, miar alto podia ser melhor do que comer chocolate em pó às colheradas ou afiar as unhas no sofá preferido dela. E era uma coisa tão fácil de fazer! Com tantas conversas e brincadeiras, quase se tinha esquecido. Decidiu que, a partir dali, haveria um dia DMA (Dia de Miar Alto) sempre que fosse necessário.».
Seres muitos diferentes, – mas, como o gato diz, não teria graça nenhuma se fôssemos todos iguais – a Rainha e o gato decidem partir juntos à procura de nova casa. Ela já pode prescindir das suas chaves pesadas, que carregava ao pescoço, por deter as chaves leves do espírito; abandona a sua «máquina-de-costurar-palavras», que se lhe afigura inútil por não conseguir dar respostas sobre o sonho e a aventura humana, pois sabe que só ela pode encontrar as respostas.
O gato e a Rainha Só, Carla Maria de Almeida; ilustrações de Júlio Vanzeler; Editorial Caminho, Lisboa 2005
© Teresa Sá Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário