
A história deste “capítulo” é simples; a composição – pureza narrativa e ilustrações de Alex Gozlau – é arrebatadora. Primeiro a verosimilhança com a situação narrada, o que possibilita a cumplicidade com os jovens leitores e a partilha intergeracional: conta-se uma viagem de automóvel feita por dois adultos, pai e mãe, com os dois filhos pequenos, um rapaz e uma rapariga. O objectivo é visitar os avós a uma aldeia distante e de ambiência distinta do local onde as crianças habitam.
A imobilidade imposta no banco traseiro da viatura faz com que a viagem seja um tormento para as crianças. Ainda falta muito? é a pergunta que o miúdo mais pequeno coloca constantemente. Será a irmã, um pouco mais velha, a narradora da história da impaciência e a veiculadora da memória guarda que, nos seus tenros anos, já acumulou. Segue-se a narrativa, passos de crescimento, irrupções de júbilo, registos de afectos, projecções de futuro.
«O meu irmão ainda é muito pequeno. Só quer atenção e mimos. Não se lembra da aldeia, nem do cão chamado Roger, nem dos gatos que eram primos. E assim não podemos conversar. Mas depois, Como é que era? Como é que eu podia pensar? Como é que eu conseguia estar a sós com a minha imaginação? Aindaaaaaaaa faaaaaaaalta muuuuuuuto?, diz ele, quase a gritar», lê-se, ao mesmo tempo que se mostra que, afinal, uma viagem longa pode ser emocinante, bastando tão-só o motor veloz da imaginação. As ilustrações, que juntam brilhantemente fotografia e pintura, enchem as páginas de cor e expressividade.
A imobilidade imposta no banco traseiro da viatura faz com que a viagem seja um tormento para as crianças. Ainda falta muito? é a pergunta que o miúdo mais pequeno coloca constantemente. Será a irmã, um pouco mais velha, a narradora da história da impaciência e a veiculadora da memória guarda que, nos seus tenros anos, já acumulou. Segue-se a narrativa, passos de crescimento, irrupções de júbilo, registos de afectos, projecções de futuro.
«O meu irmão ainda é muito pequeno. Só quer atenção e mimos. Não se lembra da aldeia, nem do cão chamado Roger, nem dos gatos que eram primos. E assim não podemos conversar. Mas depois, Como é que era? Como é que eu podia pensar? Como é que eu conseguia estar a sós com a minha imaginação? Aindaaaaaaaa faaaaaaaalta muuuuuuuto?, diz ele, quase a gritar», lê-se, ao mesmo tempo que se mostra que, afinal, uma viagem longa pode ser emocinante, bastando tão-só o motor veloz da imaginação. As ilustrações, que juntam brilhantemente fotografia e pintura, enchem as páginas de cor e expressividade.
Ainda Falta Muito?, Carla Maia de Almeida (texto) e Alex Gozblau (ilustrações); Editorial Caminho, 2009

Com efeito, a arte ao serviço das crianças está em trinta e duas páginas de cartolina, envolvidas por uma capa dura, carregam o espanto da arte literário e plástica, que junta palavras e imagens e cor ao serviço no incentivo desenvolvimento, intelectual, emocional e artístico das crianças. Conta-se a breve história, de forma límpida e de fácil identificação ao universo infantil, de um rapaz que vai a um médico «com um nome comprido: O-F-T-A-L-M-O-L-O-G-I-S-T-A», e fica a saber que tem de usar óculos. Enquanto os espera vai imaginando o seu formato: balizas, pois um dia quer ser guarda-redes; à maneira dos piratas, pois há-de ser «um terrível pirata»; guarda-chuvas, para poder andar à Chuva.
Comprovando-se que, quando libertada, a imaginação corre sem limites alimentando-se do próprio voo, o rapaz logo imagina óculos especiais que lhe permitam uma eficaz aproximação da natureza, das árvores, do mar, e de óculos para ver ao longe. Uma alegoria numa lição também para muitos adultos que “precisam de óculos” para poderem ver e, consequentemente, respeitar o meio ambiente, e poderem ver o «longe» do futuro. O rapaz da história também projecta óculos para «entender certas coisas» que lhe dizem não ser para a sua idade.
Preenchendo totalmente as páginas, com cores fortes e contrastantes, dinamizadas, pelo movimento das cerdas do pincel que ora espalham, em lastro, a tinta no fundo, ora se detêm, deixando nos pormenores o mesmo testemunho do processo de criação, André Letria vai construindo uma montra de óculos com narrativas do mundo interior infantil, que muitas vezes não divisamos. Também neste sentido, este é um livro de partilha entre pais e filhos, de revelações e deslumbramentos.

Depois da casa destruída por um incêndio, o gato Radar é obrigado a recomeçar a vida. Parte à procura de uma nova casa para morar, «que tivesse cheiro, memórias….». Começa aqui a estrada da aprendizagem: há dor em qualquer recomeço porquanto se carrega o que se teve e se perdeu, acrescido do medo do desconhecido e do desnorte dessa nova empreitada. Todavia, a vida é uma «sopa de tudo» e, havendo fome, há que tomá-la. Assim se vê o gato (e os leitores) pelos caminhos do mundo que vinham ter com ele, e pelos quais seguia sem pensar, até encontrar uma encruzilhada com três tabuletas, cada qual indicando um caminho misterioso; cabia-lhe a difícil opção de escolher pela Terra da Água Salgada ou Terra do riso Eterno ou Terra do silêncio Prometido. Na Terra do Riso Eterno só era permitido rir. Auscultando-se, considerou que «Pior do que chorar quando se está triste, só mesmo obrigar-se a rir quando não se tem vontade.». Mostra-se que muitas vezes se escolhem caminhos mais empurrados pela intuição do que ditados pela razão: porque razão o gato escolheu a Terra do Silêncio Profundo? «ele não sabia porquê, mas sabia porque sim. Era o bastante para continuar a andar.».
Andando, encontra a Rainha Só, que deixou de o ser quando cativada pela amizade do novo amigo. No entanto, o gato mostra-nos o valor e a importância de se estar só: «às vezes também precisava de se sentir um Gato Só. Era bom poder miar alto, sem ter de explicar o que estava a dizer. Apenas a miar. Por incrível que parecesse, miar alto podia ser melhor do que comer chocolate em pó às colheradas ou afiar as unhas no sofá preferido dela. E era uma coisa tão fácil de fazer! Com tantas conversas e brincadeiras, quase se tinha esquecido. Decidiu que, a partir dali, haveria um dia DMA (Dia de Miar Alto) sempre que fosse necessário.».
Seres muitos diferentes, – mas, como o gato diz, não teria graça nenhuma se fôssemos todos iguais – a Rainha e o gato decidem partir juntos à procura de nova casa. Ela já pode prescindir das suas chaves pesadas, que carregava ao pescoço, por deter as chaves leves do espírito; abandona a sua «máquina-de-costurar-palavras», que se lhe afigura inútil por não conseguir dar respostas sobre o sonho e a aventura humana, pois sabe que só ela pode encontrar as respostas.
O gato e a Rainha Só, Carla Maria de Almeida; ilustrações de Júlio Vanzeler; Editorial Caminho, Lisboa 2005
© Teresa Sá Couto
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