Está nas livrarias a 2ª edição aumentada e encadernada de A Noite Abre Meus Olhos [Poesia Reunida], de José Tolentino Mendonça, com a chancela da Assírio&Alvim. A antologia contém oito livros do autor, desde Os dias Contados (1990), com o qual se inaugurou na poesia, até a O viajante sem sono, editado no final do ano passado, também pela Assírio. É um livro de pequenas dimensões, capa dura e de grande beleza, na linha doutros que a editora tem feito, e chega na altura em que o autor lança o pequeno livro de prosas O Hipopótamo de Deus e outros textos.
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Um grande ano, pois, para José Tolentino Mendonça, padre, teólogo e poeta, que tem talhado uma poesia arrojada, inquiridora, nocturna, melancólica, pejada de vozes, plena de tensões a darem conta dos labirintos e dramas do homem actual. Uma missão fragosa da palavra - em poemas, muitos deles, muito condensados -, consciente da sua vulnerabilidade, lançada numa espécie de travessia ou peregrinação, com visão de descampados, caminhos de poeira, de fogo e de neve, túneis, muros, sempre à procura de novas possibilidades.
José Tolentino Mendonça é um nome da actual poesia portuguesa ao qual se deve dar a maior atenção.
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José Tolentino Mendonça é um nome da actual poesia portuguesa ao qual se deve dar a maior atenção.
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Dois poemas:
A estrada branca
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Atravessei contigo a minuciosa tarde.
deste-me a tua mão, a vida parecia
difícil de estabelecer
acima do muro alto
folhas tremiam
ao invisível peso mais forte
Podia morrer por uma só destas coisas
que trazemos sem que possam ser ditas:
astros cruzam-se numa velocidade que apavora
inamovíveis glaciares por fim se deslocam
e na única forma que tem de acompanhar-te
o meu coração bate. (p.177)
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Travessia
Os nossos dedos são cândidos
com brilhos impressos
e um tempo absorvido dos dois lados
Nos sinos, nos guizos, nas harpas
procuramos sem nenhuma restrição
o fogo e o gelo
a iluminação de um ramo dourado
Há um instante em que as nossas vozes
se fundem e destacam
reluzentes sobre a vida perpétua
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Atravessamos a noite com uma vontade irreprimível de cantar (p.240)
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