«É um trabalho de artífice, o meu. Sou tecelão /de sons que elaboro e harmonizo, entalhador /a quem a matéria agride até ser afeiçoada./ Para quem trabalho? Quem me escuta como sorvo /o que me é dado para eu criar e transmitir?», escreve José Bento no seu novo livro Sítios, em versos que ressumam o labor de uma vida no laboratório da poesia.
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Quase a completar 80 anos, o poeta e tradutor de poetas volta ao destaque nas livrarias com três títulos de uma assentada: além de Sítios, da sua poesia, é o responsável pela selecção, tradução, prólogo crítico e notas das antologias poéticas de Luis de Góngora (1561-1627) e Lope de Vega (1562-1635), todos com a chancela da Assírio&Alvim. Se estes dois poetas do Siglo de Oro já constavam, com alguns poemas, na Antologia da Poesia Espanhola, segundo volume, também com selecção e tradução de José Bento, editada pela Assírio&Alvim, em 1996, as presentes Antologias individuais são as primeiras em Portugal.
Reconhecido pela exigência, rigor e erudição, José Bento tem dedicado a vida à tradução para língua portuguesa de poetas de língua castelhana (entre outros, Cervantes, Quevedo, García Lorca, Neruda, Unamuno, Juan Ramón Jiménez, Jorge Luís Borges, maria Zambrano, Octávio Paz), contribuindo para o inestimável diálogo entre as literaturas ibéricas, que, assim, sai do reduto da Academia e abre-se ao público.
Entre várias distinções, José Bento recebeu em 2006 o 1º Prémio Luso-Espanhol de Arte e Cultura.
Extracto:
[…]
Para ser voz
tinha que assim moldar-se tal silêncio?, ter o fogo expectante no sílex,
o rigor do metal
que nem perante o sangue se retrai e vacila
até desvendar a última verdade,
a que se toque talvez ao quebrar ou exumar
a constância dos ossos?
Quando me será dado responder?
Distante desse curso obscuro,
mal vislumbro o que para mim foi nele escrito.
Distante desse curso obscuro,
mal vislumbro o que para mim foi nele escrito.
Desde então persigo o seu sentido.
Hoje prossigo, eis-me a prosseguir.
Aqui, errante, – escrevo, erro.
Leio a noite: identifico ainda aquela noite.
Adianto uma palavra, mais um passo:
uma sílaba, uma pulsação
queimam ao vibrar e entregar-se.
Procuro a clave da ferida em mim acesa
naquele instante que dividiu meu tempo.
No relâmpago que esse instante é para sempre,
descerrou-se para eu o conhecer
o rosto fascinado
da morte já erguida. (Sítios, p.p. 181,182)
2 comentários:
Extraordinário poeta e tradutor. Góngora foi uma das minhas muitas dores de cabeça na Universidade, mas a quem agradecerei eternamente. O ponto alto do Barroco espanhol!
SONETO:AI, OLIVENÇA
Olivença, amando-te te versejo
escrevendo com paixão poesias,
esperando que com o meu desejo
sobre ti nasçam novas melodias!
Não sei se a muito mais eu almejo,
mas creio que é com alegorias
como as muitas com que te cotejo
que te prestarão justas honrarias!
Olivença, dizem que eu sou louco
por fazer sobre ti tanto soneto
e que até sem querer te apouco...
Ai, Olivença, só me comprometo
a fazer melhor, pois 'inda fiz pouco!
Tens em ti o teu próprio libreto!
Estremoz, 26 de Dezembro de 2013
Carlos Eduardo da Cruz Luna
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