Com o título Cinema Português através dos Seus Filmes se colmata uma lacuna na publicação de estudos sobre a história do cinema em Portugal. Vocacionado para estudantes de cursos superiores relacionados com o audiovisual e o cinema, cinéfilos e todos os interessados na sétima arte portuguesa, o livro contém a análise crítica de dezoito pesquisadores nacionais e internacionais a 23 longas-metragens, desde A Severa de José Leitão Ramos (1931) até Noite Escura de João Canijo (2004).
São também seis capítulos de uma longa-metragem que nos caracteriza, portugueses, no ser e na estética do olhar: no exílio e regresso da imigração de Gado Bravo (1933-34), na ruralidade pitoresca que inspira a comédia da grande Aldeia da Roupa Branca (1938), no drama de um destino ditado pelo mar de Nazaré (1952), no saudosismo campestre amordaçado na cidade de Os Verdes Anos (1963), no telurismo das penedias de Trás-os-Montes (1976), nos encapotados e burlescos capítulos dos Brandos Costumes (1972-1975), no grotesco da desagregação humana ou A Comédia de Deus (1995), na nova Tentação (1997) ou na disfuncionalidade familiar da sociedade actual de Os Mutantes(1998).
Com a chancela da Campo das Letras, a obra é rigorosa, bem documentada e bem organizada por Carolin Overhoff Ferreira – resultado de uma metodologia que confere fácil manuseio e o garante da informação exacta no lugar certo. Ressalva para o facto deste Cinema Português através dos Seus Filmes parecer ser o resultado de sinergias críticas em torno dos filmes nacionais, porquanto se unem nas abordagens nomes portugueses e estrangeiros; sinergias que sempre têm acompanhado e até tido um papel determinante nos planos e execução do nosso cinema desde os anos 30, prova de cumplicidade internacional nos projectos artísticos dos teimosos realizadores lusos que, tradicionalmente, têm poucos apoios em Portugal, demonstrado nas páginas deste livro, filme após filme.
Assim, colaboram na obra, Bárbara Barroso, Carolin Overhoff Ferreira, Fausto Cruchinho, Jorge Campos, Jorge Leitão Ramos, Jorge Seabra, José de Matos-Cruz, Lisa Shaw, Luís Reis Torgal, Malte Hagener, Maria do Rosário Leitão Lupi Bello, Martin Barnier, Oliver Vogt, Paulo Cunha, Paulo Filipe Monteiro, Paulo Jorge Granja, Randal Johnson e Ronald Balczuweit.
Duzentas e sessenta e três páginas compreendem 6 capítulos que organizam a análise crítica dos filmes por décadas, com títulos referenciais da focalização pretendida (Os anos 30 e 40: A primeira e única indústria; Os anos 50: Estagnação e Neo-Realismo; Os anos 60: Um cinema novo; Os anos 70: Após o 25 de Abril; Os anos 80: Entre a escola portuguesa e o cinema comercial; Dos anos 90 até à Actualidade: O cinema contemporâneo). No final, são inseridos dados sobre a Filmografia apresentada – com a respectiva ficha técnica dos filmes analisados –, um Índice de realizadores e filmes citados, e Notas sobre os colaboradores.
Qual o futuro do cinema português, como se acaba com a indiferença do público para com o seu cinema de autor – que se lhe afigura elitista –, que faz mais sucesso no estrangeiro do que por cá (sacrifica-se a qualidade pelas receitas de bilheteira ou educa-se o público para a qualidade ou procura-se o equilíbrio?) são questões que se colocam há cerca de trinta anos e que esta obra volta a relançar, agora com todos os instrumentos para uma reflexão longa e capacitada.
Diz Carolin Overhoff Ferreira, incluído na análise que faz ao filme O Lugar do Morto (de António Pedro de Vasconcelos, 1984), que «segundo João Bénard da Costa, o debate entre cinema de autor iniciou-se em 1978 por causa dos êxitos internacionais e fracassos nacionais de Amor de Perdição (Manoel de Oliveira, 1978) e Trás-os-Montes (António Reis e Margarida Martins Cordeiro, 1976)» referindo também que em 1982 o debate tornou-se polémica quando o já extinto Instituto Português do Cinema /IPC suspendeu os planos de produção cinematográfica, alegando falta de verbas, a que se juntaram dirigentes políticos em reclamação de um «cinema mais acessível ao grande público, ou seja “filmes para Bragança e não para Paris”».
No centro daqueles tempos de polémica surgia o filme que bateria todos os recordes de público até então em Portugal: O Lugar do Morto que, no seu género híbrido com características de film noir, se juntava ao género de sucesso com tradição em Portugal desde os anos 30, a Comédia. Refere-se que o filme conseguia 271 845 espectadores, só sendo batido até hoje por Tentação (Joaquim Leitão, 1997), com 361 312 espectadores e O Crime do Padre Amaro (de Carlos Coelho da Silva, 2005), com 380.652 espectadores, filme este que colheu a negativa da crítica.
Atentando nas análises crítica feitas aos quatro filmes escolhidos para o capítulo dedicado ao cinema contemporâneo, deparamo-nos com diversidade estética e de conteúdo, com três dos autores reconhecidos internacionalmente (João César Monteiro, com A Comédia de Deus, considerada a sua obra-prima; Teresa Villaverde, com Os Mutantes e João Canijo, com Noite Escura, e um êxito de bilheteira, o Tentação, de Joaquim Leitão, filme que contou com um novo tipo de parceria - que parece ter vindo para ficar enquanto aposta comercial e capaz de dar grande difusão aos filmes - entre a produtora, distribuidora e um canal de televisão privada.
Diz a autora coordenadora desta obra que, neste momento, «o cinema participa na discussão sobre o rumo de Portugal para uma nova identidade europeia, porém, com um legado extremamente autoritário». Cremos que este imprescindível livro terá um papel importante nas reflexões e, pela frutificação delas, quiçá, na definição desse percurso de identidade. A adquirir antes que desapareça do mercado.
Cinema Português através dos Seus Filmes – Vários Autores – Carolin Overhoff Ferreira (coordenação); Editorial Campo das Letras, Porto, Julho 2007
Diz Carolin Overhoff Ferreira, incluído na análise que faz ao filme O Lugar do Morto (de António Pedro de Vasconcelos, 1984), que «segundo João Bénard da Costa, o debate entre cinema de autor iniciou-se em 1978 por causa dos êxitos internacionais e fracassos nacionais de Amor de Perdição (Manoel de Oliveira, 1978) e Trás-os-Montes (António Reis e Margarida Martins Cordeiro, 1976)» referindo também que em 1982 o debate tornou-se polémica quando o já extinto Instituto Português do Cinema /IPC suspendeu os planos de produção cinematográfica, alegando falta de verbas, a que se juntaram dirigentes políticos em reclamação de um «cinema mais acessível ao grande público, ou seja “filmes para Bragança e não para Paris”».
No centro daqueles tempos de polémica surgia o filme que bateria todos os recordes de público até então em Portugal: O Lugar do Morto que, no seu género híbrido com características de film noir, se juntava ao género de sucesso com tradição em Portugal desde os anos 30, a Comédia. Refere-se que o filme conseguia 271 845 espectadores, só sendo batido até hoje por Tentação (Joaquim Leitão, 1997), com 361 312 espectadores e O Crime do Padre Amaro (de Carlos Coelho da Silva, 2005), com 380.652 espectadores, filme este que colheu a negativa da crítica.
Atentando nas análises crítica feitas aos quatro filmes escolhidos para o capítulo dedicado ao cinema contemporâneo, deparamo-nos com diversidade estética e de conteúdo, com três dos autores reconhecidos internacionalmente (João César Monteiro, com A Comédia de Deus, considerada a sua obra-prima; Teresa Villaverde, com Os Mutantes e João Canijo, com Noite Escura, e um êxito de bilheteira, o Tentação, de Joaquim Leitão, filme que contou com um novo tipo de parceria - que parece ter vindo para ficar enquanto aposta comercial e capaz de dar grande difusão aos filmes - entre a produtora, distribuidora e um canal de televisão privada.
Diz a autora coordenadora desta obra que, neste momento, «o cinema participa na discussão sobre o rumo de Portugal para uma nova identidade europeia, porém, com um legado extremamente autoritário». Cremos que este imprescindível livro terá um papel importante nas reflexões e, pela frutificação delas, quiçá, na definição desse percurso de identidade. A adquirir antes que desapareça do mercado.
Cinema Português através dos Seus Filmes – Vários Autores – Carolin Overhoff Ferreira (coordenação); Editorial Campo das Letras, Porto, Julho 2007
© Teresa Sá Couto
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