sábado, 9 de maio de 2009

Práticas jornalísticas em «derrapagem ética»

«Não há maneira de impedirmos pessoas sem escrúpulos de fazerem coisas más. Mas tem de haver uma maneira de as apanhar mais rapidamente – particularmente quando deixam tantas pistas», disse Rider, em 2003, sobre Jayson Blair, um jovem jornalista que durante anos cometeu fraudes informativas a partir do grande bastião do jornalismo mundial, o NYT, originando um escândalo inaudito nos EUA - e com ecos fora de portas –, seguindo-se um longo debate sobre o ofício de informar. Às vezes, o jornalismo também se torna notícia e «nem sempre pelas melhores razões». Este é o enfoque do livro «Casos em que o Jornalismo foi notícia» que colige textos de diversos autores para propor ao leitor a reflexão sobre se a crise do jornalismo é uma crise de morte, renovação ou crescimento.

Concebido e produzido no quadro das actividades do projecto Mediascópio, do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, este novo livro da colecção Comunicação e Sociedade, com a chancela da Campo das Letras, é mais um trabalho de alto contributo para o actual debate sobre a diversidade, necessidade, credibilidade e qualidade da comunicação e dos media.

O livro é organizado por Manuel Pinto (provedor do Leitor no Jornal de Notícias, onde também foi jornalista, director de cursos de mestrado em Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, investigador e professor de Sociologia do Jornalismo e Educação para os Media) e Helena Sousa (Vice-Presidente do Instituto de Ciências Sociais e Vice-Presidente da Secção de Economia Política da International Association for Media and Communications Research, Professora Associada do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho e investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da mesma universidade), e inclui, ainda, textos de Manuel Pinto, Helena Sousa, Eduardo Cintra Torres, Joaquim Fidalgo, Hália Costa Santos, Madalena Oliveira, Sandra Marinho, Sara Moutinho, Felisbela Lopes e Luís António Santos.

Práticas em «derrapagem ética»

Grandes acontecimentos de «cunho trágico e traumático» amplificados e recriados pelo jornalismo (com artigos sobre o «11 de Setembro» e sobre a queda da Ponte de Entre os Rios), escândalos relacionados com práticas de informação (os casos de pedofilia na Casa Pia) e «processos extra-jornalisticos» que contaminam o espaço informativo (os reality shows) são os três tipos de situações, profusamente documentadas, que servem de metodologia à reflexão: práticas jornalísticas em «derrapagem ética» coabitam com o exercício profissional do jornalismo provando, por sua vez, que este é «cada vez mais relevante e necessário».
Joaquim Fidalgo, ao abordar o caso do escândalo no jornal NYT, transcreve o juízo contundente de Carey, pronunciado na altura (2003):

«O fosso entre ideais professados e práticas encorajadas é precisamente aquilo que um sociopata explora. Essas personalidades são especialmente capazes de retirar vantagem da fraqueza e da vaidade de organizações e de indivíduos, de saber quem precisa de ser bajulado e de que modo, e que caminhos podem ser atalhados com segurança. Eles reconhecem o poder de um segredo bem guardado: a cultura do jornalismo professa lealdade à verdade, minúcia, contexto e sobriedade, mas de facto recompensa a proeminência, a “cacha”, o destacar-se da multidão e a narrativa capaz de fascinar. Os sociopatas acreditam que só estão a dar aos seus superiores aquilo que é secretamente desejado. (…) o número de jornalistas assim arrisca-se a ir aumentando, no mundo que estamos a criar. (…) Os sociopatas, em toda a sua anormalidade, dão-nos novamente lições sobre os mistérios mais recônditos do normal».

Segundo Joaquim Fidalgo, é «sob a capa do normal que se escondem, hoje, algumas das mais preocupantes anormalidades»: as «(a)normalidades» de jornalistas, do sistema mediático e da relação jornal-leitor. Ainda segundo o autor, este caso americano «suscita a reflexão sobre os limites, as fronteiras e as articulações entre a responsabilidade individual e a responsabilidade colectiva no que toca ao exercício concreto do jornalismo».

Blogosfera – a ferramenta indispensável

O livro dedica ainda espaço para a reflexão sobre o fenómeno dos blogues, «a mais utilizada das ferramentas de auto-edição» que se tem vindo a converter «numa das plataformas mais salientes de questionação do jornalismo, seja como espaço de debate, seja como terreno de escrutínio, seja ainda como ampliação da informação pública e respectivo comentário.» Por outro lado, referem os organizadores do livro, a blogosfera representa, «para os media “tradicionais”, uma nova e surpreendente fonte de sugestões e de informação», com os media e os próprios jornalistas a recorrerem, «em muitos casos, aos blogues para neles dar conta dos bastidores das notícias ou dar azo a um maior diálogo com os cidadãos.».

Casos em que o jornalismo foi notícia, organização de Manuel Pinto e Helena Sousa;
Editorial Campo das Letras, Porto, Abril 2007


© Teresa Sá Couto

1 comentário:

Carla F. Lobo disse...

Às vezes, o jornalismo também se torna notícia e 'nem sempre pelas melhores razões'. Por este motivo, ligado ao debate sobre o ofício de informar, propondo a reflexão sobre se a crise do jornalismo é uma crise de morte, renovação ou crescimento, Manuel Pinto e Helena Sousa organizaram a obra "Casos em que o Jornalismo foi notícia". Nesta obra, segundo percebi, estão em causa as Práticas em 'derrapagem ética' ligadas ao corrente sensacionalismo e mediatização, que colocam a tónica na dúvida da ética do jornalismo. Principalmente pelo surgimento de patologias da sociedade que interferem na relação entre a a responsabilidade individual e a responsabilidade colectiva dos factos que constituem as notícias a ser divulgadas, o que é debatido na blogosfera, o que nos dá conta dos bastidores da notícia, ao invés da notícia em si.
Será isto, em suma, aquilo para que se pretende alertar?