Eis uma leitura imprescindível nestas férias: O Papagaio de Flaubert, escrito por Julian Barnes, traduzido por Ana Maria Amador e acabado de dar à estampa pela Quetzal.
Uma viagem pela vida, psicologia e obra de Gustave Flaubert, numa narrativa originalíssima, arejada, bem-humorada, que casa o pitoresco e o reflexivo de forma soberana. «Um romance magistral sobre literatura, talento, comboios, compotas de groselha, ursos, ficção, vestidos de mulher, George Sand, política, século XIX, absurdo, morte, solidão, escritores, crítica literária — e beleza.». Em leitura, atesto: uma surpresa deste Verão, um tesouro literário de 238 páginas a que nenhum leitor ficará indiferente.
Extractos:
«Depois vi o papagaio. Estava numa pequena alcova, verde-vivo e de olho petulante, com a cabeça inclinada num ângulo interrogador. "Psittacus", dizia a etiqueta no extremo do poleiro: "Papagaio que G. Flaubert pediu ao Museu de Ruão e que esteve na sua mesa de trabalho enquanto escreveu Un Coeur Simple, onde tem o nome de Lulu, o papagaio de Félicité, a personagem principal do conto." A fotocópia de uma carta de Flaubert confirma o facto: o papagaio, escreveu ele, estava na sua secretária há três semanas, e começava a irritar-se de o ver. Lulu estava em óptimas condições, as penas tão onduladas e o olho tão irritante como deviam estar cem anos atrás.». p.p.17, 18
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«Os livros não se fazem como os filhos, mas como as pirâmides, com um plano longamente pensado, e pondo grandes blocos de pedra uns em cima dos outros, à custa de esforço, tempo e suor. E não serve para nada! Fica assim erguida no deserto! Mas domina-o de uma maneira prodigiosa. Os chacais mijam-lhe na base, e os burgueses trepam-lhe ao topo.» p.43
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«No princípio fiquei ferido; no princípio importei-me, senti desprezo por mim. A minha mulher ia para a cama com outros homens: deveria preocupar-me com isso? Eu não ia para a cama com outras mulheres: deveria preocupar-me com isso? A Ellen era sempre gentil comigo: Deveria preocupar-me com isso? Gentil, não por se sentir culpada de adultério, simplesmente gentil. Eu trabalhava muito; ela era uma boa esposa para mim. Eu não tinha amantes porque não estava interessado; além disso, o estereótipo do médico sedutor é repugnante. Ellen tinha amantes porque, penso eu, estava interessada. Éramos felizes; éramos infelizes; tenho saudades dela. “Levar a vida a sério é magnífico ou estúpido?” (1855)». p. 203
7 comentários:
parece-me delicioso, T.
Beijo grande e obrigada pela partilha.
CSD
Deliciosa, a receita para fazer um livro, em particular a conclusão. Grande «resenha», bem à maneira da T.! Já vi que estão a ser umas excelentes férias... :-)
Abraço grande.
é fantástico, Cláudia. :)
T.
Mas este "post" é só uma chamada para o livro. Todavia, confesso,a escolha dos extractos foi suada: num manancial de excelência, não é nada fácil :))))))
Abraço!
T.
Beijo, Cláudia!!
T.
Já li há uns anos, quando surgiu.
E gostei mesmo muito,.´
Concordo,pois, consigo
Muito obrigada, Amélia, pelo seu testemunho.
Abraço
TSC
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