É um dos maiores poetas vivos da Literatura Portuguesa. Faz poesia há meio século. Publicou quase tantos livros como o número da sua idade. Falamos de António Ramos Rosa, nascido em Faro em 17 de Outubro de 1924, mas radicado em Lisboa desde os anos 60, altura em que fez da palavra a sua missão e da poesia o seu compromisso. A sua bibliografia é vastíssima: entre poesia individual e em parceria com outros autores, contam-se também traduções, críticas e ensaios. Entre várias distinções, recebeu em 1988, o Prémio Fernando Pessoa.
Estreou-se em 1958 com O Grito Claro, um grito lúcido de liberdade e irreverência contra o agrilhoamento da ditadura; denunciava um tempo de opressão - "O tempo duro / com unhas de pedra", "o tempo dos sonhos / sem coragem para poder vivê-los" - e um tempo de trevas labiríntico - "A noite trocou-me os sonhos e as mãos / dispersou-me os amigos / tenho o coração confundido e a rua é estreita".
No poema Boi da Paciência, numa alusão ao sonho amordaçado, levanta uma questão, não de retórica, pois evidenciava-se a resposta: " Todos os dias cumprido com as leis do diabo / todos os dias metido pelos olhos adentro / numa evidência que nos cega / até quando?". A sua poesia parecia, assim, querer gritar outras razões, sair de um "espartilho", e atingir todo o real: " Não posso adiar o amor para outro século / não posso / ainda que o grito sufoque na garganta"./."Não posso adiar o coração" e, ainda, "As paisagens continuam a existir. / As paisagens são suaves. / Continuam também a existir / outras coisas que dão matéria para poemas.".
A viragem anunciada concretizava-se nos anos 60, com uma linguagem poética menos codificada e mais despojada, "sem pintura / mas bela e natural", onde abundam a luz, a vida, a liberdade - o sol, a lâmpada, a água, o vento - numa fusão de encontro à felicidade, ao amor e à perfeição: "Se nos teus olhos os olhos se me perdessem / nova água, sol e vento se fariam / através de um só corpo de alegria."; "Todas as palavras se iluminam / ao lume certo do corpo que se despe, / todas as palavras ficam nuas / na tua sombra ardente.". Definitivamente, as palavras encontravam o seu caminho de penetrar o mundo para o habitar, e a escrita aparece como um desejo de "tornar habitável o deserto" da alma, da existência - "Escrevo para não viver sem espaço, / para que o corpo não morra na sombra fria"; " Caminho um caminho de palavras / (porque me deram o sol / e por esse caminho me ligo ao sol / e pelo sol me ligo a mim". Ensina-nos como pela palavra a reconciliação com o mundo é possível: "Eu tudo sei e assim descubro / a luz, a água, o pão, o corpo: / habito a terra, habito mais, / contra mim mesmo descanso e nasço".
Considerado o "eterno aprendiz", ou o "aprendiz secreto" que aprende no silêncio das coisas, aquele por quem "O vento passa como uma pá", e que vive "devorado de espaço, aberto à luz, como um tronco a que uma cabeça assoma voltada ao horizonte", Ramos Rosa procurou sempre depurar as palavras e encontrar novas possibilidades no poema. Nos anos 80, a poesia ramos-rosiana atinge um novo fulgor nas metáforas e na musicalidade e o seu "corpus" reflexivo ganha novo alento.
Em O Volante Verde (1986), um "volante" poético, um voo de pujança, dá-nos uma lição de felicidade e esperança: "Oiço os murmúrios do sol. Saboreio o que sou. / Sou renovado pelo espaço, nasço num espaço verde. / O que eu amo está perto entre a terra e o ar."; " Algo nos cria e nos liberta dos absurdos cercos. / Despertámos para tocar a boca esquecida pela noite. / Somos a folhagem e o espaço, somos uma garganta fresca. /As sombras aquecem-nos e as estrelas visitam-nos. / O meu corpo é de argila estou vivo e aceito o dia."
Considerado um poeta "da luz", é também um poeta da lucidez porquanto assume as ambivalências da vida, que na existência existe o "irresolúvel", a luz e a sombra, o vazio e a plenitude, o "Sim" e o "Não".
Um dos grandes encantamentos da sua poesia está no "olhar original", inocente, sem uma pré reflexão, com que olha as coisas, o que lhe permite o júbilo constante da descoberta. Esta postura fê-lo aproximar-se da filosofia oriental do Budismo Zen. Dá-nos o exemplo de um momento de alegria quando, um dia, observou "pela primeira vez" uma formiga no seu percurso sobra a folha branca, na qual escrevia.
Outro dos seus grandes ensinamentos é levar a ouvir-nos o que o silêncio, na sua textura secreta, nos pode dizer. Os silêncios falam e podemos ouvi-los na sua linguagem poética.
nota: elaborei este texto, há quatro anos, como celebração dos 80 anos do poeta António Ramos Rosa. Foi editado no site TriploV
© Teresa Sá Couto
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