«As mãos e o espírito» de Óscar Lopes é um texto admirável editado para a eternidade em 1958 e reeditado pela Campo das Letras, no ano passado, no ensejo das celebrações dos 90 anos do professor, historiador da Literatura, ensaísta, crítico, homem livre e Mestre de todos nós. O texto é uma lição de sapiência, segundo António Borges Coelho, no prefácio do pequeno e arrebatador livro, concebido pela equipa editorial que já nos habituou a produtos de qualidade e estética superiores.
São 75 páginas com o texto que conta, problematizando, a história da criação do homem no seu diálogo entre a mão fazedora e o espírito que a anima, juntos na invenção do fogo que abriria o caminho da civilização humana. A acompanhar esta Lição, surgem outras mãos incendiadas pelo espírito, nas ilustrações originais de Ângelo de Sousa, Armando Alves, Jorge Pinheiro e José Rodrigues.
«A mão e o cérebro, a acção e o pensamento, a prática e a teoria estão indissoluvelmente ligados desde que o homem é homem. Mas a mão não se limita a executar ordens; é também órgão fundamental de investigações», escreve Óscar Lopes. O diálogo de uma vida entre a mão e o espírito teria visibilidade nas duas distinções que recebeu do Estado português: em 1988 era agraciado com a Ordem da Instrução Pública num reconhecimento à mão que nos ensina a nossa Cultura e, há apenas dois anos, era condecorado, por Cavaco Silva, com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, o espírito que sempre o animou e que lhe valeu a perseguição pela PIDE.
Militante comunista, Óscar Lopes nunca escondeu a sua matriz marxista, o que não o impediu de encetar os múltiplos diálogos, pois a procura do saber sempre foi o seu motor. Co-autor, com António José Saraiva, da omnipresente História da Literatura Portuguesa, que tem sido a bíblia literária de gerações de estudantes, o autor de Modo de Ler (1969), Os Sinais e os Sentidos (1986) e, mais recentemente, A Busca de Sentido (1995), entre outros, tem-nos mostrado ao longo de décadas que o saber tem muitas formas, que cabe a cada um de nós entrar com os dedos no fundo da matéria, e viver a aventura de o perseguir.
«Um homem nunca está só»
Escreve Óscar Lopes: «Quem fala nunca está absolutamente só, visto que pensa – e pensar, à maneira humana pelo menos, é atingir o mundo material através de um mundo de sinais sensoriais e verbais de que os nossos semelhantes comparticipam. Por cada pequeno gesto das suas mãos, o ser humano executa uma incontável quantidade de gestos nervosos, na massa cinzenta do cérebro, que maravilhosamente, se correspondem, de homem para homem. Um homem nunca está só. Tem sempre consigo a sua educação, a sua experiência de vida conivente, a fala interior educada nos hábitos da fala exterior.»
No longo processo de humanização, Óscar Lopes refere-nos momentos de desumanização, resultado da desarticulação entre o cérebro e as mãos. Sobre os seus tempos, mas com a actualidade que a seguir se vê, escreve: «ninguém hoje contesta, julgo eu, que estamos perante uma nova crise nas relações entre o cérebro e a mão do homem. Mais uma vez, a mão cresceu e qualificou-se de tal modo, que o espírito humano, ou pelo menos certas formas do espírito humano, perderam o controlo sobre elas. (…) Portanto, se alguma coisa está errada no mundo que o homem fez dentro do mundo, a responsabilidade é do espírito humano, quero dizer, do cérebro humano; do sistema prevalecente do controlo supremo sobre a vida humana. O cérebro deve queixar-se de si, e não das mãos que tão brilhantemente aumentou e qualificou. O cérebro social é que tem de ser refeito.».
Quando este «As mãos e o espírito» foi impresso, diz António Borges Coelho, «vivíamos sob a opressão interna e o céu de chumbo do chamado equilíbrio nuclear», e um ano antes, Óscar Lopes viu-se enredado no exangue julgamento do Porto, o processo do MUD Juvenil. «No entanto, no texto que ireis ler, não há amargura ou desalento, mas a serenidade de uma consciência aberta para a entrega ao mundo», acrescenta Borges Coelho.
A serenidade de quem sempre ensinou e sempre se dispôs a aprender. A serenidade de um espírito superior que em diálogo com as suas mãos esculpiu a herança de todos nós e o maior património deste país: as letras portuguesas.
São 75 páginas com o texto que conta, problematizando, a história da criação do homem no seu diálogo entre a mão fazedora e o espírito que a anima, juntos na invenção do fogo que abriria o caminho da civilização humana. A acompanhar esta Lição, surgem outras mãos incendiadas pelo espírito, nas ilustrações originais de Ângelo de Sousa, Armando Alves, Jorge Pinheiro e José Rodrigues.
«A mão e o cérebro, a acção e o pensamento, a prática e a teoria estão indissoluvelmente ligados desde que o homem é homem. Mas a mão não se limita a executar ordens; é também órgão fundamental de investigações», escreve Óscar Lopes. O diálogo de uma vida entre a mão e o espírito teria visibilidade nas duas distinções que recebeu do Estado português: em 1988 era agraciado com a Ordem da Instrução Pública num reconhecimento à mão que nos ensina a nossa Cultura e, há apenas dois anos, era condecorado, por Cavaco Silva, com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, o espírito que sempre o animou e que lhe valeu a perseguição pela PIDE.
Militante comunista, Óscar Lopes nunca escondeu a sua matriz marxista, o que não o impediu de encetar os múltiplos diálogos, pois a procura do saber sempre foi o seu motor. Co-autor, com António José Saraiva, da omnipresente História da Literatura Portuguesa, que tem sido a bíblia literária de gerações de estudantes, o autor de Modo de Ler (1969), Os Sinais e os Sentidos (1986) e, mais recentemente, A Busca de Sentido (1995), entre outros, tem-nos mostrado ao longo de décadas que o saber tem muitas formas, que cabe a cada um de nós entrar com os dedos no fundo da matéria, e viver a aventura de o perseguir.
«Um homem nunca está só»
Escreve Óscar Lopes: «Quem fala nunca está absolutamente só, visto que pensa – e pensar, à maneira humana pelo menos, é atingir o mundo material através de um mundo de sinais sensoriais e verbais de que os nossos semelhantes comparticipam. Por cada pequeno gesto das suas mãos, o ser humano executa uma incontável quantidade de gestos nervosos, na massa cinzenta do cérebro, que maravilhosamente, se correspondem, de homem para homem. Um homem nunca está só. Tem sempre consigo a sua educação, a sua experiência de vida conivente, a fala interior educada nos hábitos da fala exterior.»
No longo processo de humanização, Óscar Lopes refere-nos momentos de desumanização, resultado da desarticulação entre o cérebro e as mãos. Sobre os seus tempos, mas com a actualidade que a seguir se vê, escreve: «ninguém hoje contesta, julgo eu, que estamos perante uma nova crise nas relações entre o cérebro e a mão do homem. Mais uma vez, a mão cresceu e qualificou-se de tal modo, que o espírito humano, ou pelo menos certas formas do espírito humano, perderam o controlo sobre elas. (…) Portanto, se alguma coisa está errada no mundo que o homem fez dentro do mundo, a responsabilidade é do espírito humano, quero dizer, do cérebro humano; do sistema prevalecente do controlo supremo sobre a vida humana. O cérebro deve queixar-se de si, e não das mãos que tão brilhantemente aumentou e qualificou. O cérebro social é que tem de ser refeito.».
Quando este «As mãos e o espírito» foi impresso, diz António Borges Coelho, «vivíamos sob a opressão interna e o céu de chumbo do chamado equilíbrio nuclear», e um ano antes, Óscar Lopes viu-se enredado no exangue julgamento do Porto, o processo do MUD Juvenil. «No entanto, no texto que ireis ler, não há amargura ou desalento, mas a serenidade de uma consciência aberta para a entrega ao mundo», acrescenta Borges Coelho.
A serenidade de quem sempre ensinou e sempre se dispôs a aprender. A serenidade de um espírito superior que em diálogo com as suas mãos esculpiu a herança de todos nós e o maior património deste país: as letras portuguesas.
© Teresa Sá Couto
1 comentário:
Olá António. Obrigada pela visita e pelas simpáticas palavras!
Parabéns por esse seu livro. Com efeito, não o li, mas sabia da sua existência. Vou enviar-lhe um mail.
Um abraço
TSC
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