O trabalho escravo africano foi a pedra angular da construção do mundo moderno e nele se reconhecem as fundações do capitalismo. Ir ao encontro desse fundamento é conhecer a nossa história política, económica, cultural, social e psicológica, outrossim reconhecer o que subsiste da colonização ultramarina – espinho silencioso na nossa memória colectiva.
«Ricos e famosos! Este foi o verdadeiro e único móvel das nossas façanhas em África (…).Se a navegação foi arrojo de heróis, a colonização pareceu obra de ratoneiros (…). Ficamos senhores do mundo! Em Portugal não se curou mais da produção. Submeter os negros, comprá-los e vendê-los! Subjugar a Índia e avassalar o Brasil! Eis a grande preocupação»: escrevia Ladislau Batalha, no séc. XIX, relembrado no livro «Trabalho Forçado Africano», ferramenta do saber crítico que colige conferências de 26 investigadores nacionais e estrangeiros, coordenado pelo Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto e com a chancela da Campo das Letras.
As conferências estão agrupadas tematicamente em quatro partes: «O tráfico atlântico de escravos», Problemática da escravatura no Brasil», Trabalho forçado na África colonial» e «Heranças Culturais da escravatura no Brasil».
Sinal de riqueza para os seus proprietários e construtores de riqueza pelo seu trabalho, os escravos perpetraram as grandes migrações e com elas o vigor económico de nações. Longe dos anos de quinhentos, constata-se que a escravatura está na formação social de quase todos os estados americanos e subsiste em formas de cultura nos cantos da diáspora.
Sinal de riqueza para os seus proprietários e construtores de riqueza pelo seu trabalho, os escravos perpetraram as grandes migrações e com elas o vigor económico de nações. Longe dos anos de quinhentos, constata-se que a escravatura está na formação social de quase todos os estados americanos e subsiste em formas de cultura nos cantos da diáspora.
A partir daqui, o texto desafia-nos, confirmando-se que é necessário obter respostas, ainda que a matéria seja vasta e tenha de enfrentar lacunas documentais, ainda que o caminho do questionamento devolva e angarie novas perguntas:
«Mas, se a escravatura africana teve esse peso histórico tão grande e foi abolida em meados do século XIX, o que aconteceu em seguida a um sistema que já então tinha tomado uma dimensão planetária? Como se alterou a divisão mundial do trabalho entretanto instituída? De que forma nela participaram as regiões africanas, agora obrigatoriamente reconvertidas? Em que consistiram os sistemas coloniais europeus em África e o que tiveram em comum?».
Com efeito, e reportando-se ao caso português, refere-se que «Em 1876, quando já a escravatura era abolida de facto e de direito em toda a África, ainda no interior de Angola os portugueses compravam e vendiam escravos, sendo as próprias autoridades, até chefes de concelho, às vezes, os que realizavam tão odiosas transacções ou as toleravam dentro da área da sua jurisdição, mascarando-as com o nome de resgate.». Na conferência «Politica da Sociedade das Nações para a extinção da escravatura e do trabalho forçado em colónias africanas (1922-36): o caso português» constata-se que a luta contra a escravatura continuou muito depois de ser extinto o tráfico de escravos, manifesta em diversas formas de trabalho forçado nas colónias de S. Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique, bem como a persistência de formas de «escravatura doméstica e servil».
Com o apoio documental, refere-se que a Sociedade das Nações, pressionada por vários relatórios e queixas sobre «práticas análogas a escravatura», criou uma «Comissão Temporária da Escravatura» para apurar os casos e zelar pelo cumprimento dos direitos das populações dominadas. No caso português os documentos são elucidativos: um relatório de 1914 acusava Portugal de «fornecer mão-de-obra ao Estado e aos particulares sem atender aos direitos mais elementares dos africanos e às especificidades próprias das suas sociedades.». Acusava-se Portugal de consideração abusiva do termo «vagabundo», de aplicar de «forma abrangente» a lei que determinava que «todo o indígena válido que não trabalhasse seria compulsivamente obrigado a fazê-lo», de forma a «melhorar progressivamente a sua condição social e a civilizar-se».
O que se pretendia, defende-se, era «além de suprir o problema da falta de mão-de-obra, que o africano ganhasse o suficiente para pagar o imposto de palhota e comprar vestuário ou objectos importados» pela potência colonizadora, evidentemente!
Também o caso da Guiné é esclarecedor das práticas portuguesas. Nos anos cinquenta, já do século XX, a mão de obra africana era requisitada no contexto do ”imposto braçal” para se executarem obras de “utilidade pública” principalmente na construção de estradas, uma vez que «a única maneira de transitar entre os vários portos e praças era através de barcos e canoas, em viagens morosas». As construções eram tidas como símbolo da evolução, e assim aspirava-se a «um novo patamar de desenvolvimento, que podia rivalizar com os seus vizinhos francófonos da AOF». Desta feita, o trabalho forçado imposto às populações sob condições penosas servia para pagar dívidas ao Estado, seria o «verdadeiro tributo para garantir o seu progresso».
Trabalho Forçado Africano - Experiências Coloniais Comparadas, Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto; Editora Campo das Letras; Porto, Outubro 2006
3 comentários:
Teresa,
Se esta obra é fundamental para se conhecerem as "práticas" portuguesas, não deixo de recomendar - por ser essencial ao conhecimento da história e dos múltiplos caminhos de toda a África - "O Fardo do Homem Negro", 2000, de Basil Davidson (Trad. Jorge Almeida e Pinho), Porto: Campo das Letras. É uma obra essencial, de um escritor a quem o ex-Presidente Jorge Sampaio atribuiu a Comenda do Infante D. henrique pelo seu conhecimento e investigação sobre África e, em particular, as ex-colónias portuguesas.
Obrigada, Jorge!
Vou procurar esse livro. Tenho muito interesse neste tipo de leituras.
Um grande abraço
Teresa
interessante
Enviar um comentário