terça-feira, 27 de outubro de 2009

Poesia reunida de António Osório

Já está nas livrarias o majestoso A Luz Fraterna, que reúne a poesia de António Osório dos últimos 44 anos. São 653 páginas imperdíveis, num belo livro de capa dura, que a Assírio & Alvim dá agora à estampa. Ver aqui.
Além de prefaciado por Eugénio Lisboa, o compêndio compreende também uma entrevista de Ana Marques Gastão - que «revela o homem, na aproximação ao mistério, de uma escrita avessa à retórica» - feita a António Osório em 24 de Março de 2001.

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Deixo 4 textos:

DESPOJOS

Amarras que se lançam ao fluxo das águas,
despojos, limos espraiados,
cabedelos que chegam e partem com o mar,
surgem os versos.

E tudo de roldão, angústia,
vida e morte, oculto movimento de plantas,
o equinócio do amor, que torna a noite igual ao dia,
a confiança, a luta, a respiração dos homens. (p.23)

***
ENTRAR contigo
dentro das searas
e depois
trigo
sairmos da terra. (p.139)

***
VEJO teus olhos,
queria me convertesses
nesta perseverança de cego
esmoler, à porta do Metro,
dedilhando o seu livro
de bilros, e que não explica
nem vislumbra
a pertinácia irredutível da vida. (p. 143)

***
As Lavadoras

Quase todas são negras, fugidas de Angola. Mulheres novas e raparigas, com fatos de oleado e botas de borracha. De dia e de noite, por turnos, lavam os carros na garagem. Contemplo-as: na sua cor e no seu exílio. Entregam-se àquele duro trabalho, e eu admiro o contacto feminino com a água, o apuro, um rigor efectivo – os carros ficam luminosos como crianças saídas do banho. Ou como versos perfeitamente limpos de toda a dor. (p. 420)

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