O livro A morte de Portugal de Miguel Real vai estar em debate na livraria Almedina do Arrábida Shopping, dias 10 e 31 de Outubro, com ambas as sessões às 17 horas e entrada gratuita.
O sentido de oportunidade do debate é, pois, irrepreensível. Recupero aqui o texto que elaborei na altura do lançamento do livro, em 2007.
A «”morte de Portugal” não significa que Portugal desapareça (Portugal “dura”, escrevia Eça de Queirós durante a crise do Ultimatum; é, aliás, a sua grande virtude, não dar felicidade ao seu povo, mas durar, sobreviver, existir por existir, criando contínuas mitologias que justifiquem a sua existência)», diz Miguel Real .A morte de Portugal residirá, então, no desaparecimento de toda a originalidade portuguesa substituída pela vertigem estrangeira por uma «ditadura tecnocrática» instituída por «técnicos medíocres» para quem só conta «primeiro, a contabilidade das estatísticas, e, segundo, o sentido europeu das estatísticas». Mais, acrescenta Miguel Real:
«em nome de um orçamento metafísico e de uma canina imitação do pior da Europa, terão sido eliminados por este os curtos direitos ganhos pelas populações desde o 25 de Abril de 1974 (ter escola na sua terra, ter maternidade na sua terra, ter assistência hospitalar na sua terra, ter dinheiro suficiente para ir ao dentista, ter reforma garantida). É um Portugal solto, desregrado, cheirando alarvemente a dinheiro, os ricos por o terem, os pobres por o desejarem, todos por nas “Índias” o espreitarem, isto é, na mirífica Europa.».
Este é um «ensaiozinho despretensioso e reflexivo de horas nocturnas», no dizer do próprio ensaísta, texto ágil, acutilante, intervencionista, predicados para um prazer incomensurável de leitura, dizemos nós. Em 123 páginas, com Introdução, três capítulos e um Índice Onomástico, Miguel Real consulta 800 anos de política, mentalidades, História da Cultura e História das Ideias para desembocar nas actuais páginas de jornais onde corre a narrativa sobre quem somos e em quem nos estamos a transformar. Sobre o resultado do comando do Estado por «títeres janotas que transfiguram a nobre arte da política numa cinzenta cadeia técnica de raciocínios casuais», «uma nova geração de engenheiros e economistas totalmente desprovida de espírito histórico», escreve o ensaísta:
«Portugal permanecerá, na sua posição relativa face aos países mais ricos da Europa, como se encontra desde o reinado de D. João III, na base da tabela», com um «povo pobre, analfabeto e supersticioso. (…) É o Portugal de D. João III (menos de 30 anos depois de D. João III tínhamos sido condenados à inexistência por Castela), o Portugal do “Nada para que caminhamos” de Marquesa de Alorna, um Portugal merecedor de um Gil Vicente, que infelizmente não o há. É a orgia báquica dos técnicos cinzentos e dos políticos janotas antes da grande derrocada, como aconteceu na segunda metade do século XVI e na passagem entre os séculos XVIII e XIX.». Invocando o nome grande das letras portuguesas que também designa o Dia de Portugal, escreve o ensaísta:
«Camões, de facto, merece ser o símbolo do povo português – homem azarado, poeta pobre, brigão, mulherengo, condenado pelo Estado, perseguido pela igreja, nunca terá frequentado a Universidade (“saber de experiência feito”), migrante do Império, ora aqui, ora acolá, a sua vida, como a de Fernão Mendes Pinto, reproduz a vida dos portugueses que nunca beijaram a sombra do Estado, adversa às elites reitoras do Poder.».
Os quatro complexos de Portugal
Desenhando os quatros pontos cardiais por que Portugal se tem movimentado na sua História, Miguel Real apresenta quatro complexos culturais. O primeiro, da ORIGEM EXEMPLAR, é o complexo viriatino, que «emerge na segunda metade do século XVI», radicado na imagem de Viriato, «herói impoluto, puro, virtuoso, soldado modelo, chefe guerreiro íntegro, homem simples, pastor humilde que se revolta contra a prepotência do ocupante estrangeiro» que só pela traição é derrotado.
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O segundo, o da NAÇÃO SUPERIOR, o complexo vieirinho, que irrompe depois de D. João III, Alcácer Quibir e a decadência do Império, com o Padre António Vieira a semear a esperança, anunciando-nos o Quinto Império «dourando-nos o futuro com o regresso anunciado às glórias do passado», e que «nos determina a desejarmos mais do que nos pedem as forças e nos exigem as circunstancias, pulsao social que orientou as caravelas portuguesas;»
O terceiro, da NAÇÃO INFERIOR, o complexo pombalino, radicado no ímpeto de Pombal, o da nação humilhada pelo seu atraso e sequiosa das luzes europeias, «hoje acefalamente política dominante do Estado português, que a segue como “bom aluno”.
Por fim, o do CANIBALISMO CULTURAL, o complexo canibalista, «que alimenta o desejo de cada pai de família portuguesa de se tornar súbdito do chefe ou do patrão, “familiar” do Tribunal da Inquisição, sicofanta da Intendência-Geral de Pina Manique, “informador” de qualquer uma das várias polícias políticas, carreirista do Estado, devoto acrítico da Igreja, histrião da claque de um clube de futebol, bisbilhoteiro do interior da casa dos vizinhos, denunciador ao supremo hierárquico», aludindo-se, na actualidade, à «perseguição a funcionários públicos rebeldes pelos poderes partidários instituídos pelo governo de José Sócrates/Cavaco Silva.».
«Se a vitória europeia de Portugal se consumar, terá sido a geração nascida entre 1940 e 1960 a matar D. Sebastião pela segunda vez», diz, sem que, no entanto, antes desafie:
«Resta aos homens de bem virarem as costas a esta nova elite tecnocrática que assaltou e se apoderou do Estado português (..) e, se puderem, emigrarem, clamando que aos homens-técnicos leva-os o Tejo e o Douro nas enxurradas de Inverno, os homens-cultos, esses, permanecem, recriando a nova imagem literária, estética e cultural por que Portugal posteriormente se reverá no espelho da História.».
A Morte de Portugal, Miguel Real; Editorial Campo das Letras, Porto, 2007
© Teresa Sá Couto
Desenhando os quatros pontos cardiais por que Portugal se tem movimentado na sua História, Miguel Real apresenta quatro complexos culturais. O primeiro, da ORIGEM EXEMPLAR, é o complexo viriatino, que «emerge na segunda metade do século XVI», radicado na imagem de Viriato, «herói impoluto, puro, virtuoso, soldado modelo, chefe guerreiro íntegro, homem simples, pastor humilde que se revolta contra a prepotência do ocupante estrangeiro» que só pela traição é derrotado.
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O segundo, o da NAÇÃO SUPERIOR, o complexo vieirinho, que irrompe depois de D. João III, Alcácer Quibir e a decadência do Império, com o Padre António Vieira a semear a esperança, anunciando-nos o Quinto Império «dourando-nos o futuro com o regresso anunciado às glórias do passado», e que «nos determina a desejarmos mais do que nos pedem as forças e nos exigem as circunstancias, pulsao social que orientou as caravelas portuguesas;»
O terceiro, da NAÇÃO INFERIOR, o complexo pombalino, radicado no ímpeto de Pombal, o da nação humilhada pelo seu atraso e sequiosa das luzes europeias, «hoje acefalamente política dominante do Estado português, que a segue como “bom aluno”.
Por fim, o do CANIBALISMO CULTURAL, o complexo canibalista, «que alimenta o desejo de cada pai de família portuguesa de se tornar súbdito do chefe ou do patrão, “familiar” do Tribunal da Inquisição, sicofanta da Intendência-Geral de Pina Manique, “informador” de qualquer uma das várias polícias políticas, carreirista do Estado, devoto acrítico da Igreja, histrião da claque de um clube de futebol, bisbilhoteiro do interior da casa dos vizinhos, denunciador ao supremo hierárquico», aludindo-se, na actualidade, à «perseguição a funcionários públicos rebeldes pelos poderes partidários instituídos pelo governo de José Sócrates/Cavaco Silva.».
«Se a vitória europeia de Portugal se consumar, terá sido a geração nascida entre 1940 e 1960 a matar D. Sebastião pela segunda vez», diz, sem que, no entanto, antes desafie:
«Resta aos homens de bem virarem as costas a esta nova elite tecnocrática que assaltou e se apoderou do Estado português (..) e, se puderem, emigrarem, clamando que aos homens-técnicos leva-os o Tejo e o Douro nas enxurradas de Inverno, os homens-cultos, esses, permanecem, recriando a nova imagem literária, estética e cultural por que Portugal posteriormente se reverá no espelho da História.».
A Morte de Portugal, Miguel Real; Editorial Campo das Letras, Porto, 2007
© Teresa Sá Couto
7 comentários:
Teresa
É duro de ouvir esse título, mas pelo texto aqui deixado, decerto faria muito bem a muitas pessoas ler e reflectir. Mesmo não se concordando com tudo.
Um abraço
estarei lá!.
beijos
csd
olá Manuela,
é um título com grande impacto, de facto: é difícil ficar-se-lhe indiferente. As visões são muito próprias e polémicas, com esse mérito de lançar o debate...
Beijinhos
T.
Boa, Cláudia. Depois contas-me, certo? Digamos que serás os meusa olhos, ouvidos e sensibilidade no Porto rssss
Beijinhos
T.
Esta «reflexão sobre nós», portugueses, fez-me lembrar um livro que comprei há uns dias - os «Bilhetes de Colares», do embaixador José Cutileiro - na parte em que explica a receita para o sucesso de uma crónica semanal. O segredo é escrever todas as semanas uma crónica «que diga mal de uns» e agrade aos outros, porque assim, com uma crónica por semana, ao fim de um ano consegue-se dizer mal de toda a gente e toda a gente fica a gostar de nós. Ou seja, aos quatro complexos referidos neste ensaio, talvez fosse de acrescentar o «maldizer inconsequente». Julgo que também faz parte de ser português, e ao afirmá-lo mais não faço que confirmar a regra... :-)
Tenho pena de não poder ir - o tema promete - pelo que fico, igualmente, à espera do relato.
Abraço
Bom, agora fui eu a "apanhada": não conheço esse livro e eis a vontade urgente de o conhecer. Esta urdidura das sugestões de leituras é bem tramada!
Obrigada, C.
Um abraço
T.
Que realidade tão negra, que em nada me espanta. O senso comum sabe disto, mas não consegue atingir as metas necessárias, para sair deste marasmo sócio-económio...
Quanto a Camões, concordo também que seja o símbolo de Portugal.
Penso que essa ditadura tenocrátia se instalou, uma autêntica Máfia. Resumindo e numa visão simplista, estamos condenados, a não saír do marasmo, infelizmente.
Obrigada pela sua exposição, tão elucidativa.
Quanto ao ser "apanhada", nada de novo, gostam sempre de "apanhar" quem critica, tornando-se nos próprios críticos, um círculo vicioso, nem que a crítica seja construtiva... :) de mim falo também...:) é talvez o maior erro do português, ver sempre a crítica como destrutiva, ao invés de construtiva.
Beijinho
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