Com os denominados «Voos da Cia» novamente na ordem do dia, agora a propósito dos pedidos do Parlamento Europeu aos Estados-membros da UE para ajudarem os EUA a resolver o problema de repatriamento e reinstalação dos detidos de Guantanamo, na sequência da decisão de Barack Obama em desmantelar aquele estabelecimento prisional em Cuba, volto a olhar para o livro «A Verdadeira história dos voos da CIA» ou, reformulo, «os táxis da tortura» de Bush que passaram por Portugal.
Editado entre nós em 2007, o explosivo «A Verdadeira História dos voos da Cia – os táxis da tortura», de Trevor Paglen e A. C. Thompson, com tradução de Jorge Almeida e Pinho, tem, na edição portuguesa, prefácio da euro deputada Ana Gomes.
Os autores, um perito em instalações militares clandestinas e um consagrado jornalista do S. F. Weekly, desmantelam as operações clandestinas da administração Bush conluiada com a CIA e outras agências, que consistem num «complexo e dissimulado programa de deslocalização da tortura, designado nos EUA por “entregas extraordinárias”, extraordinary renditions.». Envolve raptos pelo mundo e transporte em voos camuflados, propriedade de empresas fictícias, designados no livro por «táxis da tortura». E lá estão os aviões da polémica, nas rotas e estadias por Portugal, que incendiaram o Parlamento Europeu.
Os autores mostram, e Ana Gomes ressalva-o, que «5 anos após o 11 de Setembro, as detenções ilegais ainda não acabaram. (…) Alguns dos detidos foram levados para o Egipto e para Marrocos onde foram torturados e interrogados. Outros foram transportados secretamente – através dos corredores aéreos que são facilitados à CIA – para a Europa de Leste e para o Afeganistão, onde também foram torturados. Uns acabaram detidos em Guantánamo, mas outros desapareceram de todo.».
As prisões e os desaparecimentos forçados, refere-se, surgem logo após o 11 de Setembro em nome da guerra contra o terrorismo, inseridos num programa político de «entrega extraordinária de prisioneiros», através de aviões disfarçados para transporte civil que, assim, têm fácil acesso a todos os lugares, incluindo aqueles que jamais receberiam aviões militares americanos: Carachi, Tripoli, Líbia, Banjul e Gambia.
Com base em testemunhos – desde prisioneiros entretanto libertados, a controladores aéreos – e documentação que os aviões foram deixando – rotas, camuflagens, empresas fantasmas, assinaturas de gente que não existe –, os autores criam, em 5 capítulos, com muitas histórias que entram no domínio do rocambolesco, um «mosaico» de um grotesco processo.
Uma das ironias das empresas de fachada, lê-se, «é que têm de desenvolver um esforço mínimo para se assemelharem a empresas normais, e isso significa deixarem atrás de si a longa lista de documentos» que os autores seguiram. «Estes registos das empresas não são secretos. Se se acrescentar um avião às operações de uma qualquer empresa, o seu rasto de documentos aumenta exponencialmente. Na medida em que a industria aeronáutica é tão regulamentada, a FAA guarda os registos em arquivo de todos os aviões sedeados nos EUA, assim como a história de todas as modificações efectuadas em aviões que sejam propriedade de um individuo. Todos estes registos, concebidos para tornarem os céus mais seguros, já que permitem garantir a segurança de voo dos aviões que os percorrem (e as identidades das pessoas que estão ao comando dos aviões) são acessíveis ao público em geral.».
As rotas e estadias por Portugal
Preto no branco. Estão no livro as referências aos aviões que escalaram Portugal. Sintetiza assim Ana Gomes: «o Gulfstream V, chamado de “Guantánamo Bay Express”, com matrícula N379P, envolvido nas “entregas extraordinárias” de várias pessoas identificadas no Relatório do PE (Parlamento Europeu), algumas ainda vegetando em Guantánamo e noutras prisões – trata-se de um avião que escalou o Porto 13 vezes entre 25/5/02 e 9/6/05, incluindo no retorno da “entrega” a Marrocos de um cidadão italiano ainda ali detido, Abou Elkassim Britel. Também referencia o avião envolvido na “entrega extraordinária” de Khaled Al-Masri, um Boeing737 com a matrícula N313P, que passou por Portugal várias vezes, incluindo uma suspeita escala entre Argel e Baku no Aeroporto Sá Carneiro, a 24-25 de Agosto de 2003, durante a qual os tripulantes – sob nomes falsos e, entretanto, implicados no processo judicial de Milão relativo ao rapto de Abu Omar – se alojaram no Hotel Meridien do Porto. Também o Gulstream IV envolvido no rapto de Abu Omar (sob matrícula N85VM) vem repetidamente a Portugal, nas suas diversas “encarnações” – a última das quais em Maio de 2005, sob matrícula N227SV, segundo registo do “handler” português para “contactos no Minist. Defesa”… (que ainda ninguém explicou quem eram…).
Premier Executive Transport Services, Tepper Aviation, Stevens Express Leasing, Aero Contractors, Richmor Aviation (…) são apenas algumas das companhias fictícias, “de fachada” da CIA, referenciadas neste livro, e que frequentemente obtiveram (…) autorização das autoridades civis e militares/políticas portuguesas para operar aviões transitando (por horas ou dias) pelos aeroportos nacionais, segundo listas do Eurocontrol e da NAV», escreve Ana Gomes.
A Verdadeira História dos voos da Cia – os táxis da tortura, Trevor Paglen e A. C. Thompson, tradução de Jorge Almeida e Pinho; Editorial Campo das Letras; Porto, Março 2007
© Teresa Sá Couto
7 comentários:
Há algum assunto sobre o qual você não se debruce? ;) A Teresa é uma caixa de surpresas! E recordo-me da sua conferência sobre Montaigne e Vieira, Nietzsche e Bernardo Soares onde foi brilhante!! Sim, porque estive lá mas não consegui falar consigo pois esteve o tempo todo muito “cercada”. Imagine a minha surpresa quando vi o seu nome na lista dos conferencistas.
Ó Luís...há tantos, tantos assuntos sobre os quais não me debruço por "não ter mãozinhas" :(!!
Quanto ao resto que refere, estou sem palavras.
Obrigada.
TSC
Não me parece que seja por "incapacidade" ;-)
Fascinou-me, na conferência, observar a sua timidez em oposição ao discurso seguro, limpo, argumentativamente perfeito (quem é que se lembraria de juntar aqueles 4 nomes daquela maneira??!!) com demonstrações imbatíveis? Aliás, pelo que ouvi, estam todos deslumbrados eheh
Um abraço
LS
Olá Teresa,
Para além daquele livro com artigos de uma série de figuras internacionais (saído na altura) que outros títulos tem a Campo de Letras sobre o 11 de Setembro de 2001?
Bjo,
hb
Não conheço mais nenhum, Hugo. Mas posso investigar ;)
Há um de Jim Dwyer e Kevin Flynn, dois veteranos da reportagem, editado pela Presença, editado em 2005: titula-se «102 minutos» e reconstitui minuto a minuto o ataque às Torres Gémeas. tem desenhos e esquemas. Na altura, fiz um texto sobre ele. Vou ver se sei onde anda o texto...rsrsrs
Bjinho
T.
Perdoe-me o preciosismo... Mas o livro teve tradutor para português, não teve? Então, talvez essa menção devesse constar da referência bibliográfica. Afinal de contas, já é tão pouca a importância que nos dão, que cada vez mais acho que não nos querem ver, mas lêem o que escrevemos!!!!
Não é preciosismo! Tem toda a razão, Jorge (Jorge Almeida e Pinho). Falha minha. Grande falha!
Um abraço
Teresa Sá Couto
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