«Quando um homem /abraça alguém /com a pureza de uma ave /de um peixe de uma flor /inventa /o ouro do mar /o abrigo do céu». Assim escreve Fernando Rente, em Amor do Mar e Outros Poemas (2004-2005), cantos distantes, «onde o mar e a terra pernoitam», donde tudo principia, onde tudo regressa e tudo se explica.
Fala-se de pureza, verdade e serenidade que consolidam a existência humana; nomeia-se «uma ilha situada aquém e além de todo o horizonte», com recados do vento que nos falam de amor: «Longe, nas brancas /ondas do escuro mar /surges a nado /cabelos molhados e amados /lentamente /o desejo cresce /nadas para a costa /onde meu corpo te espera /teus dedos, tuas mãos /molham-me /de água marítima /teu beijo de sal é amor».
Trilhar este percurso de Fernando Rente é seguir os passos de Afrodite que cria o mundo «gloriosamente profano que nos coube», refere Mário Cláudio no texto introdutório, intitulado «Os passos de Afrodite», acrescentando: «Cingido por agrura e esperança, atento a vozes interiores que serão o sopro dos espíritos, escutará Fernando Rente sempre “o vento que desenha /teu corpo”. Em tempo de desamparo converter-se-lhe-á a reminiscência de Afrodite em sustentáculo de esperança. E tomado de uma certeza única, segredará ao nosso ouvido, apenas ao nosso ouvido, esse mistério maior, “Aprendi / a comer o silêncio /dos que não amam”».
Nascido em Penafiel em 1933, Fernando Rente começou a escrever poesia na década de 60. A sua ligação às artes plásticas – curso de Pintura na Escola Superior de Belas-Artes do Porto – explicará a forma da sua poesia que parece escorrer em telas com a pureza da aguarela e com o mistério da suavidade da cor, mesmo para desenhar o ímpeto e o fogo do desejo, mesmo para deter a pungência da perda, como a seguir se comprova.
São palavras de «espuma e recados dos peixes», na garupa do vento que desvela o enredo amoroso; é a indizível sensualidade de uma poesia decantada, fugaz e perene, suave e intensa, de toque, aromas e segredos ciciados ao ouvido:
São palavras de «espuma e recados dos peixes», na garupa do vento que desvela o enredo amoroso; é a indizível sensualidade de uma poesia decantada, fugaz e perene, suave e intensa, de toque, aromas e segredos ciciados ao ouvido:
Espero-te como o marulhar
das tentações das areias e do mar
esperam o peito das gaivotas
esse rumor é a tua presença
e o voltar aos nossos dias
desfolha-nos em abraços
o sentir da tua vinda
alertou-me
embalando meu corpo
até que tua noite me tocou
***
Conhecemo-nos pelos teus olhos
o amor nasceu
com um sorriso
unimos as mãos
o rosto o flanco
não tínhamos um lar
não tínhamos um leito
o meu abraço
cobriu-te os ombros
quando nasceu a manhã
encontrou-nos nas ruas
cansados
mas felizes
***
Ouvir sem ver
solidão triste
querer e não ter
água que não
se bebe nem abraça
ensinar com o tempo
as mãos desenhar
teus lábios soletrando
letra a letra
o fogo de seu ser
***
Conheci o amor
que não existe
fiquei triste
dias longos
terras desconhecidas
só o sonho ama
o que existe
***
Quando partires irás
das tentações das areias e do mar
esperam o peito das gaivotas
esse rumor é a tua presença
e o voltar aos nossos dias
desfolha-nos em abraços
o sentir da tua vinda
alertou-me
embalando meu corpo
até que tua noite me tocou
***
Conhecemo-nos pelos teus olhos
o amor nasceu
com um sorriso
unimos as mãos
o rosto o flanco
não tínhamos um lar
não tínhamos um leito
o meu abraço
cobriu-te os ombros
quando nasceu a manhã
encontrou-nos nas ruas
cansados
mas felizes
***
Ouvir sem ver
solidão triste
querer e não ter
água que não
se bebe nem abraça
ensinar com o tempo
as mãos desenhar
teus lábios soletrando
letra a letra
o fogo de seu ser
***
Conheci o amor
que não existe
fiquei triste
dias longos
terras desconhecidas
só o sonho ama
o que existe
***
Quando partires irás
pelo mar Atlântico
as ondas são meus abraços
o sal, o sabor dos lábios
sei que ilha a ilha
continente a continente
terra e mares oceânicos
voltarás um dia, uma noite
cheia de gotas de espuma
cheia de beijos de lágrimas
o olhar fixando um rosto
velho, de traços vincados
* * *
O fogo do cimo
os rochedos têm fome
do abraço das tuas águas
de espuma e recados dos peixes
com algas de areia
teci uma rede
para amar os seres marinhos
nós dois neste mundo
mentido amamos
a liberdade dos homens
***
Contigo vivi
junto ao mar
na casa da água
da última das ondas
descámos com as gotas
até à profundidade das tuas
montanhas submarinas
nesse leito de água
concebemos um filho
que nunca tivemos
***
O amor que tive
Erguendo-se pelo mar
Como o voo de pássaro
a ti me levou
Pernoitámos
os olhos fixaram-se
os lábios tocaram-se
e fugimos
um do outro
* * *
O fogo do cimo
os rochedos têm fome
do abraço das tuas águas
de espuma e recados dos peixes
com algas de areia
teci uma rede
para amar os seres marinhos
nós dois neste mundo
mentido amamos
a liberdade dos homens
***
Contigo vivi
junto ao mar
na casa da água
da última das ondas
descámos com as gotas
até à profundidade das tuas
montanhas submarinas
nesse leito de água
concebemos um filho
que nunca tivemos
***
O amor que tive
Erguendo-se pelo mar
Como o voo de pássaro
a ti me levou
Pernoitámos
os olhos fixaram-se
os lábios tocaram-se
e fugimos
um do outro
Amor do Mar e Outros Poemas, Fernando Rente, Campo das Letras, Porto, 2007
(to Artur)
© Teresa Sá Couto
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