Vinte e sete histórias do brasileiro Rubem Fonseca
Se «não há mulher que não sonhe em matar o marido», Francisca torna o sonho realidade; Guiomar faz com que o companheiro aprenda e realize por ela as tarefas domésticas; Luíza faz uma «ablação peniana» ao namorado; Zézé (Josefina) prepara-se para o Dia Internacional do Orgasmo; Belinha é assassinada pelo namorado, que é assassino profissional, pois ele fica escandalizado por ela querer matar o pai: estes são alguns motes para as histórias do Ela e as Outras mulheres, décimo primeiro título que a Campo das Letras editou entre nós do prolixo, carnal, desbocado e virulento escritor brasileiro Rubem Fonseca, Prémio Camões 2003.
São vinte e sete mulheres, uma para cada conto, construídas no quotidiano urbano violento. São adolescentes, jovens, adultas, de meia-idade e idade avançada; são vítimas, dedicadas, meigas, solitárias, manipuladoras, cerebrais, lascivas, ninfomaníacas, cleptomaníacas; são 148 páginas de histórias curtas, concisas e de enredos imprevistos, que se lêem de um fôlego, em apenas algumas horas.
Mesmo que em muitos contos Rubem Fonseca construa a psicologia feminina de forma estereotipada, cheia de lugares comuns, com moldes repetitivos de violência e sexo (obsessões na escrita do autor e que lhe têm granjeado críticas de ser um escritor comercial), noutros irrompe o processo de construção de histórias com fulgor quase genial. Em subsídio da leitura activa está, também, a componente cinematográfica das pequenas narrativas, velozes e dinâmicas, que prendem o leitor ao texto levando-o de surpresa em surpresa até aos finais inesperados, arrancando-lhe um sorriso ou uma repulsa, e nunca a indiferença.
Por ordem alfabética, vão surgindo os nomes das mulheres, titulando os contos, marcando diversas cadências na pulsação desta antologia.
Francisca, tal «como toda a mulher casada», vivia «tomando remédios aos montões para aliviar momentaneamente» a sua «insuportável carga de frustrações», até que um dia decide usar os seus medicamentos para mudar a vida. A resolução era simples: juntá-los à bebida do marido para depois o matar. Corre assim o texto:
Estava morta de cansaço quando cheguei à varanda, mas ainda tive forças para deitá-lo de barriga sobre a grade da varanda e depois agarrar suas pernas, levantá-las e impulsionar o corpo.
A queda causou um distante som oco ao bater na calçada.
Depois liguei para a polícia dizendo que o meu marido tinha bebido demais e havia caído da varanda. Acrescentei que ele era viciado em entorpecentes.
Voltei para a sala e bebi outra taça de champanhe. Adoçava a boca, antes de começar a comer o pão que o diabo amassou.
Depois, na frente do espelho ensaiei a história que ia contar para a polícia. Seu delegado, isso aconteceu no mês passado com o morador do 1201, que também misturava bebida com calmantes, era alto e gordo como o meu marido e caiu da varanda, a grade é muito baixa.
Ele provavelmente também foi empurrado pela esposa, mas esse final não ia contar.
Fiz minha cara de choro e as lágrimas escorreram. É fácil chorar se a pessoa está feliz.
A história de Belinha introduz a figura do assassino a soldo, muito cultivada na literatura brasileira e que se radica na violência real que grassa no país. Esta figura está incluída noutros contos desta colectânea, nomeadamente na história de Teresa, mulher que é salva por um destes assassinos que matam por dinheiro, mas «nem sempre»; e assim se mostra a dedicação das letras brasileiras pela exploração esta figura da violência nos seus múltipos contornos, filão para a sátira social.
Belinha tem dezoito anos, é menina de boas famílias, formada em bons colégios, fala francês e gosta do namorado bandido porque o «tesão» dele era verdadeiro. Mas a rapariga comete um erro de cálculo ao pedir-lhe que assassine o pai para ela ficar com o dinheiro, pois o namorado, assassino profissional que a adorava, tinha a sua honra, e descarrega-lhe a Walter «bem na nuca para ela morrer de maneira instantânea e sem dor.»: «Como é que alguém pode querer matar o pai ou a mãe?».
Ela e Outras Mulheres, Rubem Fonseca; editorial Campo das Letras, Porto, Fevereiro 2008
Por ordem alfabética, vão surgindo os nomes das mulheres, titulando os contos, marcando diversas cadências na pulsação desta antologia.
Francisca, tal «como toda a mulher casada», vivia «tomando remédios aos montões para aliviar momentaneamente» a sua «insuportável carga de frustrações», até que um dia decide usar os seus medicamentos para mudar a vida. A resolução era simples: juntá-los à bebida do marido para depois o matar. Corre assim o texto:
Estava morta de cansaço quando cheguei à varanda, mas ainda tive forças para deitá-lo de barriga sobre a grade da varanda e depois agarrar suas pernas, levantá-las e impulsionar o corpo.
A queda causou um distante som oco ao bater na calçada.
Depois liguei para a polícia dizendo que o meu marido tinha bebido demais e havia caído da varanda. Acrescentei que ele era viciado em entorpecentes.
Voltei para a sala e bebi outra taça de champanhe. Adoçava a boca, antes de começar a comer o pão que o diabo amassou.
Depois, na frente do espelho ensaiei a história que ia contar para a polícia. Seu delegado, isso aconteceu no mês passado com o morador do 1201, que também misturava bebida com calmantes, era alto e gordo como o meu marido e caiu da varanda, a grade é muito baixa.
Ele provavelmente também foi empurrado pela esposa, mas esse final não ia contar.
Fiz minha cara de choro e as lágrimas escorreram. É fácil chorar se a pessoa está feliz.
A história de Belinha introduz a figura do assassino a soldo, muito cultivada na literatura brasileira e que se radica na violência real que grassa no país. Esta figura está incluída noutros contos desta colectânea, nomeadamente na história de Teresa, mulher que é salva por um destes assassinos que matam por dinheiro, mas «nem sempre»; e assim se mostra a dedicação das letras brasileiras pela exploração esta figura da violência nos seus múltipos contornos, filão para a sátira social.
Belinha tem dezoito anos, é menina de boas famílias, formada em bons colégios, fala francês e gosta do namorado bandido porque o «tesão» dele era verdadeiro. Mas a rapariga comete um erro de cálculo ao pedir-lhe que assassine o pai para ela ficar com o dinheiro, pois o namorado, assassino profissional que a adorava, tinha a sua honra, e descarrega-lhe a Walter «bem na nuca para ela morrer de maneira instantânea e sem dor.»: «Como é que alguém pode querer matar o pai ou a mãe?».
Ela e Outras Mulheres, Rubem Fonseca; editorial Campo das Letras, Porto, Fevereiro 2008
© Teresa Sá Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário