quinta-feira, 20 de novembro de 2008

O futuro de Deus e da Humanidade

Nesta pequena aldeia global, onde Deus tem múltiplas figuras, parecendo que «Cada homem quer um Deus só para si», como disse Paul Holbach, qual vai ser o futuro de Deus e da Humanidade?
Envolto na nova cultura – a cibercultura – «Que novo tipo de Homem vai surgir desta “sociedade da rede”? E vai ser rede ou labirinto?», problematiza Anselmo Borges no urgente livro Deus no século XXI e o futuro do cristianismo.

«Deus é o existirmos e isto não ser tudo», escreveu, num arroubo visionário, Fernando Pessoa no Livro do Desassossego. O caminho para a partilha desta aldeia comum parece ser o diálogo inter-religioso, por mais compósitos que sejam os seus agentes, e que deve incluir os ateus, «pois são eles que permanentemente advertem os crentes para o perigo da idolatria e da desumanidade – e a idolatria é pior que o ateísmo», diz Anselmo Borges.

Contributo inestimável para o actual debate, o livro que referenciamos colige reflexões de nomes conceituados da sociologia, genética, neurobiologia, filosofia, teologia, psiquiatria, ciências da comunicação, história, ética e bioética e politologia.

Adriano Moreira, Alexandre Castro Caldas, Andrés Torres Queiruga, Frei Bento Domingues, Daniel Serrão, Edward Schilllebeeckx, Enrique Dussel, Fernando J. Regateiro, João Maria André, Joaquim Fernandes, Johann Baptist Metz, José María Mardones, Juan Martín Velasco, Juan Masiá Clavel, Manuel Pinto, Teresa M. Leal de A. Martinho Toldy são os autores que marcam presença neste livro organizado na sequência do Congresso comemorativo dos 75 anos da Sociedade Missionária. A coordenação coube a Anselmo Borges, Padre da Sociedade Missionária Portuguesa e docente de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, e que abre o compêndio com o artigo «Desafios à Humanidade e ao Cristianismo»:
«Possivelmente, a revolução em curso neste início de século e milénio só tem comparação com as revoluções do neolítico e da modernidade, e tem múltiplos contornos e domínios.

São tais as perspectivas nos campos da genética e das neurociências e, consequentemente, das biotecnologias que se chega a pensar na possibilidade de uma bifurcação da Humanidade, a caminho do pós-humano. Pela primeira vez, a Humanidade tem nas suas mãos o seu segredo. O que pode e quer fazer com ele? É humano-ético tudo quanto é tecnicamente possível?
A globalização, que tem sido sobretudo tecnológica e económico-financeira no quadro do neoliberalismo, obriga a pensar uma governança mundial e coloca de modo novo a problemática do multiculturalismo.».

José Maria Mardones, investigador no Instituto de Filosofia de Madrid, e falecido em Junho do ano passado, defende que, pela emergência do encontro inter-religioso, está em curso uma revolução espiritual, que se quer «não sobre a superfície do cultural e ainda doutrinal, mas no fundo do aprofundamento místico-experimental de cada tradição», «um avanço para o centro do Mistério através de vias plurais e várias». Se assim não for, defende, o medo de se perder a identidade pode levar a religião a converter-se num «atiçador de rivalidades, ressentimentos e sede de vingança»: «O espectro do fundamentalismo ou das religiões fortes, nas suas mais variadas formas, ameaça-nos no futuro próximo e talvez seja o inimigo principal a superar».

Diálogo com as ciências biológicas

Se o diálogo inter-religioso surge como um desafio de árdua persistência, o diálogo entre as religiões e as ciências biológicas e biotecnológicas, cujas investigações científicas apresentam nova cosmovisão, não será menos desafiador.

Fernando Regateiro, professor de Genética da Universidade de Coimbra, lembra que têm de se combater manifestações de ignorância de religiões que apontam o determinismo absoluto atribuído ao DNA, com hereditariedade da ordem de apenas 0,4, sabendo-se que a religiosidade aumenta da adolescência para a idade adulta.

Por outro lado, Daniel Serrão, professor de Biopatologia da Universidade do Porto e Bioética da Universidade Católica Portuguesa, refere, em jeito de provocação, que o objectivo da biomedicina actual «é a imortalidade do corpo, neste mundo», uma «nova religião» sobre a saúde, com «peregrinações» e «santuários» onde, entre múltiplas actividades, é «legítimo tirar órgãos de pessoas mortas ou quase mortas e colocá-los noutras pessoas para que vivam mais tempo» ou «retirar células de embriões mortos ou quase mortos, para fazer tecidos que substituam os que foram perdidos pela senescência».

Outros conferencistas abordam os métodos de procriação medicamente assistida, a profilaxia na relação sexual – que tanta celeuma tem provocado no cristianismo – a manipulação genética aplicada à alimentação, a embriologia e quando começa a vida humana, entre muitos outros. Juan Masiá Clavel, professor de Bioética da Universidade Sophia, de Tóquio, proporciona-se uma magnífica conferência sobre os mal-entendidos e incongruências do cristianismo, lançando uma questão: «Os Papas do século XXI animar-nos-ão a pensar bem a vida humana, precisamente para protegê-la e responder ao desafio da era biotecnológica?».


Deus no século XXI e o futuro do cristianismo, vários autores, coordenação de Anselmo Borges; Editorial Campo das Letras, Porto, Outubro 2007

© Teresa Sá Couto

2 comentários:

Anónimo disse...

O tema é tão interessante qdo pesado e complexo. Em consequências práticas (psicológicas, sociais, políticas, éticas, civilizacionais) atando todos à roda da mesa. A família jamais será o que foi, a interdependência das questões tecnológicas com as de índole sexual, ética, moral e legal - emergem aqui atadas até aos interstícios, razão por que - de entre todos os autores citados - me parece avisado ter um Anselmo Borges a coordenar o trabalho. Borges que pela sua qualidade moral e intelectual sp poderá ser o garante de que o tema apesar de complexo - sempre poderá ser humanizado da melhor forma, recebendo ou não instruções de Roma...

Parece-me q fizeste um bom apanhado sobre este candente problema comum. Embora tudo isto não deixe de ser tão importante qto caricato: nós, no Ocidente, andamos a tentar encontrar uma forma de procriar alternativa q seja aceite por consenso pelas comunidade científica, religiosa e a sociedade no seu conjunto; nas "Áfricas do mundo" - a discussão é outra e as preocupações sociais tb são diversas.

Até dá vontade de dizer que o mundo qdo foi concebido foi mal-procriado. O que nos leva a supor, para terminar em laracha - que Deus, nessa noite, devia ter tido uma relação demasiado íntima com o contentor que guardava as garrafas de Wisky...

Best
Peter

Teresa disse...

Muito Obrigada, Peter, por uma vez mais enriqueceres o meu texto.
Bem Hajas!

TSC