sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Prémio Cervantes 2008 para Juan Marsé

O escritor catalão Juan Marsé foi distinguido ontem com o Prémio Cervantes, o Nobel das Letras espanholas.

Marsé, homem com cara de «pugilista marcado pela vida», como o caracteriza Arturo Pérez-Reverte, nasceu em Barcelona em 1933 e passou a infância e juventude no bairro popular de Gracia. Entre os 13 e os 26 anos trabalhou como operário numa oficina de joalharia. A sua carreira literária começou em 1959, ano em que começou a publicar crónicas em revistas literárias e em que obteve o Prémio Sésamo de contos. Das inúmeras obras publicadas, destaco dois romances editados em Portugal pela Campo das Letras.

Últimas Tardes com Teresa é o título que consagrou o escritor e, embora editado em 1966, chegou a Portugal em 2006, pleno de actualidade, para consagrar também a melhor leitura. Tatua-se no papel a palavra lúcida e poética que testemunha a aventura humana de Manolo e Teresa, dois jovens de mundos distintos, o proletário e o burguês. Atesta-se que a existência é feita de instantes esquinados, dobrados na «loucura dos relógios», num «mundo louco de estupor e desamparo». Personagem central, Manolo Reyes, alcunhado de Pijoaparte – «Há alcunhas que ilustram não só uma maneira de viver, mas também a natureza social do mundo em que se vive» – é um jovem pobre que vive nos subúrbios de Barcelona, que foge dessa condição miserável em busca da riqueza e prestígio social, sonhos projectados em Teresa, jovem universitária rica, por quem se apaixona, como num «derradeiro espasmo do sonho».

A acção decorre na Barcelona franquista, no Verão de 1956, no contexto dos exacerbados movimentos estudantis. Pijoaparte irrompe numa festa de gente fina, entre confetis festivos do arraial de São João, mestre da «grande máscara» que escondia «secretos desvarios», e que o narrador desmonta por inebriantes 371 páginas.

Repleto de «nervos secretos», o romance urde-se com sonhos e futilidades, encontros, desencontros e labirintos, numa vertigem narrativa que desagua no espanto da leitura. Sobretudo, é um romance sobre a fuga do indivíduo de si mesmo. Imperdível!

«Qualquer mulher sentada num bar de alterne à espera de clientes sabe que o comportamento de um homem que perdeu tudo menos a vida é um mistério.». Assim nos é apresentado o soberbo romance Canções de Amor em Lolita’s Club, o título mais recente do autor, editado também em 2006.

Mestre de um realismo inquietante e arrebatador, escrita de densidade psicológica e desenvoltura narrativa, o autor enleia o leitor em 271 páginas de descida às zonas mais recônditas que o ser humano tem e que nem a si confessa. Caminho de indagação e de luz, este, que confirma a asserção de Carlos Pujol: «A nada se pode regressar. Mas temos que regressar para o saber».

O que acontece nas almas ressacadas que se reúnem num bar de putas? Que mulheres são estas para lá da disponibilidade do corpo? Que homens são estes que chegam àquele tugúrio esvaziados de sentido? De que forma o encontro destes dois mundos interiores, igualmente áridos, de «fúria sexual, desamor e solidão», pode ser um conforto ou a confirmação da perda? Há lugar para o amor no meio deste paul, deste lodaçal? Ou a música caribe do Lolita’s Club Bar Musical é apenas um requiem da morte anunciada?

Este romance lembra-nos que a vida é um percurso de arestas angulosas e que a morte coexiste com a vida, antes daquele ponto derradeiro, o da finitude do corpo. Daí o seu carácter imprevisível: o da vida e o da morte. O homem escolhe e o resto acontece. Consoante o caminho que escolher terá de enfrentar as chagas que não previu. Há quem sucumba aos ferimentos dos gumes da vida e, numa qualquer noite sem lua, decida «partir-se em mil pedaços por dentro e por fora».
.
Desirée, uma das prostitutas, escolheu e a vida fez o seu trabalho: numa noite, navegando no Alhambra II, na rota Barcelona – Palma, em alto mar, os «seus olhos azuis cravam-se obsessivamente nas negras águas», e atira-se para o abismo. O seu corpo é achado vinte e quatro horas depois, longe do ponto onde se atirou à água, «na espuma dos alcantilhados». Os seus olhos eram agora verdes e a borboleta vermelha e amarela que antes estivera estampada no ombro direito «estava no seu peito esquerdo e tinha as asas cinzentas.». O mar imprevisível tinha feito o seu trabalho. O mar imprevisível faz com que o comportamento dos seus afogados seja, também ele, imprevisível…

© Teresa Sá Couto

2 comentários:

Anónimo disse...

Ouvi a entrevista dela na TSF...achei bem interessante... e não é que esqueci do nome dele.. até agora

Teresa disse...

É nome para não perder! Ainda bem que o recuperou ;)
TSC