Dia 21 de Março é o dia Mundial da Poesia. Sabe-se que, entre nós, as primeiras composições poéticas são anteriores ao séc. XII. Em Galaico-português, a alma encontrava a forma perfeita em versos melódicos e repletos de saudade. Falamos das cantigas de amigo que são, ainda hoje, um registo de verdade e emoção profundas. Os trovadores iniciavam, assim, a “saga maldita” da inquietação, porque a ousaram aliar à palavra. Nascia a poesia portuguesa.
Sem os poetas, teríamos chão seguro e paz nas veias. Então, porque buscamos exactamente o oposto? «Quando um dia acabem os poetas /há-de ser o mais belo dia deste mundo. /Hão-de cair do céu as divindades /sair do subsolo os medos e as sombras /reduzir-se ao tamanho natural /as coisas que eles aumentam e diminuem. /Há-de – não tenham dúvidas – /ser tudo uma grande sensaboria.» (Adolfo Casais Monteiro)
O que é a Poesia?
A poesia aparece-nos como uma negação: nega os lugares comuns, subverte a ordem das coisas, recusa o conhecido, procura o extraordinário: «A minha poesia é talvez esta luta contra paredes, muros e pedras – na tentativa de atravessá-los, em busca de um universo perdido…» (José Gomes Ferreira).
Na temática do amor, a negação surge como recusa da ausência, produzindo delírios encantados: «Agora, dormes, nua, /Sobre os lençóis – distante e ao mesmo tempo, aqui. /E essa réstia de lua /Vem da Lua, ou de ti?» (José Régio).
Sendo a descoberta a alavanca da inquietação, está criado o sangue e a correnteza que brotam do silêncio e alimentam a poesia: «eu quero a ânsia da onda/ o eterno rebentar da espuma» (Mia Couto); ou ainda, «O valor das palavras na poesia é o de nos conduzirem ao ponto onde nos esquecemos delas. O ponto onde nos esquecemos delas é onde nunca mais se pode ter repouso.» (Natália Correia).
A poesia é arroubo e êxtase. Para isso, surgem as antíteses: o sujeito elabora a poesia com lágrimas e risos, felicidade e dor, ódio e amor. Afinal, a Poesia é a Alma, com todos os seus recantos e labirintos: «Não, não posso adiar este abraço / que é uma arma de dois gumes /amor e ódio.» (António Ramos Rosa); «Anda sempre tão unido /o meu tormento comigo /que eu mesmo sou meu perigo. /E se de mim me livrasse, /nenhum gosto me seria; /que, não sendo eu, não teria /mal que esse bem me tirasse.» (Camões).
Ser poeta é cumprir um estranho Destino: «Poeta sou! Cumpro o meu fado, estranho / Como o dum santo ou um louco: /Só posso dar de mais ou muito pouco, /Que é tudo quanto tenho.», e ainda, «Ser poeta é achar deleite /Nas suas próprias feridas. / Ai dos seios que dão leite /A bocas tão iludidas!» (José Régio)
Ser poeta é lançar um braço além-terra, sonhando a asa, para atingir um pássaro qualquer, ou "aquela voz" que não é voz, mais inflexão, interna, e secreta: «Enquanto na escola me ensinavam /a exactidão da bilha verde /para a minha boca/de-não-ter-sede... /...no papel que via? /Uma bilha torta /onde apodrecia /a água para a outra boca, /a secreta, /de sede intacta /no fundo da saliva. / E foi assim que me fiz poeta. / Com esta exactidão inexacta.» (José Gomes Ferreira)
Finalmente, diremos que ser poeta é, com «Voz activa», atirar sementes ao vento, ânsias e fomes, e congeminar o desassossego: «Canta, poeta, canta! /Violenta o silêncio conformado. / Cega com outra luz a luz do dia. /Desassossega o mundo sossegado. /Ensina a cada alma a sua rebeldia.» (Miguel Torga)
(dedicado a todos os poetas)
10 comentários:
Para este seu arroubo poético de juntar vozes tão díspares, tão singulares e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, tão uníssonas no elogio da loucura individual que é a poesia só tenho uma palavra - brilhante!
Obrigada, Jorge!
Fui na onda da rebeldia que é a poesia :)))
Um abraço
Teresa
Gostei muito deste artigo. Obrigado.
Obrigada!
O José Alexandre é um dos poetas a quem dedico o artigo.
Um abraço
Teresa
Dedicado aos poetas, aonde a Teresa se insere mas isso todos os atentos sabem.
Obrigado pelo texto extraordinário.
LS
Ó Luís...desculpe, mas, quanto muito, aspiro a aspirante... rsss
Todavia, obrigada pela sua generosidade :)))
um abraço
Teresa
Gostei
:)
Bjinhos, Joni
T.
.
Gostei muito, Teresa.
Parabéns e beijinho :)
Beijinho, Josefa ;)
Enviar um comentário