quinta-feira, 16 de julho de 2009

Grande Prémio para Julieta Monginho

Julieta Monginho recebeu, no passado dia 14 de Julho, o Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLB – 2008 pelo seu romance A Terceira Mãe, publicado pela Campo das Letras. Ver AQUI declarações do júri.

Como o título indicia, o romance é um hino ao feminino vertido na história de três gerações de mulheres e mães da mesma família. Com escrita robusta e domínio narrativo, a viagem por três tempos – do salazarismo, passando pela efervescência pós 25 de Abril até à actualidade – é obrigatoriamente um percurso de questionamento sobre a condição da mulher no seu duplo papel, familiar e social.

Construída com a visão de uma das mulheres, Rosalina, a narrativa vibra prenhe de intimismo e cumplicidades: no sonho e na solidão, no amor e na sexualidade, nos afectos, tensões, submissões, lutas, forças e cansaços.

Extracto:

«A boca da menina mordiscava o chocolate quente e a seguir a mãe cheirava-lhe o corpo todo: a boca, o pescoço, atrás das orelhas, a penugem que herdara a espessura do cabelo dela. Cheirava-a e mordia-a toda, sem dentes. Foi assim que a menina aprendeu a definir amor: cheiro e mordedura.
Nem com a janela fechada. O aroma, não da casa mas do pequeno polígono onde mãe e filha, rosas e chocolate, se entreteciam num tear, estava destinado a atrair a atenção e a inveja do bairro. Ninguém o suportava. Na padaria as mulheres cochichavam, para se distraírem da comparação. Ao passar pela sociedade recreativa, mesmo que atravessasse a rua, os homens suspendiam os dedos nas peças do dominó e nas cascas dos caracóis. Removiam-lhe o corpo do sítio onde pairava para o sítio viscoso deles e cuspiam-lhe na alma.
Não se queixava. Empurrava o êmbolo do fogão a petróleo para atiçar o lume, a ver se os feijões coziam mais depressa para poder voltar para a casinha de chocolate, o polígono, a clandestinidade de um nome – Filomena – dividido em sílabas, cada sílaba uma conta do rosário. Quando ele chegasse esconderia tudo, menos o sorriso. Tudo escondido na gaveta onde as asas se acumulavam à espera de aragem. Quando o Vítor chegasse, empunhando uma bandeira e um pacote de bolacha maria, nem o mais pequeno vestígio de Floresta Encontrada. Até à noite em que ela se atrevesse a entreabrir-lhe a porta no tronco da árvore, propondo-lhe um pacto
- a cruz e o martelo.
Porém, antes que essa noite fosse tempo, muitas outras haviam de contar-se. «Vamos para a greve, Lina, prepara-te para o pior.». p.p. 80,81

2 comentários:

Paulo Assim disse...

Este fragmento da obra despertou o meu interesse para a ler. Fascinam-me os livros que me fazem regressar a esses tempos obscuros e que avivam as minhas memórias de infância.
E a prosa da autora parece-me surpreendente.

Teresa disse...

Olá Paulo
Li este livro quando saiu, mas não cheguei a escrever sobre ele. Ainda o faço, concerteza...