domingo, 13 de setembro de 2009

Jorge de Sena voltou a casa

Cumpriu-se o que tinha de se cumprir: JORGE de SENA voltou a casa. Dia 11 de Setembro, na Basílica da Estrela, fez-se a Homenagem de trasladação dos seus restos mortais. Agora há que recuperar a sua obra literária, pois recuperá-la é recuperarmos parte de nós, portugueses.

Fique a página da Fundação José Saramago para o percurso biográfico e bibliográfico de Jorge de Sena, percurso que se confunde com o da nossa história.


Dois poemas de Jorge de Sena:

Recortes

Os meus recortes fugindo para o Sul!
Velozes, tão velozes!
Ainda ontem desdobrados
e hoje azuis de corpo inteiro!...
e a sombra de olhar circundante,
num passo apressado e decidido,
e a minha forma entregue, aberta,
escancarada,
mas a barreira caída em falhas de sinais.

Eu não soube cortá-los pelo meio,
colá-los
nas páginas onde os sentiria com os meus dedos
- igual aos cegos diante de um livro para cegos,
porém sentindo mais e muito mais
e cego eu fosse aos livros de mim próprio!

Os meus recortes
fugindo para o Sul no carroussel:
amanhã, um dia, tornarão a passar,
tornarão a fugir…

E eu talvez então nem fale
- porque falei hoje.

25/8/1939

Obras de Jorge de Sena, Poesia-I p.p. 47, 48, edições70

Madrugada

Há que deixar no mundo as ervas e a tristeza,
e ao lume de águas o rancor da vida.
Levar connosco mortos o desejo
e o senso de existir que penetrando
além dos lobos sob as águas fundas
hão-de ser verdes como a velha esperança
nos prados de amargura já floridos.

Deixar no mundo as árvores erguidas,
e da tremente carne as vãs cavernas
aos outros destinados e às montanhas
que a neve cobrirá de álgida ausência.
Levar connosco em ossos que resistam
não sabemos o quê de paz tranquila.

E ao lume de águas o rancor da vida.


Madrid, 4/9/1972

Obras de Jorge de Sena, Poesia-III, p.p. 207,208, edições70, 1989

3 comentários:

Claudia Sousa Dias disse...

trazê-la para o domínhio público é importante da mesma forma que no século XVI se fazia chegar ao público as pbras de Shakespeare através da representação cénica.


csd

Maria Josefa Paias disse...

A primeira homenagem a Jorge de Sena com que me deparei, porque tenho feeds actualizados, foi no dia 11, no blogue De Rerum Natura, onde publicaram o poema «A Portugal». Como deve calcular, através daquele poema podemos concluir que Jorge de Sena odeia Portugal e possivelmente não queria voltar "nem morto".
A homenagem que a Teresa lhe presta está mais de acordo com a minha sensibilidade. Muito obrigada.
Abraço.

P.S.- O Dr. Rogério Santos agradeceu-me a citação à sua citação do livro dele.

Teresa disse...

Este caso do Jorge de Sena é mais um exemplo do problema histórico de Portugal com a sua Cultura, assunto que ainda há pouco chamei para este espaço com o "post" «Á procura d'os Degraus do Parnaso» a propósito do título de MSLourenço.

Por tudo o que sabemos, não é possível olharmos para este mediatismo histriónico da trasladação sem lhe vermos hipocrisia. Todavia, o lado positivo é acordar leitores para Jorge de Sena e uma vida que produziu vasta obra em Língua Portuguesa. Regressar a casa significa, para mim, isso. E sim, os textos que escolhi pretendem, quiçá, mostrar alguns fragmentos de um desterro azedo à procura da madrugada....