As Grandes Histórias da Bíblia
“A Bíblia ensina-nos a amar o próximo e também a amar os nossos inimigos provavelmente porque eles são, em geral, as mesmas pessoas”, escreveu o escritor americano Mark Twain (1835- 910).
“Batamos à porta desse belíssimo jardim das Escrituras”, escreveu o monge e teólogo João Damasceno (675-749). “A Bíblia ensina-nos a amar o próximo e também a amar os nossos inimigos provavelmente porque eles são, em geral, as mesmas pessoas”, escreveu o escritor americano Mark Twain (1835- 910).
Jardim da imaginação que explica a formação do universo, da criação narrativa que desenha a psicologia humana e a relação entre os homens, jardim da História, a Bíblia é uma biblioteca inesgotável, e a sua multidisciplinaridade tem sido fonte copiosa de expressões artísticas e de pensamento. Levá-la às crianças é, pois, ir ao encontro de competências essenciais para a formação do intelecto: a libertação do pensamento e, consequentemente, a aquisição da atitude crítica, a qual é, aliás, um direito humano.
Não obstante a profusão de versões infantis, ficamos surpreendidos com o novíssimo «As Grandes Histórias da Bíblia», dirigida a crianças a partir dos oito anos. Com o selo Larousse e editada pela Campo das Letras, a obra vem comprovar o carácter inesgotável dos livros antigos e o invento artístico que incentivam. Espanta-nos a beleza e sofisticação do livro, enquanto objecto, outrossim a convergência do texto com a arte pictórica e erudita das ilustrações de Michelle Daufresne, que usa uma técnica mista com cor aquosa e delicada conjugada com pinceladas de lastro grosso, granulado, colagens, concorrendo para a sensação de relevo, num jogo visual profuso, envolvente e enigmático, predicados que também divisamos na mensagem escrita: na subtileza e sentido oculto das parábolas, na indagação dos segredos dos provérbios, na reflexão sobre o que há de bom e de mau no ser humano.
Alicerce dos cristãos, os textos evidenciam, todavia, a concepção universal do homem e é esse o leitmotiv que importa aqui destacar. Confira-se no extracto de «Jesus Prega na Montanha», Novo Testamento, página 146:
«Não julgueis para não serdes julgados, pois com o juízo com que julgais sereis julgados e com a medida com que medis medir-se-vos-á. Porque é que reparas no argueiro que está no olho do teu irmão? E a trave que está no teu próprio olho, não reparas nela! Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e então verás com clareza para tirar o argueiro do olho do teu irmão.»
São 200 páginas para se lerem e contemplarem com as crianças, no aconchego de uma lareira, no laço da cumplicidade entre gerações. Narram-se 54 episódios do Antigo Testamento e 36 episódios do Novo Testamento seleccionados por Dominique Barrios-Auscher, cada um, que ocupa duas páginas em livro aberto, é antecedido por uma introdução que os contextualiza na narrativa bíblica e no autor. Para que nada falte à viagem da procura do mundo mítico, e da verdade humana.
Os gnomos, a guerra e os laços
«O Pai Natal Vai à Guerra» é um livro ilusionista, na história e nas ilustrações, que nos chega também pela mão da Campo das Letras. Destinado a crianças a partir dos cinco anos, contém todo o sabor do Natal, incluindo o efeito da surpresa tão caro ao argumento da festa natalícia: é que, se o Pai Natal anda, como sempre, ocupadíssimo na organização dos presentes, ele é ajudado na árdua tarefa, não pelos seus assistentes costumeiros, mas por umas amáveis figuras: elfos, que lavam a cara com orvalho e bebem «leite lunar,» e que saltam, inusitadamente, do paganismo da Mitologia Nórdica para o Natal cristão do século XXI.
Porém, a insurreição da talentosa dupla grega de autores (texto de Aryiro Kokoreli e ilustrações de Nicholas Andrikopoulos) não se fica por aqui: o Pai Natal tem presentes para todos, para «crianças inteligentes», para os «menos espertos», para os que têm «brincadeiras violentas» e para os calmos; tem presentes para cães e até «queijo para um rato de estimação»; além destas novidades, o Pai Natal confronta-se com uma situação para a qual tradicionalmente não está habilitado: no regresso das entregas, as renas perdem-se e acabam por ir parar a um local em guerra, onde encontra um menino a chorar que, de presente, lhe pede comida.
Sem ter com ele alimentos, não estando preparado para oferecer aquele presente fora do habitual, o velho amigo das crianças sugere-lhe outros pedidos que possa satisfazer. Com frio, o rapaz acaba por receber o casaco do Pai Natal e um convite para sair daquele lugar com o velho, convite que declina, por, apesar da destruição da guerra, ser ali o local da família e dos amigos, logo, a sua casa. Uma lição de amizade e abnegação, vinda de uma criança que se tatuará, seguramente, na sensibilidade e memória dos pequenos leitores. E não é este o espírito da quadra da fraternidade?
Grandes, expressivas e de cores quentes, com poucas variantes para não haver dispersão na mensagem pictórica, as ilustrações são o complemento do intimismo e o incentivo à viagem que cada um fará dentro de si mesmo.
© Teresa Sá Couto
2 comentários:
Como vê, Teresa, encontrei o seu blogue, e parece-me que agora o reencontro está completo. Gosto das suas sugestões de livros de Natal para crianças. Acho importante uma criança receber cedo um livro “importante”, bem encadernado. Mesmo que não o leia. Escrevo sobre isso num pequeníssimo artigo chamado “O livro de Natal” que espero publicar na segunda-feira, 22. Quero manter este ritmo de publicar às segundas-feiras. Para mais não dá.
O meu contacto com o mundo dos blogues é muito recente. Pouco a pouco comecei a achar a coisa atraente, e resolvi fazer a experiência. Experiência onde ainda ando um pouco às cegas, aos tropeções, mas que me tem divertido. Estou a pôr no ar coisas que de outra maneira punha na gaveta, e riu-me de mim própria quando me vejo aperfeiçoando um texto que se calhar ninguém irá ler. Coisa curiosa, isto da escrita. Um abraço Theresa M.S. de Castello Branco (tcbl@meo.pt e tcbranco.blogspot.com)
Concordo, Teresa!
E sim, isto da escrita é viciante: em cada texto há um mundo de descobertas temáticas, intelectuais e formais, reveladas também na carpintaria da escrita - uma exigência caprichosa pois o mais certo é que ninguém irá ler, mas`conclui-se que nem é isso que importa ;) ;)
Um abraço enorme!
TSC
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