quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Obra poética de Eugénio de Castro

Introdutor do Simbolismo em Portugal – a que se juntariam Guerra Junqueiro, o poeta dos oprimidos, o pungente António Nobre, e o magistral Camilo Pessanha –, Eugénio de Castro esculpiu na poesia finissecular a alma portuguesa, crepuscular, cavada por «bastas dores», melancólica e saudosa: «Cada uma das palavras que vais ler /Com olhos de divina claridade, /Leva-te, meu encanto, uma saudade /Mais triste do que as rolas a gemer».

Coligida e publicada no princípio do século XX, a obra poética de Eugénio de Castro (1869-1944), há muito esgotada, regressa aos escaparates, para ventura da Cultura Portuguesa. Patrocinado pela Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas, e com a chancela da Campo das Letras, o presente Tomo III reúne os quinto e sexto volumes das «Obras Poéticas de Eugénio de Castro», numa reprodução fac-similada, com um «texto sem ruído», segundo Vera Vouga, que dirige a edição.

Defendendo que a literatura portuguesa tem duas notas dominantes, a amorosa e a elegíaca, e que «Portugal parece la pátria de los amores tristes y la de los grandes naufrágios», o escritor e filósofo espanhol Miguel de Unamuno analisa o culto da dor, que, refere, «parece ser uno de los sentimientos más característicos de este melancólico y saüdoso Portugal», encontrando-o, acentuado, na obra de Eugénio de Castro.

Debruçando-se sobre o longo poema «Constança», que aborda a morte da infeliz mulher de D. Pedro I, diz ser esta a sua obra mais profundamente portuguesa, «aquella en que su alma ha conseguido vibrar más al unísono con el alma de su pueblo. Parece como si su mano, al escribirla, se hubiese convertido en el arpa eólica de su pueblo, vibrando al soplo del alma de éste», acrescentando:

«Esta figura de Constanza, que llena el más sentido y el más portugués de los poemas de Castro, parece á ratos un símbolo de Portugal mismo, de ese hermosísimo y desgraciado portugal que desde el dia lúgubre de Alcazarquivir parece vivir vagamente sumergido en ensueños de pasadas grandezas».

Nos subterrâneos da alma

Em reacção contra a objectividade e cientifismo do Realismo, os poetas simbolistas procuram novos instrumentos capazes de exprimir o misterioso mundo do Eu, o inferno subterrâneo do ser humano, a voz da ânsia, da dor, do cansaço, do pessimismo: «De cidade em cidade, alcei-me a serras, /E lá de cima, olhando para baixo, /Só vi angústias, ódios, lutas, guerras.».

Na lírica ou na poesia dramática, Eugénio de Castro fez ecoar essa necessidade intestina, através de uma estética de sugestão de estados de alma, radicada no Símbolo, na Parábola, na Alegoria. Corre assim um soneto incluído no «Depois da Ceifa», livro publicado em 1901:

Em que emprego o meu tempo? Vou e venho,
Sem dar conta de mim nem dos pastores,
Que deixam de cantar os seus amores,
Quando passo e lhes mostro a dor que tenho.

É de tristezas o torrão que amanho,
Amasso o negro pão com dissabores,
Em ribeiros de pranto pesco dores,
E guardo de saudades um rebanho.

Meu coração à doce paz resiste,
E, embora fiqueis crendo que motejo,
Alegre vivo por viver tão triste!

Amor se mostra nesta dor que abrigo:
Quero triste viver, pois vos não vejo,
Nem sequer muito ao longe vos lobrigo.

Nota: Sempre com direcção da professora universitária e investigadora Vera Vouga, a Campo das Letras editou em 2001 o Tomo I das «Obras Poéticas de Eugénio de Castro» e, em 2002, o Tomo II.


Obras Poéticas de Eugénio de Castro; Editorial Campo das Letras, Porto, 2007

© Teresa Sá Couto

3 comentários:

Anónimo disse...

Eu andei na Escola C+S Eugénio de Castro :) mas, que me lembre, nunca me dediquei muito a pesquisar sobre ele (ao contrário do Avelar Brotero, a minha escola secundária).

Hei-de dar uma vista de olhos :)

bjs
hb

ps: Acho que falta um « início da citação do Unamuno.

Teresa disse...

não se compreende por ser quase sempre assim: as Escolas têm patronos só no nome, e descuram qualquer actividade básica nesse sentido.

Que esquecido que anda o Eugénio de Castro!

Nope, a citação do Unamuno tem («); eu é que iniciei o negrito antes, compreendendo a ideia.

Bjos
TSC

Anónimo disse...

realmente.. fui levado ao engano pelo negrito.. mas também é preciso não saber ler para não me aperceber que passo de português para espanhol :)