sexta-feira, 28 de maio de 2010

Espólio de M.S. Lourenço doado à Biblioteca Nacional

O espólio de M. S. Lourenço já nos pertence. O Termo de Doação à Biblioteca Nacional  (BNP) foi concretizado dia 27 de Maio. Falecido no ano passado, M. S. Lourenço lega-nos uma obra de valor incomensurável. O momento é, pois, de alegria. E de comoção.


(clicar na imagem para aumentar)
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Recordo que a Assírio&Alvim editou há pouco o O Caminho dos Pisões, que reúne toda a obra publicada de M. S. Lourenço, sendo ainda fácil de encontrar os livros individuais Nada Brahma e Os Degraus do Parnaso. Ver referências AQUI.

sábado, 22 de maio de 2010

Grande Prémio do Teatro Português SPA/Teatro Aberto para Rui Herbon

Rui Herbon acaba de arrecadar o Grande Prémio do Teatro Português SPA/Teatro Aberto com o texto dramático O Álbum de Família. O Prémio, no valor de cinco mil euros, foi entregue ontem à noite, na SPA, em cerimónia com a presença da Ministra da Cultura. O autor, que no próximo dia 25 de Maio lança o livro A Chave, já tinho sido agraciado nas letras dramatúrgicas, Prémio Maria Matos 2007 de Dramaturgia, com o texto Masoch.

A peça O Álbum de Família será publicada e representada no Teatro Aberto, no próximo ano. Reproduzo a nota de Rui Herbon que acompanha o texto original, com agradecimentos ao autor por ma ter disponibilizado:

Esta obra, não sendo auto-biográfica, é uma tentativa de partir de trás para reconstruir-me, e tentar ajudar os espectadores a reconstruir-se. Saber que o edifício veio totalmente abaixo e, com novos tijolos e cimento, tomar consciência sobre uma nova realidade possível até à qual havemos de viajar.
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O tempo não é recuperável; e o espaço tão-pouco. Quando passamos por um lugar, esse sítio já não volta a ser o mesmo. Cada momento morre em si mesmo, desaparece o momento e o seu espaço. O fluir é um vidro; não deixa nada atrás. Só ficam sensações, fitas magnéticas acumuladas no nosso cérebro que, ao pôr-se em marcha, umas motivam que surjam as outras, bombardeando-nos com milhões de impressões. Numa fita estão gravadas as sensações, noutra as emoções, noutra as memórias, noutra os espaços, noutra os tempos...
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As memórias são como um rio parado, convertido em gelo. A fotografia é a morte da realidade. Quis reflectir nesta obra uma inquietude que tenho desde os meus primeiros anos de vida: a luta entre o que flui e o que permanece, entre o álbum e o comboio... Como nos pesa o que levamos sob o braço, e sob o coração - queiramos ou não -, no nosso projecto de futuro.


*ver outros textos meus sobre Rui Herbon, Aqui

© Teresa Sá Couto

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Novo livro do poeta Torquato da Luz

Conhecido pela simplicidade cristalina da escrita e pelo olhar íntimo e limpo com que ilumina o real, o poeta algarvio Torquato da Luz tem novo livro: Espelho Íntimo será lançado já no próximo dia 26 de Maio, na livraria Barata (Avenida de Roma, 11 A, Lisboa) pelas 19 horas. A apresentação é de João Gonçalves, com leitura de poemas de Inês Ramos.
Deixo um poema deste novo compêndio, com agradecimentos ao poeta de Ofício Diário.
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Ilusão
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Apenas é real o que é sonhado.
A nossa imaginação
é que faz o que vemos e tocamos.
Seja qual for o lado
por que se encare a questão,
só existe o que arrancamos
do fundo do coração.
Tudo o mais em que teimamos
não passa de ilusão.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

não se brinca com facas, José António Barreiros

(texto editado no sítio da Orgia Literária a 11.05.2010)


O homem é «um equilíbrio difícil em dois pés precários», escreveu Vergílio Ferreira, ele que soube como ninguém retratar a tensão insuperável do homem consigo mesmo. Neste trilho ôntico, chega-nos o não se brinca com facas, recente título de José António Barreiros, com a palavra a erigir a vida ao abordar a fragilidade da existência, a solidão, a incompreensão e a interrogação da identidade a acordar a consciência do fracasso.

Estreia no género Romance, não se brinca com facas sucede a Contos do Desaforo, editado pela Presença em 2007, e com o qual, por sua vez, o autor se iniciou na escrita de ficção. Se em ambas as obras reconhecemos a problemática das vivências, o olhar hábil sobre o real e a escrita segura do autor, este novo livro segue, todavia, um programa narratológico distinto. Romance intimista e de forte densidade psicológica, não se brinca com facas assenta a sua intriga dentro das personagens, cabendo à escrita desvelar esse centro fechado, estiolado, ulcerado das existências: Júlia «há muito deixara de usar o relógio» e «os pés encaminhavam-na para o vazio»; Mário pensa-se «repetidamente até ao cansaço»: «Mário estás exausto de ti»; Pedro sente-se velho e «um sentimento de exílio acompanhava-o»; o emprego de Manuela «comprara-lhe a despersonalização para bem atender clientes personalizadamente».

A manusear estas quatro personagens de vidas cruzadas, fundadoras da narrativa, está um narrador engenhoso que se confunde com elas, fala com e sobre elas, assume-se como a voz das suas consciências, confunde-se com o autor e fala com o leitor enleando-o na questionação da condição humana, piscando-lhe o olho, ora subtil, ora declaradamente: «há sempre um livro que faz as vezes, há sempre um livro que conta a nossa história».

E se a história que se conta pretende descascar o porquê, «nem tudo o que é interrogativo tem de encontrar resposta, porque há a curiosidade e o mistério», lê-se para se compreender o método escolhido que origina uma narrativa fragmentária a contar uma história a suceder-se, como a vida, com as suas imprevisíveis erupções.

Na linha dos existencialistas, e logo a abrir, a assunção do homem enquanto um ser possível, sempre em construção, um “ainda não”: na manhã do primeiro dia do ano – porque «há sempre um primeiro dia» – Júlia, que «tinha saudades do que fora, agora que não sabia o que era», enceta uma viagem de comboio de Lisboa a Braga, na busca duma «possibilidade de destino». Distante de si, estranhando-se a si mesma, a personagem reúne os fundamentos da demanda existencial, Leitmotiv desta obra: «O que se faz numa terra estranha quando nós próprios nos estranhamos, desencontrados? Era tempo de viagem, de fuga, de recusar o destino, rir da fatalidade». Todavia, porque o ser humano é memória, Júlia carrega, na sua mala alegórica, vozes, desamor, vergonha, pudor, remorsos e um «ligeiro receio antiquíssimo, medo de lhe pesar nos ombros o fardo do seu futuro», «medo de já não mais se iludir». Ao sentido de inevitabilidade do tempo dissoluto, junta-se a noção do homem enquanto ser responsável pelo seu percurso – e de novo ressuma a visão sartriana da existência –, de se criar a si mesmo, elegendo-se e elegendo os seus possíveis: «há muito que o cinismo lhe dissolvera, ácido, a doçura da crença: nesta hora exacta, o momento zero da responsabilidade própria, sabia que não tinha ninguém», e, noutro passo, «o que fizeste de ti que nem o corpo te sobejou.».

Se o comboio é a metáfora da viagem humana, as janelas, a transparência que o nada representa, exibem o destino emoldurado, o retrato do percurso feito, a sombra tombada da existência no fulgor do vidro, no brilho da escrita. Nas janelas do comboio em movimento, sucedem-se as memórias, vivificam-se os espectros, procura-se o “eu” que surge em manifestações quotidianas; no reflexo das janelas, sonhos confundem-se com realidades, regista-se a angústia perante o nada a que se chega construindo-se um conceito trágico da condição humana. É a existência a segregar o seu próprio nada, pela acção da consciência – ainda na linha do pensamento de Sartre e de Heidegger –, e tudo desembocará nesse nada. As janelas são o elemento simbólico central no cumprimento desta narrativa existencial de José António Barreiros, estão ao longo de toda a obra a suturar falhas, a estabelecer diálogos entre o interior do ser humano e o infinito onde ele se projecta. Da janela da sua casa, Júlia, «rasgada de solidão», observava «os latões do lixo», os quais tivera como única companhia, eles que, como ela, «albergavam memórias de festas», depósitos do «rejeitado» e do «abandonado»; com um salto de uma janela, um «voo cego carregado de desejo de voar», uma prima de Júlia suicidara-se.

«Sou eu, sou eu que me extraio do nada a que aspiro: o ódio à existência, a repulsa pela existência, são outras tantas maneiras de a cumprir, de mergulhar nela» (1), escreveu o autor de La Nausée. «E sei que nesta narrativa me esqueci completamente de ti, Manuela, e da tua história, a história da tua revolta e não tens outra» (p.150), escreve José António Barreiros neste não se brinca com facas, narrativa que transporta em si a revolta de personagens sem lugar, que a palavra escrita acoita.


(1) Sartre, A Náusea, Europa América, 1976


José António Barreiros, Não se brinca com facas, Labirinto de letras, 2009

Ver outros textos sobre livros do autor na etiqueta correspondente.

© Teresa Sá Couto

quarta-feira, 5 de maio de 2010

A Chave, novo livro de Rui Herbon

Prémio Branquinho da Fonseca de Conto Fantástico, 2009, A Chave é o novíssimo título de Rui Herbon a chegar às livrarias no final deste mês.
O lançamento está agendado para o dia 25 de Maio, às 18:30, na Bulhosa de Entrecampos. Será apresentado por mim.
Como sempre, editarei aqui, posteriormente, o texto que servirá de base à apresentação.

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Deus move o jogador que move a peça
Que deus atrás de Deus o ardil começa
De pó e tempo e sonho e agonias?

Jorge Luis Borges


Extracto:

«O livro tinha por título Doze variações sobre a defesa Alekhine e o seu autor era o próprio Michel. A mulher, alta e esbelta, com longos cabelos negros ondulados e uns grandes olhos que às vezes pareciam cinzentos e outras azuis, disse chamar-se Lucrezia. Michel escreveu com rapidez uma dedicatória na primeira página do volume, mas enquanto o fazia, não pôde evitar perguntar-se como era possível que uma mulher tão bela se sentisse interessada por uma obra tão enfadonha quanto a sua.

– Joga xadrez? – perguntou Michel, enquanto lhe devolvia o livro.

– Sou apenas uma amadora – respondeu ela –, contudo, pode dizer-se que o xadrez é a minha vida. – Um estranho sorriso reverberou nos seus lábios. – Ou talvez seja mais correcto afirmar que o xadrez é a vida, não lhe parece? Dois princípios opostos debatendo-se sobre um tabuleiro cósmico: branco contra preto, Ormuzd contra Ariman, Cristo contra Satanás.».



*Ver textos sobre obras de Rui Herbon, bem como uma entrevista, na etiqueta com o seu nome.