Quando passam 35 anos da morte de Pablo Neruda, convoco um dos seus títulos imperdíveis, editado no ano passado em Portugal: As Uvas e o Vento, um compêndio poético de resistência, um documento político e ideológico contra a opressão dos povos, a apologia da luta como razão primordial da existência humana e, por isso, um canto ao amor.
Traduzido pelo nosso imparável Albano Martins, os textos revelam o poeta andarilho que, no vento das palavras, celebra a vindima dos homens. Escritos entre 1950-1953, durante o exílio, em viagem pela Europa e Ásia onde procurou «o melhor dos homens», os poemas são um hino à grande casa humana, à liberdade, sem, todavia, esquecer os que morreram por ela: «Ergamos a taça / pela musa, /pelos que não esquecemos /e pelos que reconstroem, /pelos que caíram /e continuam a viver /em toda a parte, /porque vasto é o mundo /e sempre em toda a parte /caiu o sangue, /o mesmo: /o nosso sangue.». Numa era em que o sentido da globalização cresce em igual proporção ao do individualismo, estes poemas de Neruda mostram que a luta pela fraternidade é a eterna luta do ser humano.
Traduzido pelo nosso imparável Albano Martins, os textos revelam o poeta andarilho que, no vento das palavras, celebra a vindima dos homens. Escritos entre 1950-1953, durante o exílio, em viagem pela Europa e Ásia onde procurou «o melhor dos homens», os poemas são um hino à grande casa humana, à liberdade, sem, todavia, esquecer os que morreram por ela: «Ergamos a taça / pela musa, /pelos que não esquecemos /e pelos que reconstroem, /pelos que caíram /e continuam a viver /em toda a parte, /porque vasto é o mundo /e sempre em toda a parte /caiu o sangue, /o mesmo: /o nosso sangue.». Numa era em que o sentido da globalização cresce em igual proporção ao do individualismo, estes poemas de Neruda mostram que a luta pela fraternidade é a eterna luta do ser humano.
Prémio Nobel da Literatura, em 1971, o escritor chileno Pablo Neruda (1904-1973) – pseudónimo de Ricardo Eliézer Neftali Reyes – escreveu As Uvas e o Vento como crónicas de um viajante que, sequioso, procura o «melhor dos homens», para o cantar. O seu canto é, porém, «uma voz multiplicada que vai cantando», porquanto é constituída pela voz de todos os homens com quem aprende: «pois de que me serviam /a terra, para que se fizeram /o mar e os caminhos, /senão para ir olhando e aprendendo /um pouco de todos os seres.»
Sempre com a alma ancorada na pátria, o poeta fundador do Partido Comunista do Chile escreve a grande e emocionada caminhada pela China, Vietname, Checoslováquia, Polónia, Albânia, Espanha, Rússia, Grécia, Itália, Inglaterra, Hungria, França, e até Portugal. De todos os locais regista paisagens, ambientes, cheiros, cores, sons, faz quadros humanos plenos de densidade engajados numa poesia épica pela intenção com que projecta e medita a condição humana. Se o canto celebra a vitória dos oprimidos, recorda que há que erguer-se a taça também para guardar o sangue dos que na luta se esvaíram:
«A luta não é a água /é o sangue. /Vem de longe. / Há mortos: /os nossos irmãos caídos. /O caminho está cheio de mortos /que não esqueceremos. /E a aldeia /não é simples, /o ar não é simples, /traz palavras, /traz canções, /traz rostos, /traz dias passados, /traz cárceres, / traz muros /salpicados de sangue /e agora /doce é a aldeia, /doce é a vitória.».
Assim, fazer vinho é uma arte que requer boas uvas, e transformar as uvas em vinho não é uma arte divina, mas sim humana. Antes do bom vinho há todo o tempo das leveduras, da respiração, de dádivas, de sacrifícios, de amor. Desfazendo estas com outras metáforas, escreve Neruda:
«Como é fácil quando se alcançou /a felicidade, como tudo/ é simples. /Quando tu e eu, meu amor, nos beijamos, /como é simples ser feliz. /Tu esqueces, porém, /quanto tempo estiveste /sem me encontrar /e quantas vezes /te desviaste /até cair de cansaço. /E certamente /tu não sabias /que eu andava à tua procura /e que o meu coração se ia desviando /para a amargura /ou para o vazio. /Não sabíamos /que se seguíssemos em frente, em frente, /a direito, a direito, /sempre, sempre, /tu me encontrarias /e eu te encontraria. /Vês, assim acontece /aos povos: /não sabem, /não compreendem, /podem enganar-se, /mas seguem sempre /e encontram-se, /encontram-se a si mesmos, /como tu me encontraste, /e então /tudo parece simples, /mas não foi simples /andar às cegas.».
Portugal, «a cítara esquecida»
Testemunha que visita todas as moradas, o errante Neruda olha o Portugal oprimido atrás das janelas dos lares silenciosos, o país que se espraia na ignomínia no Tarrafal, a terra do «tempestuoso cheiro de vinhedos», da «cítara esquecida» que Camões deixou, e lança o apelo da luz:
«Mostra-nos o teu tesouro /os teus homens, as tuas mulheres. /Não escondas mais o rosto /de ousada embarcação /posta nas guardas avançadas do Oceano. /Portugal, navegante, /descobridor de ilhas, /inventor de pimentas, /descobre o homem novo, /as ilhas assombradas, /descobre o arquipélago no tempo. /…/Rompe, /as teias de aranha /que cobrem o teu fragrante arvoredo, /e, e mostra-nos então, /a nós, os filhos de teus filhos, /aqueles para os quais /descobriste a areia /até então obscura /da geografia deslumbrante, /mostra-nos que tu podes /atravessar outra vez /o mar escuro /e descobrir o homem que nasceu /mas maiores ilhas da terra. /Navega, Portugal, chegou /a hora, levanta /a tua estatura de proa /e entre as ilhas e os homens volta /a ser caminho. /Reúne hoje /a tua luz, volta a ser lâmpada: /aprenderás de novo a ser estrela.».
As Uvas e o Vento, Pablo Neruda, Campo das Letras, Porto, Abril 2007
Nota: As Uvas e o Vento é o sexto título de Pablo Neruda traduzido pelo poeta Albano Martins para a Campo das Letras. A editora do Porto lançou, ainda no ano passado, Terceira Residência, pouco depois deste As Uvas e o Vento, e tem a chancela de Os Versos do Capitão (1996), Canto Geral (1998), Cem Sonetos de Amor (2004) e Cadernos de Temuco (2004).
© Teresa Sá Couto