sexta-feira, 31 de julho de 2009

«O Romper das Ondas» de Rui Herbon

Texto editado no site Orgia Literária em 27 de Julho

A literatura contamina? Quantos dos nossos sentimentos serão uma invenção da escrita? Teremos nós originalidade para criar sentimentos próprios que não estejam escritos? O Romper das Ondas, o quarto e mais recente romance de Rui Herbon, que deu ao seu autor o Prémio Cidade de Almada, impele-nos a estas reflexões e ao questionamento do papel da actual literatura.

Num puzzle de inquietações, contra todos os comodismos literários e todos os lugares comuns, o texto mostra-nos como é necessário romper as ondas para lhes conhecer o interior, o mesmo é dizer, abri-las no silêncio estrídulo da página: «não há nada mais envilecido que a violência do silêncio», lê-se neste compêndio de indagação, que desbrava corredores escusos e sombrios do ser humano enquanto retrata uma geração citadina de «destino particular e europeu» e marcada pelas impossibilidades.

A abrir, uma música de fundo: «o adágio de Albinoni era zumbido entre obstinado e tranquilizador», contudo, «atrás da cortina monumental daquelas notas havia um sonoro interruptor de luz; um receio?». E o coração do receio fala pela voz duma jovem mulher, cujo nome só é referido, como que por acaso, no final do romance, facto nada isento, porquanto carrega a questão da procura da identidade. É uma mulher que chega a uma grande cidade, com um livro na bagagem, à espera do seu destino literário ou uma mulher que procura o «esplendor de uma voz». A música (inserida no vasto sistema de sons onde abundam rumores e ecos), a mulher e o livro são os três pilares que sustêm a complexa teia narrativa tecida com depuração e poesia.

A mulher sonha em cinemascope, e é assim que o texto avança, com o ritmo do pensamento das personagens achatado nas páginas, em fragmentos plenos de visualismo, com olhar sempre oblíquo, de dedução em dedução, pois «nada é exactamente o que parece ser», como no romance que a mulher traz na bagagem – o romance dentro do romance e ambos se contaminam –, onde «tudo ia e vinha, subia e descia, como a água, embaciando até o mais insignificante impulso para forjar um objecto conciso». Trata-se de um método que cria afecções, micro-desordens no que na vida temos por rotineiro, que age sobre objectos, acontecimentos, personagens, gestos, sentimentos, desestruturando “tudo” em «momentos que se dilatam, outros comprimem-se, outros suspendem-se».

Assim surge o crítico que vai analisar o romance da jovem mulher, e ambos protagonizam uma história de amor, um «vínculo fundado no respeito dos silêncios»: «Ele e eu, certamente, éramos como duas intrigas que guardávamos com cuidado de qualquer possível revelação», diz a mulher; a outra história de amor é a de um professor e a sua mulher, personagens chamadas ao romance, entre muitas outras com aparições mais ou menos fortuitas, como uma mulher com uma cabeça de medusa, um bêbado com ar de «soldado galhardo para produzir um arroto colossal», um estudante, mas todas a enformar a tese sobre «gente apanhada entre o cimento e a noite».

Em diálogo com o labiríntico da existência dos obstruídos, surgem os espaços, como o hotel com «tantas portas quantos os alvéolos de uma colmeia», uma espécie de réplica das casas da cidade: «pequenos conventos, pequenos cárceres»; surge o tempo, caótico, que às vezes confirma e outras desqualifica, entre recordações e avaliações, como a alcatifa vermelho berrante do hotel, «fiapos de um passado vermelho», a compendiar sensações nefastas e a reconsiderar a ausência de esperança; surge o perturbante quadro surrealista, com um sonho batido pelo uivo do vento e uma sineta, onde se juntam ratazanas, sangue e cinzas, vivos e mortos «confundidos no delírio da salvação»; surgem as linhas de força dos dois romances: «frustração, derrota e desprezo».

Noção de Voz e de Testemunha

«Você encontrava-se ali», «você mesma», diz o texto implicando o leitor na voz narrativa, levando-o a vestir a pele da mulher que o narra, sentindo-lhe os pés «intumescidos» pelo palmilhar da cidade, a Babel perfeita «para pessoas sem raízes ou enjoadas da ficção absurda da identidade», confirmando-lhe as «têmporas ardentes» de quem estudou para uma carreira inútil, atestando-lhe até a Anedonia, doença «cujos sintomas são a infelicidade e não encontrar prazer nas coisas que outros desfrutam». Com o fenómeno de linguagem que cria a ambiguidade da voz narrativa, Rui Herbon compromete, com mestria, o leitor enquanto testemunha da dimensão opaca da vida, permite-lhe transformar a sua própria experiência, a partir da experiência verbal do texto, pensar a solidão existencial através do seu reconhecimento. «Compreender, em definitivo, é render uma homenagem de entrega», lê-se sobre a verosimilhança do relato deste romance que se ajusta «às referências da época» e, como no romance da mulher, «abundam as metáforas», o discurso é «marcadamente nietzcheano» e, acrescento, dostoievskiano.

Com efeito, se o jogo dostoievskiano é um ritual de prazer e sobrevivência que apresenta à razão do homem outras razões alternativas que, confrontado com elas, não as pode ignorar, em O Romper das Ondas o leitor observa as personagens vertidas num qualquer jogo de cartas, mais ou menos clandestino, na roleta de um casino ou na da vida, projectando-se, também ele, na sua condição de jogador, não como forma de se alhear do real, mas de se ligar ao real, tentando inventar o jogo dos outros e reinventar-se. A metáfora do jogo entronca na própria construção da obra literária, com este O Romper das Ondas a lançar a reflexão sobre a procura do cânone e a fazer o leitor testemunha de todo o processo: o romance que a mulher escreve está «cheio de subentendidos», é «falso como uma pérola fabricada pelo homem», e há que fazer uma sinopse para agradar aos leitores e à crítica.

Na terceira, e última, parte, volta-se ao início, volta a ouvir-se o adágio, a mulher está novamente só, com o romance «perpetuamente inacabado», com o «futuro em branco», à espera de «um esplendor incerto» que ponha outra vez a sua vida em jogo: é a espiral do tempo que se «cinge cada vez mais ao centro», um vicioso e irremediável centro de inquietação.


O Romper das Ondas, Rui Herbon; Parceria A.M. Pereira, Lisboa, 2009

Nota: Livros de Rui Herbon: Voar como os Pássaros, Chorar como as Nuvens (Um Filme Português), Prémio Eixo-Atlântico de Narrativa Galega e Portuguesa 2002; Absinto (A Inútil Deambulação da Escrita), Prémio António Paulouro 2004, da cidade Fundão; Os Girassóis.

Não editados, mas premiados, Rui Herbon tem: Eterno Retorno, Prémio Afonso Lopes Vieira 2005, da cidade de Leiria, Prémio Orlando Gonçalves 2005, da Amadora e Menção Honrosa no Prémio Alves Redol 2005, de Vila Franca de Xira; A Preto e Branco, livro de contos, Prémio Nacional de Literatura Lions de Portugal 2007; Masoch, Prémio Maria Matos 2007 de Dramaturgia.

© Teresa Sá Couto


páginas de Rui Herbon:

Rui Herbon

A Escada de Penrose

terça-feira, 28 de julho de 2009

«Pessoas, Animais e Outros que Tais»

A arte de contar histórias

Um narrador que fala com o leitor, um cão companheiro de jornada do narrador com faro infalível para detectar feitios e personalidades, e treze histórias entrecruzadas, é a proposta do livro Pessoas, Animais e Outros que Tais – Narrações do Dr. Domingos Pintado assinado por Pedro Baptista, um exímio contador de histórias.

Não há sossego nesta leitura. No centro irradiador da narrativa está uma loja de velharias, frequentada pelos clientes habitués que dão origem a estórias com outras estórias engatilhadas que a escrita encaixa a um ritmo vertiginoso. Com subtileza, o reino animal é convocado, criativa e inusitadamente, para se construírem as personagens no desfile de títeres da existência, para se destruírem apatias na leitura. São 163 páginas farejadas pelo cão Púchkin, onde até surge uma história de amor entre um burro e um ardina, além da história do fascínio entre o leitor e a leitura.

O narrador Domingos Pintado é um reformado acabado de chegar aos sessenta anos, antiquário e alfarrabista, estabelecido no Porto, na travessa de Cedofeita, «quase a chegar ao largo chamado de Alberto Pimentel, onde acabam as Oliveiras e Mártires da Liberdade começa». A sua loja cheia de «cangalhada» expõe, além de velharias literárias, todo o tipo de objectos, a «panóplia das coisas do mundo». Por isso, nela exalam os cheiros do tempo e vibram os sons que compõem enredos. Fiel companheiro do leitor, este narrador transmite-lhe todas as ambiências, todos os humores além de, com mestria, o levar para dentro das narrativas para o fazer participante no julgamento das personagens e do próprio narrador.

Dado a degustações, o singular narrador almoça frequentemente no Buraco, na rua Bulhão Pato, carapauzinhos de escabeche, onde a «conta era feita a olho e sempre igual», «puxava por um cafezito no Majestic ou no Ateneu, em seguida um salto à Latina, quando não à Bertrand e à Leitura, a ver as novidades ou, melhor, «a ver se havia novidade». Com ele, ou melhor, connosco – narrador e leitor –, o inseparável cão Púchkin «que não só era como uma pessoa, era mesmo uma pessoa. Não humana, mas pessoa», um grande psicólogo. Mesmo antes de nós – narrador e leitor –, o canídeo topou logo o Pimenta, personagem que percorre as narrativas que, todavia, podem também ser lidas autonomamente, como se de contos se tratassem.

Aristides Pimenta é um «autêntico mito» de partidas cruéis e humilhantes, pelo que o desejo de se lhe dar «uma ensinadela assomava cada vez mais a mente de todos» até que um dia o rapaz de uma estalagem pincelou «toda a pelugem dos interiores nasais do Pimentola» com o «material mais prosaico da vida animal…estrabo, bolisco, bestoiro, com sua licença, era mesmo merda» e é ver o altivo Pimenta no descontrolo da loucura. Figura esquálida, nariz afilado e «meia dúzia de pelos semeados a despropósito no centro da cabeça», aparecia umas vezes para companhia «que uma pessoa precisa numa hora deprimida, outras o inverso a estragar o dia que até tinha começado por sorrir, outras nem uma coisa nem outra, um chato de adormecer». O cão rosnava-lhe, presenteando-o com o «melhor dos seus sorrisos», mostrando a «dentuça escancarada a rosnar apaixonado»: «com efeito, o Pimenta era daqueles capazes de fazer uma patifaria a um cão, por causa da similitude de alguns sentimentos que com eles partilhava e não eram os que mais enalteciam a nobreza dos canídeos. O Pimenta entrara em derrapagem, numa depressão acelerada, agravada pela patologia do corno: «a mulher, muito mais jovem, desarvorou e, ao que se rosna, foi aquecer a cama dum actor», a do Marques, a quem o Pimenta antes pregara uma partida.
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Ao invés do Pimenta, o clarividente Púchkin aprovara o Senhor Mello, e sempre que o homem se anunciava na loja, o cão latia de forma reiterada, «reclamando pressa na abertura da porta». É o Mello que conta emocionado a história do ardina, do jumento e da couve, uma história de idílio, «da terna ligação entre o humano e asinino»: o animal que, habituado à couve que o ardina lhe dava todos os dias de manhã na esquina onde trabalhava, falecido o ardina, matou-se à fome, recusando-se a comer fosse o que fosse. Classicista que não gosta de se expor, mas o narrador fá-lo por ele, o Mello é outra das personagens que a narrativa detém, dentre o arco-íris de personagens que nela pouco se demoram – entram e saem ao sabor da excelsa divagação – mas que tatuam a grande história deste livro.

«Como considerava a entrada das personagens na cena da loja ou a sua simples passagem à frente da montra de uma grande riqueza, digamos… temática, comecei a orientar as notas do meu caderno anual para a produção destas histórias, que a leitora ou o leitor estão a ter a paciência de seguir. É a primeira colectânea mas, se a coisa correr, haverá mais no armazém», lê-se na página 90.

Cabe-me dizer ao Dr. Domingos Pintado que esperamos com mal disfarçada impaciência um novo tomo das suas histórias «recolhidas na loja e registadas nos canhenhos». Culpa dele por nos ter deixado adictos destas viagens. Exigência nossa no reencontro com a escrita arejada, elegante e inesgotável.


Pessoas, Animais e Outros que Tais – Narrações do Dr. Domingos Pintado, Pedro Baptista; editorial Campo das Letras; Porto 2006


© Teresa Sá Couto

domingo, 26 de julho de 2009

Os caminhos-de-ferro na Literatura

Viagem ao fundo da nostalgia

Muitos guardarão, como eu, uma memória de infância, funda e nostálgica, das antigas Estações de caminhos-de-ferro rurais, locais de embarque para grandes viagens. A graciosidade dos edifícios, jóias na paisagem silenciosa onde se vigiava o silvar do comboio, o interior com as madeiras enceradas e os cheiros desse zelo misturado com o adocicado de óleos da maquinaria, as paredes alvas decoradas com narrativas contadas a azul e branco dos azulejos, num festim de sentidos. Mas esses cais de memória romântica fazem emergir a revolta, igualmente funda, por termos assistido, impotentes, à decadência e ruína das estações. E aqueloutro canto do comboio fica guardado na eternidade da memória.

O livro «Carris de Papel – o caminho-de-ferro na literatura portuguesa» desata-nos muitas questões e é com aplausos que o acolhemos. Organizado soberanamente por Albert Von Brun, nele coligem-se 21 textos em prosa e 6 em verso, de autores como Fernando Pessoa, Fialho de Almeida, Vergílio Ferreira, Agustina Bessa-Luís, entre muitos outros, e que atestam o fascínio pelo monstro de metal.

Na introdução, Albert Von Brun traça brevemente a história da ferrovia em Portugal, e sua contextualização europeia, o sonho concretizado por Fontes Pereira de Melo, as polémicas que suscitou, os «interesses que agregou», os «ódios que ateou», comprovando-nos isso na recolha de textos. Presença forte na literatura portuguesa, através da recriação ficcional dos caminhos-de-ferro, seguimos parte da História de Portugal, politica, social, económica, cultural e psicológica.

Portugal de comboio…

Em quadras de gosto popular, Fernando Pessoa atesta a cumplicidade e o convívio proporcionada pelos comboios:
No comboio descendente /Vinha tudo à gargalhada /Uns por verem rir os outros /E os outros sem ser por nada.

Também José Viale Moutinho atesta a alegria e o carácter democrático do comboio, procurado por todos os extractos sociais. Por outro lado, reagindo à modernidade, Guerra Junqueiro benzia poeticamente uma locomotiva, com a sátira sagaz que lhe era própria, com vastas implicações no estado da nação:
Viajo no comboio do douro /pelo natal de tanta gente /entre malas e palavras /…/atrasa-se o caminho que /entre transbordos e vocábu /los cruzados se narra cada /vida em folhetim e sandes /de chouriço presunto vinho.

Num texto para crianças, José Jorge Letria conta a história de um velho comboio que partilhou muitas vidas e tem um grande coração. Um toque de fascínio que chega também aos mais pequenos que partilham o deslumbre pela grande e mágica máquina:
Talvez eu devesse, caso queiram dar-me nome, chamar-me «Muita Terra», porque esse sim, corresponde à realidade que foi a minha vida.

As maldições de Vulcano

Albert Von Brun refere-se à exploração que a literatura faz do lado sinistro do caminho-de-ferro, «feito de desterros, mortes e misérias», com o comboio a surgir com a metáfora do «monstro de ferro», produzido «na forja de Vulcano» que é, «ao mesmo tempo, o deus do fogo, do desejo, do delito e da fatalidade.». Para isso, o organizador desta antologia, recupera Fialho de Almeida, mestre da escrita visual e crua, com o texto «O filho» – de «O País das Uvas». Nele conta-se que na Beira, na estação da Pampilhosa, uma mãe espera o comboio de Lisboa que traria o filho vindo do Brasil, sem saber que ele morrera no mar, durante a viagem:

- O seu José, tia Rosa, o seu José…morreu na viagem.
Nem um grito de espanto, um queixume, uma lágrima, nem sequer um um último suspiro. Aconchega mais o xaile sobre os ombros, baixa a cabeça trémula e gelada, e pequenina, acocorando-se mais por entre o tumulto daquela gente alegre, ei-la caminha a cambalear como uma bêbeda. (…) ela não sente, ela não ouve, avança! avança! E a máquina chama-a a si subitamente, dá-lhe um encontrão pra dentro do caminho, enovelou-a bem nas saias da viúva, e sem trepidar fá-la num bolo, passa-lhe por cima, e continua a correr à desfilada.
Viu-se um dos pés da mulher escrever na terra o quer que fosse, protesto, suplica, epitáfio… e ao outro dia, quando os trabalhadores foram levar o corpo ao cemitério, o cura da Pampilhosa recusou-se a enterrá-la em sagrado, sob o pretexto de a velha ter morrido sem confissão!

Também Vergílio Ferreira, em «Manhã Submersa», num texto com características autobiográficas, associa ao comboio que o levou para o seminário do Fundão a dor de ter sido «espoliado abruptamente» da sua infância. Com o ponto da angústia na estação da Castanheira, o cais para o abandono, traça um percurso lancinante pelas estações da Guarda, Covilhã até à chegada à estação da Torre Branca:

E, bruscamente, entre dois grandes penhascos, o comboio rompeu enfim com um rancor subterrâneo, alucinado de ferros e fumarada. E tive medo. Pela primeira vez estremeci de medo até aos limites da vida, não tanto, porém, da fúria do comboio, como dessa coisa insondável e enorme, tão grande para mim, que era partir.

Progresso ou megalomania?

Atrasado, o Portugal de oitocentos reagia em partidos contrários, à implementação do comboio no país. Um artigo de Alexandre Herculano – O caminho-de-ferro e a nacionalidade – polemiza o programa de obras públicas do fontismo, que nos faz lembrar as actuais polémicas sobre o TGV trazidas quotidianamente à berlinda entre defensores e oponentes.

Dissestes que combatíamos a feitura dos caminhos-de-ferro; que combatíamos em especial os que devem ligar-nos com a Espanha; e que condenávamos todos pelos benefícios que para a nossa civilização daí hão-de resultar. (…)Os caminhos e ferro, facto impreterível (e ainda bem que o é) da civilização moderna, devem produzir incalculáveis benefícios para o país; mas por isso mesmo que importam uma revolução , que são um remédio salvador, um remédio heróico, trazem consigo o perigo de um dano também imenso. Apontar ao poder esse perigo: perguntar-lhe, não em nosso nome, mas em nome da pátria, quais são os meios para obviar a ele, é ou não um dever e um direito daqueles que estão convencidos da existência desse perigo? (…)este medicamento cura o estômago e arruína o fígado; o meu intuito é curar o estômago; o fígado que se arranje como puder?

Carris de Papel – O caminho-de-ferro na literatura portuguesa, organização de Albert Von Brun; Editorial Caminho, Lisboa, Maio 2006

© Teresa Sá Couto

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Pintar a imensidão humana

O Deserto pintado existe de facto no mapa-múndi: é uma pequena zona do Sudoeste Americano, a 36º de latitude norte e 111º de longitude oeste, refere a escritora e pintora Isabel Cristina Pires na badana do seu livro de poesia «Deserto Pintado». Todavia, esta poética pintura tem, noutra combinação da longitude com a latitude, um outro lugar mais perto de cada um de nós e mais vasto: a imensidão interior do ser humano.

Recorrente na poética da autora, na exacta latitude surge o azul, cor que sintetiza a condição humana e o mistério original da criação: Porque deus é azul, /a Terra é uma esfera comovente. /Porque deus é azul, /a alma dos bichos voa em arco-íris. /Porque deus é azul /as árvores abraçam o olhar. /Porque deus é azul /há azuis que nunca entenderemos. /Porque deus é azul /existe o mar.
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Nascida em Pampilhosa, a 20 de Agosto de 1953, Isabel Cristina Pires é licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Coimbra e Chefe de Serviço de Psiquiatria do Hospital Psiquiátrico do Lorvão. Desde 1987 que edita prosa e poesia com a chancela da Editorial Caminho. Interessada pela pintura, e autodidacta, faz trabalhos em acrílico sobre tela. Também na poesia, palavras e tintas carregadas de enigmas confundem-se, numa dança e convergência, e «Tela a tela se vai o corpo abrindo /à descoberta da cor.».
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O chamamento primordial
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Num exercício místico, a Natureza e a Alma seguem juntas, uma adquirindo propriedades da outra, revelando-se mutuamente. Feitas cordas umbilicais que nos ligam ao nosso início, as palavras declaram esse mistério:
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A túlipa do mundo desabrocha /feita de todas as palavras, do plasma macio /dos sentidos, da carne imediata de saber /que há nas coisas um coração radiante: esse algo /que nos avisa do abismo e emite /o azul do céu na exacta latitude. E queima /com as incertas incertezas que há no meio das árvores. / As palavras gelam o mistério, retiram-no /do musgo sombrio onde vegeta e vestem-no /de sons e de quase música.
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Desta forma surge o espaço, a textura, a cor e o som do Arizona – o silêncio das pedras, «um urro de absoluto ser» –, Canyon de Wild River, a montanha de Shiprock, Canyon de Chelly, o céu laranja de Monument Valley, o castanho-violeta da manhã, o ocre da terra, «a terra aberta pelo calor», a Lua na noite de Albuquerque, o infinito do planalto, a altura do céu e a entrega primordial: O tempo condensou-se /à minha volta, parei de respirar: /o antigo mar quer-me para si.
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Fecundidade e aridez, vida e morte
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A palavra é apresentada ora como matéria bruta ora lapidada em literatura, como que a mostrar que há paisagens áridas, mas também fecundas, que há vida e morte: se nalguns poemas a palavra surge emaranhada num exercício cultista – a palavra pela palavra em detrimento da significação do corpus do poema – noutros há que ela invade a brancura do papel para explodir no máximo do conceito criando imagens arrebatadoras. É, evidentemente, destes poemas que bebemos um lirismo quase místico que, também, espreita o segredo que poderá haver para lá da morte, ficando claro que o caminho se processa no retorno ou devolução à natureza:
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(...)O que se esconde atrás da lua? Quanta /ausência de amor é necessária /para que a vida desista e vá embora? /Pode-se morrer com uma corda, /com o futuro que se solta do veneno; /eu escondo-me debaixo do viver. /Há pouco andava pela cidade /sem entender um único sentido. /Eu estava morta? Viva? O que era isso? /Eu respirava e tudo era perdido.

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Estou neste lodo de amar quem me não ama /Como se passa para o outro lado da armadilha? /Como morre o amor a sua morte? /Quem pára a fábrica de oiro das estrelas?

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(…)A noite virá feita de escuro, /e rápida por dentro. Não sei /se é mundo o que está para além do mundo, /e o que se esconde na poalha das estrelas. /Quero ver azul quando morrer /no silêncio que há-de ser o meu. /Enquanto escrevo, morro assim feita de areia: /grão a grão, o tempo esculpe a estátua /de um corpo sem caminho.


Deserto Pintado, Isabel cristina Pires; editorial Caminho, Lisboa, Junho 2007

© Teresa Sá Couto

sábado, 18 de julho de 2009

Grande Prémio de Poesia para Armando Silva Carvalho

O poeta e ficcionista Armando Silva Carvalho venceu por unanimidade o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores/CTT- 2008, com a colectânea poética O Amante Japonês, editado pela Assírio & Alvim.

O prémio, que foi anunciado no passado dia 7 de Julho, é um merecido galardão para o autor, um dos nomes mais originais e carismáticos da poesia portuguesa, à qual se dedica há mais de quarenta anos.

Partindo duma referência prosaica – o amante japonês é um carro de «origem japonesa» -, Armando Silva Carvalho produz um discurso metafórico sobre a escrita, celebrando-a como triunfo da máquina, exaltando-lhe a energia, a velocidade e a força mecânica até ao paroxismo, num excesso violento de sensações construído com recurso à ironia e sarcasmo, a fazer lembrar-nos Álvaro de Campos.

Além deste O Amante Japonês, a Assírio & Alvim tem editados outros títulos individuais do autor, em poesia e prosa, além do magnífico «O que foi passado a Limpo», título que reúne poesia de 1965 a 2005, editado no ano 2007.
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Dois Poemas:
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Já não vejo o som mas só a lama
E acelero.

Quero atravessar este país depressa
Antes da morte.

Já não oiço a luz mas só o sono
E travo

Contigo, com os teus freios cansados
E as tuas jantes tortas.

Sigo esta pista de silêncio
E arrabalde de velhos.

Arrastamos connosco a história cega
E acrobata deste tempo.

Chamo a tudo isto uma gincana
Nas traseiras da Europa

Já não viajamos, vamos em ponto morto
E a meta é ali

Desperta
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in O Amante Japonês, p.36
***

Soneto panorâmico

Do alto deste hotel de cinco estrelas
Lisboa não morreu. Nesta revista
até se fala em novas caravelas
e pra tamanho ardor tão curta a vista.

Dum lado o rio do outro o cimenteiro
nas suas sete quintas da marinha
em cima o céu de barro do barbeiro
em baixo o sol a fazer farinha.

Nos silos da mais sábia segurança
boémia estouvanada e bem ligeira
os anjos dão as mãos na contradança

da seringa mais nobre e derradeira
que existe a refulgir na lua mansa
à esquina onde se dorme a noite inteira.

in O Que Foi Passado a Limpo, Assirio & Alvim, 2007, p.451

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Grande Prémio para Julieta Monginho

Julieta Monginho recebeu, no passado dia 14 de Julho, o Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLB – 2008 pelo seu romance A Terceira Mãe, publicado pela Campo das Letras. Ver AQUI declarações do júri.

Como o título indicia, o romance é um hino ao feminino vertido na história de três gerações de mulheres e mães da mesma família. Com escrita robusta e domínio narrativo, a viagem por três tempos – do salazarismo, passando pela efervescência pós 25 de Abril até à actualidade – é obrigatoriamente um percurso de questionamento sobre a condição da mulher no seu duplo papel, familiar e social.

Construída com a visão de uma das mulheres, Rosalina, a narrativa vibra prenhe de intimismo e cumplicidades: no sonho e na solidão, no amor e na sexualidade, nos afectos, tensões, submissões, lutas, forças e cansaços.

Extracto:

«A boca da menina mordiscava o chocolate quente e a seguir a mãe cheirava-lhe o corpo todo: a boca, o pescoço, atrás das orelhas, a penugem que herdara a espessura do cabelo dela. Cheirava-a e mordia-a toda, sem dentes. Foi assim que a menina aprendeu a definir amor: cheiro e mordedura.
Nem com a janela fechada. O aroma, não da casa mas do pequeno polígono onde mãe e filha, rosas e chocolate, se entreteciam num tear, estava destinado a atrair a atenção e a inveja do bairro. Ninguém o suportava. Na padaria as mulheres cochichavam, para se distraírem da comparação. Ao passar pela sociedade recreativa, mesmo que atravessasse a rua, os homens suspendiam os dedos nas peças do dominó e nas cascas dos caracóis. Removiam-lhe o corpo do sítio onde pairava para o sítio viscoso deles e cuspiam-lhe na alma.
Não se queixava. Empurrava o êmbolo do fogão a petróleo para atiçar o lume, a ver se os feijões coziam mais depressa para poder voltar para a casinha de chocolate, o polígono, a clandestinidade de um nome – Filomena – dividido em sílabas, cada sílaba uma conta do rosário. Quando ele chegasse esconderia tudo, menos o sorriso. Tudo escondido na gaveta onde as asas se acumulavam à espera de aragem. Quando o Vítor chegasse, empunhando uma bandeira e um pacote de bolacha maria, nem o mais pequeno vestígio de Floresta Encontrada. Até à noite em que ela se atrevesse a entreabrir-lhe a porta no tronco da árvore, propondo-lhe um pacto
- a cruz e o martelo.
Porém, antes que essa noite fosse tempo, muitas outras haviam de contar-se. «Vamos para a greve, Lina, prepara-te para o pior.». p.p. 80,81

O «Portugalório» de Antero de Quental

Atenção a este título, que tem uma surpresa no seu interior ou não tivesse na fronte o nome Antero de Quental, o líder da Geração de 70, seu mestre, mentor e inspirador. Não se trata de poesia anteriana, mas de prosa de intervenção, irónica e sarcástica. São publicadas, pela primeira vez em livro, correspondências do “Bacharel José”, pseudónimo da ínclita personalidade, que as escreveu entre 1864 e 1865 no jornal “O Século XIX”, de Penafiel.

A Coimbra dos estudantes é vista pela lupa da irreverência, do inconformismo, do humor que desnuda, manuseada pelo “apostolado social” de quem teve o sonho revolucionário de modernizar Portugal. O mesmo que, do alto dos seus vinte anos e do Penedo da Saudade, desabafava premonitoriamente : «É duvidoso se haverá prosperidade para este deplorável Portugalório».

Atestam-se ufanos tempos de estudo, com Antero desabrido: «Um correspondente que deixa escapar aos bicos da pena os acontecimentos mais graúdos, perdendo assim a ocasião de abrir a boca ao leitor com as duas pontas dum dilema bem formado, produto da sua lógica impenetrável, comete decerto um pecado tão grave que não sei de água benta que o possa ungir e absolver. Excomungado! Eu?!... Paciência – entre o anátema e a forca não há que hesitar.».

Com recolha, prefácio e notas de Ana Maria Almeida Martins, o livro «Antero de Quental – O Bacharel José», reúne correspondências que ficaram de fora de anteriores edições, como as do volume de “Prosas I” e do segundo volume de “Subsídios”.

O estado do ensino superior e educação em geral…

Autor do “Manifesto dos Estudantes da Universidade de Coimbra à Opinião Ilustrada do País”, Antero (1842-1891) apresenta-nos nestas crónicas uma observação cortante sobre a Educação, e ao mesmo tempo esclarecedora do seu pseudónimo irónico:

«Toda aquela escolástica é sumamente recreativa; é, sem a menor dúvida, a primeira máquina de fazer imbecis ilustrados que existe no país. A imbecilidade palavrosa e pretensiosa, que hoje domina em Portugal, e os estabelecimentos de instrução dita superior são coisas correlativas e que se explicam uma pela outra. Nação de bacharéis que pode fazer senão bacharelar?».

Segundo Antero, a incultura é generalizada, apanágio do próprio povo, sobre a qual lançava, como dizia dele Eça de Queirós, «o seu assobio malicioso» que «nele andava sempre ao lado da acção»:

A religião é o anjo, que este povo instintivamente abraça, como símbolo da vida. (…) Pena é que o anjo não tenha asas que o possam levar ao céu! (…) Para que a religião nos pudesse salvar, era preciso que fosse o que devera ser; e que mão inimiga tem desvirtuado, fazendo dela um partido político ou corrilho de interesses. Ainda assim a religião é como dissemos a única estrela que brilha para o povo nas trevas da dissolução social. O povo não tem escolas, não sabe ler, pede o pão do espírito e respondem-lhe: “Outro dia será, irmãozinho!” Tirem-lhe agora a religião e toda essa gente morre desesperada.

Eram visíveis as preocupações de Antero que se assume, desde esses verdes anos, como a consciência de uma época e da necessidade de renovar as mentalidades preparando-as para um novo século. Líder ideológico do grupo da Geração de 70, com Ramalho Ortigão, Teófilo Braga, Eça e Guerra Junqueiro, teve grande implementação no meio universitário, influenciando nos gostos e interesses todos os que com ele conviveram.

Quando o progresso invade o provincianismo A mudança pretendida para o país estendia-se, também, ao domínio social e económico. O bacharel José mostra-nos nas suas crónicas a resistência dos portugueses à mudança ou a sua não consonância. A criação da Linha-férrea suscita-nos episódios e observações entre o cepticismo no progresso e a hilaridade suscitada pelas figuras desadequadas:

O brasileiro, namorado como está da sua obra, não dá pela falta: e não admira; também o cego não vê a estrada que vai pisando. Mas certo público – o público – que não é cego – conhece bem que a mudança foi só no vestido; e nesse descobre ainda a traidora arrecada por baixo do chapelinho da moda ou o bico do tamanco meio encoberto pela fofa crinolina. – Estamos no caso. – O governo é um brasileiro endinheirado. – Coimbra é uma camponesa vestida à moderna de modo que acima fica dito. O vestido que lhe deram é o caminho-de-ferro; e como se não sabe ajeitar com ele, anda aí por essas ruas que parece mesmo uma endemoninhada! Move-se e agita-se, mas desgraçada!, não pode por mais que trabalhe esconder as pequenas faltas.

As manifestações de cultura

Nada escapa ao olhar acutilante de Antero. Escarnece dos gostos que ditavam as euforias literárias, a escolha dos espectáculos, récitas, saraus, palestras e inúmeras actividades, "supostamente" culturais. Sobre a edição em delírio de um poeta ultra romântico, fala-nos assim:

É peça de muito merecimento literário, e que se pode cantar com a música das cantigas populares, por isso lhe agouramos uma bem merecida celebridade e longa vida. Agora mesmo acabámos de assistir a um ensaio em que se cantou o dito hino no estilo bem conhecido do “Manuel Ceguinho”, e ficámos maravilhados do bem que a letra diz com a música.

Critica as récitas e espectáculos no Teatro D. Luís, local da moda e da elegância, desancando tudo e todos:

Ainda bem que enquanto uns pasmam e admiram, criticam outros; ora como a pasmaceira não é coisa que interessa alguém, a não ser quem está pasmado; vamos ao teatro e oiçamos a crítica, posto que, mesmo isto, não seja muito para divertir.


Antero de Quental – O Bacharel José; recolha, prefácio e notas de Ana Maria Almeida Martins; Editorial Presença, Lisboa 2005


© Teresa Sá Couto

domingo, 12 de julho de 2009

O fulgor dos clássicos europeus

A Língua Posta a Salvo de Elias Canetti, Wallenstein de Friedrich von Schiller, Guzmán de Alfarache de Mateo Alemán e O Livro do Cortesão de Baldesar Castiglione são quatro clássicos fulgurantes que se encontram no mercado, pela primeira vez traduzidos para português contemporâneo. As edições inserem-se no «Projecto da União Europeia para melhor conhecimento dos grandes clássicos europeus» e têm a chancela da Campo das Letras em colaboração com o Departamento da Comissão da União Europeia para a Educação, Audiovisual e Cultura. Sem dúvida, são quatro títulos para leituras inesperadas, para vários gostos destas férias. Muito boas leituras!

Não é um romance, mas lê-se como se o fosse. Tampouco é um ensaio, mas apresenta um problema e explana-o argumentativamente incitando-nos à reflexão. A Língua Posta a Salvo de Elias Canetti – no original, Die gerettete Zunge – Geschichte einer Jugend – é a primeira de três partes de uma narrativa autobiográfica, publicada entre 1977 e 1985, que está nas livrarias com tradução de Maria Hermínia Brandão.

Prémio Nobel da Literatura em 1981, Elias Canetti (1905-1994) foi sociólogo, ensaísta, romancista e dramaturgo. Búlgaro, filho de um comerciante judeu sefardita, construiu em língua alemã, a sua língua da paixão, uma obra literária gizada no seu tempo, vigorosa, inquiridora e com reconhecido poder artístico. Nas 309 páginas deste A Língua Posta a Salvo, encontramos aquelas características, para uma leitura a um mesmo tempo intensa e fluida, com desafios intelectuais actualíssimos, como é apanágio de Elias Canetti. (Ler o meu texto crítico completo no site Orgia Literária).


Pleno de esplendor dramatúrgico, temos as 368 páginas de Wallenstein, título que reúne o conjunto de três peças, do historiador e dramaturgo alemão Friedrich von Schiller (1759-1805). O primeiro texto, O Campo de Wallenstein, foi estreado em 1798 e com ele se abriu uma reflexão sobre a vã glória do poder, o jogo de máscaras no período devastador da guerra dos 30 anos – com as lutas ferozes entre católicos e protestes que martirizaram a Europa – a avidez, a insídia, a vingança e a ruína.

No centro do retrato da época, a figura do ambicioso general e duque de Friedland, Albrecht von Wallenstein, que formou um temível exército de mercenários e que, tentado pelo trono da Boémia, negoceia a paz com o inimigo, à revelia do seu soberano. Acusado de traição, prepara-se a conjura que ditará o seu assassinato.
Sobre o seu Wallenstein, escreve Friedrich Schiller, em carta a Iffland, datada de 12 de Outubro de 1798:

«Wallenstein» é uma série de três peças: «O Campo de Wallenstein» é um Prólogo em 1 acto que se representa em 5 quartos de hora e tem as personagens mais diversas. É uma pintura do exército wallensteiniano, dá uma imagem da situação da Alemanha na Guerra dos 30 anos, mostra a disposição dos regimentos a favor e contra o general e destina-se a desenhar o terreno sobre o qual se desenrola o empreendimento de Wallenstein. Pode representar-se isolada, mas fica melhor se for associada à segunda peça.
O segundo texto chama-se «Os Piccolomini», do nome das duas personagens que mais intervêm. É em 5 actos, mas não chega a levar duas horas a representar. Esta peça compreende toda a exposição do «Wallenstein» e acaba quando os dados estão lançados. No fim tem um epílogo que forma a transição para a terceira peça.
A terceira peça chama-se «Queda e Morte de Wallenstein» e é a tragédia propriamente dita. Como a exposição já teve lugar e os dados já estão lançados, é uma acção contínua e ininterrupta desde a primeira cena. Tem também 5 actos e representa-se em menos de 3 horas.».


Guzmán de Alfarache de Mateo Alemán (1547- data incerta, mas após 1615) é um clássico do "Século de Ouro" da literatura castelhana, picaresco, humorístico e satírico onde se espelha a sociedade espanhola do início do século XVII. Publicada entre 1599 e 1604, o seu pronto sucesso projectou-o fora de portas, com múltiplas edições no século XVII e traduções para francês, alemão e inglês.

Em arejadas, diligentes e magníficas 672 páginas, numa tradução de excelência de António Pescada, como é seu timbre, narram-se na primeira pessoa as andanças picarescas de Guzmán de Alfarache, um anti-herói nascido em Sevilha em 1547 e desaparecido no México em data incerta. O resultado é um tomo de literatura didáctica que retrata uma época (a sociedade ibérica da transição do século XVI para o século XVII) aliando o carácter moralizador ao lúdico, instigando-nos à eterna reflexão sobre a condição existencial, a errância humana, com os seus momentos de “balanço de vida”, de júbilo e contrição. E corre assim a narrativa quinhentista que, lesta, retrata qualquer tempo, pois todo o tempo motiva a reflexão sobre as virtudes humanas e a falta delas:

Não te darão cadeira nem lugar ao lado quando te virem depenado, mesmo que te vejam revestido de virtudes e de ciência. Nem se faz já caso desses tais. Mas, se representares bem, nem que sejas uma esterqueira, se estiveres coberto de erva, virão recrear-se em ti. Não o sentiu assim Catulo, quando ao ver Nónio num carro triunfal, disse: “Para que esterqueira levais esse carro de lixo?” Dando a entender que as dignidades não melhoram os viciosos. Mas já não há Catulos, embora sejam muitos os Nónios. Quando fores alquimia, aquilo que em ti reluzir é que será venerado. Já não se julgam almas, nem mais do que aquilo que os olhos vêem. Ninguém se põe a considerar o que tu sabes, mas o que tens; não a tua virtude, mas a da tua bolsa; e da tua bolsa não o que tens, mas como o gastas. p.474.


A elite deve dar o exemplo virtuoso; em quinhentos dir-se-ia que o perfeito cortesão devia ter «discrição, decoro e graciosidade», além de que só assim se podia, e pode, «fazer amigos e conquistar pessoas». Para se ensinar e incentivar essas posturas, pegue-se em citações ocultas de Cícero, Horácio, Lucrécio, Platão ou Aristóteles, observe-se a realidade política e social da pomposa Itália renascentista, a psicologia, os hábitos, e verta-se tudo numa crónica de costumes em jeito de guia de boas maneiras construído com diálogos imaginários entre membros da corte de Urbino, em 1507.

Assim irrompeu, em 1528, O Livro do Cortesão de Baldesar Castiglione (1478-1529) – ele que foi cortesão, diplomata, soldado e escritor –, que nos chega na tradução segura de Carlos Aboim de Brito. São quatro capítulos, correspondendo a quatro «Livros» do Cortesão, para outros tantos serões de diálogos.

Documento histórico – história política, social e das mentalidades – a narrativa extravasa em muito a actualidade da época em que se inscreveu: a identificação é fácil para o leitor actual, que segue o manifesto com muitos sorrisos e embrenha-se com gosto nos relatos de episódios pitorescos. Surpreendente é ainda a visão que se apresenta sobre a mulher ideal e, percorrendo toda a obra, o manifesto em sua defesa e protecção. Ora veja-se:

Mas a maneira de se comportar nas conversas de amor que eu quero que a minha dama utilize será recusar acreditar sempre que aquele lhe fala de amor a ama realmente; e se o gentil-homem é, como muitas vezes acontece, presunçoso e lhe fala com pouco respeito, ela dar-lhe-á uma resposta tal que ele saberá claramente que lhe causa desprazer. Mas se é discreto e usa termos modestos, falando de amor com palavras veladas, com uma maneira honesta que creio utilizaria o cortesão que estes senhores definiram, a dama fingirá não compreender e acolherá as suas palavras com outro significado, procurando sempre, de maneira modesta, e com o juízo e prudência que já dissemos ouvir-lhe, abandonar esse assunto. Mas se a conversa é tal que não pode simular não compreender, acolherá tudo como um gracejo, diminuindo os seus méritos e atribuindo à cortesia do gentil-homem os louvores que ele dará; por essa via, mostrar-se-á sensata e ficará ao abrigo dos enganos. Parece-me, pois, que é deste modo que a dama do palácio deve comportar-se nas questões de amor. p. 228

© Teresa Sá Couto

sábado, 11 de julho de 2009

Antiquíssima tristeza peninsular - Bernardim Ribeiro renascido por Teresa Tudela

«T a Bernardim» é o título dum livro de poemas de Teresa Tudela, um «prodígio de asas» que nos regozija e surpreende. Deve ler-se e ouvir-se devagar – traz um CD com declamações de 36 dos 83 poemas – e deixar que a pele da alma absorva os nutrientes da emoção, só possível pela alquimia da grande poesia. E a emoção advém do encontro com Bernardim Ribeiro, o poeta renascentista que tão alto ergueu a «dor artística», o enleio interior, a tristeza que escorre de todas as coisas e que desagua na eternidade.

Com Bernardim «ainda presente em diáspora e no exílio da tristeza», a autora estabelece diálogo da e com a «Menina e Moça» – novela do poeta de seiscentos, também conhecida pelo nome «Saudades», na edição de Évora. São ecos dessas saudades tão antigas quanto o tempo da nação portuguesa que Teresa faz soar neste livro: «de longe /mando-te um búzio /recolhe bem /esse murmúrio /ao ouvido».

A espiritualidade superior da mulher

O sentimento de tristeza literário associado à mulher e expresso pela própria remonta às nossas cantigas de amigo – escritas por homens, sendo o sujeito poético feminino e executadas pela mulheres –, atinge pujança na novela sentimental de Bernardim, que por sua vez inspira o romantismo do séc. XIX; Almeida Garrett, em Frei luís de Sousa, faz referência ao autor de Menina e Moça. Sendo a tristeza o sinal de uma espiritualidade e revelador de uma verdade oculta, ser expressa por mulheres confere-lhes um poder divino.

Seguindo essa sabedoria feminina, de «dimensão inacabada» e secreta, escreve Teresa Tudela: «Nem saberás /do pacto entre mim e o meu peito». Nesse contrato com a alma, está a procura do entendimento pelo amor – Aceita um pouco /também /os meus contrários em mim /temores fraquezas /trespasses de frio neblinas – ainda que vão, pois enamoramento e tristeza conjuram-se no destino da mulher: o amor não é crime antes dever /mistério maior da vida /a que se há-de a braço /a pulso /todos os dias viver.
Também a ausência do amado é transmitida de forma quase pungente e veicula uma alma desterrada no e pelo mundo : E sem ti /não há a quem dar todo o mundo.

Todavia, o maior exílio é a impossibilidade da tristeza não encontrar a escrita: Maior a crescer é o medo /de ver a vida não caber /por entre as sílabas maiores /do texto gravado a negro na memória branca do papel.

O papel das águas

O mar tem presença fortíssima em Bernardim, como aliás se verifica desde as primeiras composições medievais peninsulares. Marcando a fronteira entre o peso do terrestre e o apelo da espiritualidade, o mar surge, também, como espelho e reflexo do tormento das gentes. Teresa, apostada no «derramar da vela», liberta do limbo a psicologia antiga, num «grito que ganhou a idade da espera», do povo de coração agrilhoado:

«sou de peso sou de terra /trago o horizonte curvo /marejado nas pupilas /vidrado a chumbo no olhar», diz o texto descarnando uma «infinita dor» que «bombeia sístoles com pressa inusitada /no músculo pequeno e vermelho /em caixa fechada»

E surgem os pescadores, o mar, água de dor e morte, e o diálogo com o divino impregnados no ser português:

onde bóiam gaivotas /distantes poucas braças da orla /negra dos sargaços arrancados pela recente /fúria das marés /ninguém os vem já buscar à praia /mulheres possantes já não /enterradas de saias negras /infladas nas ondas /horas de forças rijas /gélidas salgadas /gadanhos moscas e bois /anacronias antigas /sem protectores solares /para pôr riquezas na terra /que as há-de em dobro tornar /caldo e pão /vinho nas pipas /e em sendo tempo /algumas dálias senhora /pró altar /anacronia maior este verão a acabar

Noutro passo, efectiva-se a osmose pungente com as mulheres das sete saias desditosas, conluio só possível no feminino:
Vou hoje deitar-me com a saia sobre a cabeça /como as mulheres da Nazaré sobre a desgraça /não sei a que me leva o sonho ou se é destino /qual a desdita da noite /a não ser /depositar-me aqui à margem.
Enigmas de Bernardim

No final, um poema que sintetiza o mistério de Bernardim que tem levado a polémicas sobre significados políticos e religiosos escondidos no texto Menina e Moça, no se diz respeito à sua relação com os judeus na época em que a Península Ibérica está marcada pela conversão – forçada ou deliberada. Refira-se a este propósito a obra crítica de Hélder Macedo, O Significado Oculto da Menina e Moça, editada em 1977 pela Morais Editores, onde o autor, numa análise fulgurante, apresenta a vertente cabalística do texto de Bernardim Ribeiro. Teresa Tudela consegue num poema curto desfraldar todas essas questões, com uma imagem vibrante: coloca a estrela, símbolo do povo judeu – em que os 12 lados demonstraram a disposição das 12 tribos de Israel durante sua jornada de 40 anos no deserto, após sua saída do Egipto em direcção à Terra de Israel – nas mãos de Bernardim, com as seis pontas orientadas para a dor do exílio:

Essa tristeza /esse exílio /da vida ampla em faixa estreita /obstinada /se calhar abriste a tua estrela de David /e desdobrou-se em ziguezague na mão /que a tinha /viste a tristeza inscrita numa ponta /e quando olhaste para a mão esquerda em simetria /abriste os dedos em estrela /tua /e julgaste /ver nela em espelho o exílio replicado /das outras cinco pontas /de David /Bernardim /é ainda certo o teu nome.

Sobressai na declamação o jogo de palavras no último verso, com o «é ainda certo» – ligando-se à característica oralizante da escrita de Bernardim –, que resvala para «é ainda (in)certo» com o que se reforça o saber incompleto que se tem do genial escritor do século XVI, ainda que se lhe seja mais desconhecida a vida do que a obra.

Nota: Bernardim Ribeiro (1481? 1545?) colaborou com Sá de Miranda no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, destacando-se pela genialidade das éclogas e da novela sentimental Menina e Moça, narrativa feminina de solidão e saudade onde se analisa minuciosamente o mundo interior, à luz do desengano, pessimismo e fatalismo. É sobretudo esta narrativa a geratriz da presente obra de Teresa Tudela.

T a Bernardim, Teresa Tudela; (livro e CD) Editorial Campo das Letras, Porto, Maio 2006

© Teresa Sá Couto

(to Artur)

quinta-feira, 9 de julho de 2009

O movimento da escrita de Vergílio Alberto Vieira

Testar as potencialidades da palavra. Fazer com as palavras o que se faz com encontros, tantas vezes inusitados, que se estabelecem na vida: acolhê-los para nos desvendarmos. Assim acontece em Papéis de Fumar, livro de poesia de Vergílio Alberto Vieira. O papel branco, como uma máquina fotográfica, prende instantes do real para o interpelar.

Por 311 páginas, ressuma um «sopro de origens», o diálogo primordial das descobertas e surpreende-se o eterno movimento da escrita que é, também, o eterno movimento da alma à procura de si mesma. Viajante «em torno de si mesmo», Vergilio Alberto Vieira incita-nos à caminhada do auto-conhecimento. Fica claro que a alma, como um livro, nunca está escrita: «Por dentro escrito, e por fora, é um, o Livro, todos os livros, e nenhum».

No prefácio, Ivan Junqueira (Presidente da Academia Brasileira de Letras) passa em revista o trabalho poético de Vergílio Alberto Vieira e encontra nele a «busca incessante de uma identidade ontológica que se diria, não propriamente perdida , mas ainda por conquistar». É como se o poeta, refere, «procurasse insistentemente dentro de si mesmo, não o que perdeu, mas o que ainda não encontrou.»

«Périplo rumo ao interior» de si mesmo

Na «arte de achar, de descobrir-se a si mesmo», Vergilio Alberto Vieira «tornou a dor o anseio da viagem»: «eu tinha pressa ainda de chegar, /Onde, não sei, no aperto de vencer /A distância que vai de mim a mim.». Essa distância é percorrida com o remover contínuo de terra, braços que agarram o instante, num jogo perpétuo de «floração do sangue», uma clara alusão ao sacrifício da criação poética. Munindo-se de uma plêiade de elementos simbólicos, o poeta procura explicações, cônscio da efemeridade do instante da descoberta: «Entre dois espelhos /corre, o escasso dia, e ninguém /com ele corre»; «Na mão ausente, /outro cigarro vago de /tudo se fumou».

O perpétuo movimento da caminhada em direcção ao conhecimento é expresso em versos ora curtos ora longos, com a própria disposição a marcar a cadência do movimento, vibrantes, sonoros, demonstrando que «A paixão por dentro prende /O demoníaco galope dos cavalos». Fortíssimo, pujante, o símbolo dos cavalos percorre todo o livro: «deslumbramento de asas / o trote imoderado /dos cavalos»; o agitado das crinas, «a Espora»; o bramido das rédeas; «tribulações de terra /mudavam /os cavalos»; «desde as origens de medo /cobrem a passagem /provam /nos músculos a sentença /do pão /Pelo relincho decretam /a paz onde a terra levanta o lume /à altura das arcas /Nada os detém /entre o limite doméstico /da casa /Como pode o corpo cercar /a cor entre os cavalos»; «como se outra fora a luz /Com que os cavalos apuram no vento /as fisiologias da visão /…/uma só cor explica o coração».

A branco e azul

No movimento contínuo de «deflagração dos dedos» e «fósforo do olhar», o poeta, cujo «destino é fitar /Degrau a degrau, a solidão, /E perder tempo, esperar /Dias negros, só, em vão», sujeita-se totalmente à escrita: «Persegue a mão que o conduz /À brancura do papel». A cor branca surge como símbolo da revelação, associada à luz do conhecimento, e, também, ligada a outros símbolos femininos: a Lua ou a cal. A Lua, símbolo da fertilidade, renovação e crescimento e, porque reflecte a luz do Sol, está ligada ao conhecimento. Por outro lado, porque ligada à noite, associa-se à noite interna do poeta, à zona escura da alma que quer ser iluminada, e ao mistério da criação: «Liberto da condição /de existir encarcerado /Escuta em sonho o coração /A si mesmo aconchegado». E o coração inquieto grita o azul, o sonho: «solta o azul /ó asa».

Respondendo ao chamamento interno «Permanece/ó ser», «As aves bebem /na fonte /essa loucura», procura incessante de revelações no infinito: «montam cavalos / brancos, /Já não lhes resta o leito /acolhedor. Precisam /de falar com Deus /para morrer».
O poema «O Livro» sintetiza todo o investimento artístico do poeta:

São breves, e invisíveis, como os ritmos da terra.
Pelos livros, sei o que não vêem os olhos; o que
não colhem as mãos, quando, de sombra, a boca se ilumina.
Com seu poder diurno, um livro demora a ser.
Por isso, celebra o espaço: por cada instante,
sustém, na pedra, a fuga clara.
Uma vez aberto, um livro jamais poderá fechar-se;
abre-se onde, de resto, o fim começa.
Inaugural, ergue da terra novo fulgor divino.
Umas vezes, perpassa, como um tráfego secreto;
outras, esquece: ao primitivo ardor dos caracteres regressa como um deus.
Leio o que escrevo e sei, agora, o azul helénico do
mar. O livro é ainda a procurada luz dos barcos. A
água assina cruelmente essa suspeita.

Papéis de Fumar, Vergílio Alberto Vieira; Editorial Campo das Letras, Porto, Março 2006

© Teresa Sá Couto

quarta-feira, 8 de julho de 2009

As histórias do Senhor Brecht por Gonçalo M. Tavares

Quantas vezes é necessário pôr o mundo às avessas para o compreender? No avesso do esperado andam as histórias de Gonçalo M Tavares, para que possamos seguir a direito rumo ao conhecimento. E seguir sem hesitação, porque «O homem no meio da escada hesitava há vários dias entre subir e descer. Os anos passavam e o homem continuava a hesitar: subo ou desço? Até que certo dia a escada caiu.».

O senhor Brecht conta histórias. Algumas tão curtas que são apenas uma frase. Quando as começa a contar, tem a sala quase vazia. Como muitas das páginas brancas onde cintilam duas ou três frases. Quando acaba de contar a sua quinquagésima história, repara que a sala está cheia, aventamos, de gente aturdida pela intensidade do mundo interior que lhe foi apresentado; gente que ficou porque partiu para o lugar mais íntimo da conjura – o pensamento, o lugar do desassossego.

Sobre este lugar de inquietação e, por isso, de revelação, motivado por este livro de Gonçalo M. Tavares, recupero palavras de Herman Hesse, do seu soberbo romance «Demian»:

«As coisas que observamos são as mesmas que se encontram em nós. Não existe realidade para além daquela que está no nosso íntimo. A razão pela qual as pessoas vivem tão ficticiamente é tomarem por realidade as figuras do exterior, enquanto que, ao seu próprio interior, não o suportam. É possível ser-se feliz deste modo; porém, após uma pessoa tomar conhecimento do que há para além disto, deixa de ter hipótese de optar por seguir o caminho dos demais. O caminho da maioria da gente é fácil, o nosso é difícil… Vamos.».
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O mundo de Abel e Caim

O mundo que nos é apresentado é o nosso. É obscuro, é agridoce, é Caim e Abel. Porém, todos temos um sinal na testa, a marca distintiva da nossa própria narrativa interna, mesmo que dissimulado por baixo da pele, por baixo da vergonha em o assumirmos, dentro do medo das interpretações que os outros possam fazer, ou por baixo da ignorância. Gonçalo mostra-nos que sabe esse nosso segredo. Não por adivinhação, mas por análise e reflexão sobre o ser humano.

Muitos têm tentado definir o homem. Poucos sabem o que ele é. Muitos pressentem-no. Gonçalo Tavares explica-o assim: «Num certo país apareceu um homem com duas cabeças. Foi considerado um monstro, e não um homem. Noutro país apareceu um homem que estava sempre feliz. Foi considerado um monstro, e não um homem.».

Há histórias de fé e de dúvida, sabendo-se que andam a par e que uma condiciona a outra. E há o grito, a angústia e atávicas dores. E sempre a surpresa de uma narrativa certeira. É-nos assim contada a história do «Desempregado com filhos»:

Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão. Ele estava desempregado há muito tempo: tinha filhos, aceitou. Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a mão que te resta. Ele estava desempregado há muito tempo: tinha filhos, aceitou. Mais tarde foi despedido e de novo procurou emprego. Disseram-lhe: só te oferecemos emprego se te cortarmos a cabeça. Ele estava desempregado há muito tempo: tinha filhos, aceitou.

A história do mundo compõe-se com os homens. O mundo dentro dos homens tem que ser renovado dia após dia, ou nada serão. «A escrita fixa o movimento da mão» e seguimos em revoada esse ditado do movimento deste autor que até nos mostra o perigo da cultura:

Uma galinha pensava tanto e era tão culta que ganhou uma obstrução interior, deixando de pôr ovos. Mataram-na no dia seguinte.

e outras avarias deste nosso mundo:

Por um curto-circuito eléctrico incompreensível o electrocutado foi o funcionário que baixou a alavanca e não o criminoso que se encontrava sentado na cadeira. Como não conseguiu resolver a avaria, nas vezes seguintes o funcionário do governo sentava-se na cadeira eléctrica e era o criminoso que ficava encarregue de baixar a alavanca mortal.


O Senhor Brecht, Gonçalo M. Tavares, Editorial Caminho, Lisboa, 2004


© Teresa Sá Couto

terça-feira, 7 de julho de 2009

Regressou A Phala

A voz pública tem a teimosia como um defeito; crismada perseverança torna-se uma virtude.
Por teimosia (ou perseverança) A Phala regressa.
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Concebida em 1986 por Manuel Hermínio Monteiro, prosseguiu, nesse formato inicial, até 2003. De periodicidade irregularmente trimestal foi assegurando o interesse dos leitores. Instrumento, sem dúvida, da construção da editora que a Assírio & Alvim era e da sua evolução, foi bastante mais que isso.
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Procurou (e é grato pensar que conseguiu) ser observador atento e agente de divulgação do que a cultura portuguesa ia produzindo – em particular da poesia escrita em português ou em português vertida. A que na altura era escrita e publicada e aquela que tinha de ser recuperada e promovida.
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A certa altura, este projecto, na forma que adquiriu, pareceu esgotar-se. À procura de um modelo mais ambicioso, menos rotineiro, A Phala sofreu uma transformação, na forma e no conteúdo. O primeiro número foi publicado, com o privilégio de, até agora, se ter revelado único.
Mudam-se os tempos… (que não as vontades) e teimosamente A Phala regressa, adaptada às novas formas de comunicação. Os objectivos são os mesmos. Deseja-se que a qualidade seja a mesma e mereça, de novo, a atenção de antigos leitores e a nova atenção de outros.
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José Alberto Oliveira
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sábado, 4 de julho de 2009

Novo poema de José Agostinho Baptista

José Agostinho Baptista lança hoje, na sua ilha, na Madeira, o novíssimo livro O Pai, a Mãe e o Silêncio dos Irmãos, um longo poema em prosa poética, com a chancela da Assírio&Alvím que tem editados os títulos do poeta.

Na capa, uma pintura de Ilda David'; no interior, um compêndio de desmesurada beleza, onde se reconhece o percurso poético de José Agostinho Baptista, que tenho vindo a acompanhar, desde há muitos anos.

Sem mais ruídos, deixem-se extractos da pureza vocabular e insular de língua portuguesa:
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«(…) Quando me ofereceste a cria do cisne, compreendi. Sem uma palavra, a olhar para o chão, timidamente, estendeste para mim a sua pequena forma, macia e quente. Na concha das minhas mãos, senti bater um minúsculo coração. Soube, de imediato, que o lugar do medo se ocultava debaixo daquela penugem onde despontavam as primeiras penas. (…)
Levaste a flauta aos lábios e sopraste longamente. Não era uma canção. Talvez o uivo do lobo, talvez o vento, numa harmonia despedaçada. Voltei a sentir outro calafrio e, silenciosas, duas lágrimas desceram, de cada lado, dos dois cantos que há em cada lado de duas ínfimas salinas. Parei, voltei-me para o horizonte e aí procurei, na face cobreada do poente, uma resposta, um sinal comovido da sua lonjura. Mas nada encontrei. Era apenas a tarde descendo algures, para o mar, para a linha que o céu faz com o mar. Era o tempo que passava.
Afastei-me, com a cria do cisne palpitando no peito, e durante horas procurei a sua morada. Perto do anoitecer, junto aos arbustos, descobri um ninho, e percebi, com uma alegria que desconhecia, que era a sua primeira casa. Aconcheguei-o, suavemente, como aconchego as lãs no Inverno da minha enxerga. Nunca mais saberia dele mas, um dia, ao ouvir o seu canto, não teria dúvidas. (…)» (p.44)
***
«Esquecerei tudo o que ouvi. Recusarei oferendas. Deitar-me-ei, nesta enxerga fria. Usarei, dia após dia, até ao fim dos meus dias, estes cubos vermelhos, pendentes, porque têm a cor do sangue do meu amado. Ao tocar-lhes, é como se tocasse uma chama e um incêndio, como se os meus lábios unissem as margens de uma ferida mortal.

Somos prisioneiros, pertencemos a um lugar. Não há outro. Como o caule à raiz, o fruto à árvore, pertencemos àquilo que tocamos, sem saber porquê. E andamos à volta, porque somos isso, uma nave que se move sobre um eixo indiferente e acelera a sua marcha à medida que os anos passam e as lápides se aproximam. Acendem-se as lâmpadas, nesse terraço que imagino, mas um labirinto selvagem permanece no coração, nas suas passagens secretas, cujos portões encerram, num estranho castelo de nuvens e vapor, a nossa inamovível solidão. Se quisermos, podemos partir para as estrelas fabulosas de uma noite austral. Se quisermos, podemos plantar ao amanhecer um jardim de plantas luminosas e muito brancas, podemos vaguear perdidamente, lembrar, esquecer, recomeçar tudo o que interrompemos da última vez.

Podemos tudo e não podemos nada. Somos tudo e não somos nada, marinheiros sem porto, cais sem navios, no litoral das casas. E as casas, como ganchos de um cabo de aço, longo e inquebrável, atam-nos, de pés e mãos, a um quarto, a um degrau, a uma cancela que abrimos e trancamos, noite após noite, ano após ano, distraidamente, numa inércia ancestral e cega. (...)
».
pp. 183, 184, 185

© Teresa Sá Couto

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Ópera «Jerusalém» na Culturgest

No próximo dia 3 de Julho estreia a ópera Jerusalém no Grande Auditório da Culturgest em Lisboa. Com música composta por Vasco Mendonça (compositor em residência na Casa da Música em 2007, prémio Lopes Graça em 2004 e menção honrosa no concurso Clefworks International Competititon em 2008) a ópera tem libreto da autoria do escritor Gonçalo M. Tavares que assina o romance homónimo editado pela Caminho.

A encenação está a cargo de Luis Miguel Cintra (Teatro da Cornucópia) que encena pela primeira vez uma ópera em estreia absoluta. O encenador tem uma larga experiência na encenação de ópera (Teatro Nacional de S.Carlos, Teatro da Cornucópia , Culturgest, Culturporto e Teatro Aberto, L'Enfant et les Sortilèges de Ravel, Dido e Eneias de Purcell, As Bodas de Figaro de Mozart, Façade e O Urso de William Walton, The Strangler de Martinu, L'Isola Disabitata de Haydn, The English Cat de Hans Werner Henze, Jeanne d'Arc au Bûcher de Honegger/Claudel (que também interpretou), Medeia de Cherubini, Le Vin Herbé de Frank Martin).

Jerusalém conta ainda com um conjunto 6 cantores de grande qualidade: Alexandra Moura, Inês Madeira, Manuel Brás da Costa, João Rodrigues, Luís Rodrigues e Manuel Ferrer na voz infantil. A direcção musical está a cargo do experiente e seguro Cesário Costa, à frente da Orquestra Metropolitana de Lisboa (em formato sinfonieta -15 músicos).

Trata-se de uma produção da DuplaCena (sobretudo conhecida pelo festival Temps d'Images) em co-produção com a Culturgest e a Metropolitana.

Jerusalém distingue-se porque consegue de facto um cruzamento entre as diversas formas de arte (música, literatura e teatro) bem patente nas colaborações criativas e nos trabalhos de preparação até à estreia. O libreto é do escritor, autor do romance Jerusalém numa colaboração viva e participada com o compositor Vasco Mendonça. O compositor e o encenador assistiram à quase totalidade dos primeiros ensaios musicais com os cantores dirigidos por Cesário Costa, permitindo a Vasco Mendonça comunicar intenção e a Luis Miguel Cintra absorver a música e o que esta lhe sugere. Seguiram-se duas semanas de trabalho intenso dos cantores com o encenador (frequentemente na presença do compositor para resolver pequenas questões que e dificuldades na tradução da música para o movimento dos personagens em palco) que culminaram com dois ensaios corridos já com fatos e grande parte dos elementos cenográficos. A partir de 22 de Junho recomeçaram os ensaios e iniciaram-se as montagens no palco da Culturgest, terminando com uma semana de ensaios de orquestra e cena a partir de 29 de Junho.

Outro aspecto que distingue a ópera Jerusalém é o facto de a produção se manter viva após a sua estreia, e repetição no dia 4 de Julho, na Culturgest. Dia 11 de Setembro Jerusalém volta à cena no Teatro Municipal da Guarda, havendo interesse por parte de um teatro estrangeiro de considerar a reposição.

Ficha artística:
Música - Vasco Mendonça
Libreto - Gonçalo M Tavares a partir do seu livro Jerusalém

Direcção Musical - Cesário Costa
Encenação - Luis Miguel Cintra
Cenário - Luis Miguel Cintra
Guarda-roupa - Ana Simão
Desenho de Luz - Daniel Worm d’Assumpção


Mylia - Alexandra Moura
Hanna - Inês Madeira
Ernst - Manuel Brás da Costa
Hinnerk - João Rodrigues
Theodor - Luís Rodrigues
Kaas - Manuel Ferrer

Orquestra Metropolitana de Lisboa

Preparação Musical - Nicholas McNair
Maestro Assistente - Hernâni Petiz

produção da Dupla Cena em co-produção com a
Culturgest e a Orquestra Metropolitana de Lisboa


* informação gentilmente cedida pela Editorial Caminho

«Jerusalém» – uma leitura obrigatória

«Quem comete um erro é excluído; é fechado dentro de uma caixa. Quem está fora vê apenas a caixa. Mas quem está fechado, excluído, consegue ver cá para fora. Vê tudo, vê-nos a todos.».

Estas são palavras de Gonçalo M. Tavares e estão contidas no seu livro «Jerusalém». Um livro preto sobre a noite humana. Um livro que vê tudo e sabe tudo de nós. Não por ser um "excluído", mas por ser a própria caixa onde se aninham os excluídos. E todos somos excluídos pelo que não confessamos: a dor, a loucura, o medo, a morte.

Prémio Ler/ Millenium BCP, “Jerusalém” é o terceiro livro preto de Gonçalo M. Tavares. Romance – ensaio, porquanto é construído com uma narrativa que levanta uma reflexão filosófica, é também um romance de personagens fechadas no medo, abertas na narrativa lúcida, feroz e vibrante, que nos aprisiona até à última página, libertando-nos na primeira página da nossa inquietação.

A cor e as ruas do medo e da dor

Seis personagens erram na noite fechada à felicidade. «De noite a dor desce sobre o corpo de modo distinto. Como um concentrado químico. Entre o dia e a noite a superfície não é plana. Um ligeiro declive». Calcorreiam as ruas de uma cidade, ao mesmo tempo, tão distantes umas das outras, tão perto da própria loucura. Cada personagem é uma rua, um nervo de medo, e todas, à deriva na dor, compõem o espaço psicológico denso de um campo de concentração: a vida.

Mylia, Ernst e Kaas Busbeck – mãe, pai e filho – constituem o trio dos, à partida, excluídos. A mulher e o homem, por carregarem o medo do passado de loucos isolados no hospício de Georg Rosenberg, e o medo de ainda o parecerem. O rapaz porque foi por eles concebido nesse tempo de loucura, atestada pela medicina dos homens sãos, produto de adultério, e criado por um pai que não o concebeu.

A narrativa abre e fecha com MYlia. Ela vagueia, às quatro da manhã, com «os pés distantes dos sapatos», à procura de um deus qualquer, que se lhe nega, à procura de uma igreja, que está fechada. Ela está dentro da caixa. Sempre o esteve e por isso nunca se espantou com as fotografias do horror, de cadáveres amontoados de um campo de concentração, que o ex-marido estudava, horrorizado.
Ernst é amigo e ex-amante de Mylia. Corre na noite para a socorrer, e o som desconexo dos sapatos, que lhe transportam o corpo desordenado, alcança uma rua que finda numa igreja fechada.

Kaas Busbeck tem no corpo o castigo do adultério dos pais; a sua deficiência física é «um incómodo, uma espessura agarrada a si», uma fragilidade que lhe usurpa a vida. Vagueia na noite à procura daquele que o perfilhou: Theodor. Médico promissor na investigação de saúde mental e ex-marido de Mylia, Theodor estudou durante décadas uma fórmula que resumisse «os efeitos do horror», para o prever e prevenir, para encontrar as causas da maldade que existe sem o medo. Esqueceu-se, porém, que o medo leva à maldade, e ela estava perto de si. Anda na rua com genitais intumescidos à procura de um bordel, de terapêutica física, de sexo puro, e pondera nessa sua decadência, nessa «eficácia negativa, tempo de não humanidade, tempo onde não se constrói. Se fôssemos só isto, o que eu sou neste momento, a caminhar apressado com o pénis duro, desejando encontrar rapidamente uma mulher, se fôssemos só isto seríamos os cães dos nossos cães.».

Hanna é a prostituta de «olhar fundamental, de cientista, de quem está de fora a ver o que sucede às coisas». Ela «conhecia o intervalo entre a sedução e a repulsa, essa habilidade perversa – de puxar primeiro para depois empurrar». Ela está na rua em direcção ao desvario de um amigo que se fecha em casa. Ela liga Theodor á sua própria tragédia. Ela é a amiga do homem que lhe matará o filho perfilhado.

Hinnerk é o amigo de Hanna que vive os dias «com rigor de patrulha, numa existência observada e observador de si próprio», acompanhado pelo medo e a tensão, «a única maneira de se sentir seguro.». Mas o medo descontrola-o, fá-lo sentir-se cada vez mais ameaçado, e a noite é o tempo e a forma da sua loucura. Hinnerk é o mensageiro da morte condenado à morte. A sua loucura encontra, na rua negra, o rapaz, Kas Busbeck. E a loucura de Mylia encontra-o a ele.

O corpo, lugar de inscrição da dor

A reflexão sobre o corpo como lugar onde a dor e a loucura se inscrevem percorre toda a narrativa e irrompe de todas as personagens. Mylia, gravemente doente, com «um ruído no centro do corpo, no miolo» vê na enfermidade uma «forma de exercitar a resistência à dor ou a apetência para se aproximar de um deus qualquer». Sentindo o cunho da morte nessa «dor larga, que não era um ponto», exercita os sentidos: «Magra, não usava os dedos para ninharias»; «os dedos devem tocar só no que é espesso, no que é fundamental; o urgente tem de coincidir com o essencial, com o que altera de alto a baixo. Como uma pancada forte no momento em que a recebemos: todas as coisas do dia mais insignificante se devem aproximar desse momento em que se recebe uma pancada forte».

A noite da infelicidade que “deturpa as cores, quando não as elimina” pode ser riscada com o essencial, mesmo que ele seja subversivo: «o giz dela, por sorte, era branco, obscenamente branco» e é com ele que lança o grito na parede negra da igreja fechada. «Sabe-o, sorri e escreve FOME.».

Eduardo Lourenço diz que o autor de “Jerusalém” «Chegou para ficar num espaço só seu». Um espaço só seu, eloquentemente partilhado connosco, seus leitores com FOME desta literatura. “Jerusalém” é um livro que nos escancara a alma ou é uma alma que abre e ilumina-nos as páginas intestinas do nosso livro, até aqui, dissimulado. Certamente por medo!

Jerusalém, Gonçalo M. Tavares, Editorial Caminho, 2005

© Teresa Sá Couto

* Ver AQUI informação sobre a Ópera Jerusalém, na Culturgest;

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