sexta-feira, 25 de setembro de 2009

David Mourão-Ferreira ou a inscrição da memória

(texto publicado hoje no site Orgia Literária)


O tempo é reversível. Pela memória exuma-se um passado tido como perdido. Se a memória é acção, a palavra é a criação que lhe confere sentido: juntas executam o eterno retorno, transfiguram, legitimam o tempo branco, perpetuam-se e perpetuam o seu criador.
A memória é o tema irradiante da escrita de David Mourão-Ferreira (1927-1996), com fulgor máximo na Obra Poética editada entre nós pela Presença. Fulgor máximo porque, como defendia Calvino, uma obra não se explica por parcelas, mas sim na sua totalidade, e esta Antologia – que colige a poesia do autor de 1948 até 1988 – tem todas as parcelas da grande urdidura do esplendor.
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A memória persiste amolecendo-a: assim a representava Salvador Dalí nos relógios moles pendurados de ramos secos, numa alusão ao carácter maleável do tempo quando sobre ele age a criação artística. Na mesma esteira, David Mourão-Ferreira usa outra metáfora singular: a memória como mármore mole, a memória sustentada por dois excessos, «o da fixidez e o da diluição» – assim referido por Eduardo Prado Coelho que prefacia a Antologia –, o que permite ao poeta modular a sua enunciação, confirmado pelo próprio: «mármore, sim…mole porém, como a casca da árvore, como o vento no sono escutando…». Na mesma metáfora, é evidente a luta e a dor da criação:
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Luta de corpo a corpo no interior do corpo.
Monólogo do tempo no interior da alma.
Monólogo monótono com saltos inesperados!
Monólogo no mármore mais mole de que há memoria…
Mármore, e mar, e vento sobre o mar…
Memória!
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Poética da «Apoteose do Nada» – na demanda daquilo que na memória se pode e deixa construir, uma «matéria obscura que obstina para além da vida ou da morte» –, a obra poética de David Mourão-Ferreira tem, segundo Eduardo Prado Coelho, uma «estrutura de tríptico» – «és retina, és rotina, és renovo», enuncia o próprio David –, com os últimos livros organizados em «incursões nos ciclos anteriores». Comprova-se o carácter circular da memória com a própria criação poética configurada no Eterno Retorno:
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todo o dia senti,
bem funda, em mim,
a tortura do beijo que não demos:
lago sereno, preso num jardim,
saudoso dum nenhum sulcar de remos.
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Corpo, mármore fugidio

À procura «daquela ribeira que reabilita a pedra», ou a subjectividade artística capaz de recriar a memória, o Corpo surge como centro de todo o processo, donde partem todas as buscas, onde convergem todas as emoções, «corpo de mármore fugidio», «memória por onde desliza a sensualidade e o erotismo». Afinal, diz o poeta, «o mundo só é mundo enquanto houver o corpo», e o poema, também corpo, exprime o «Voto» que sintetiza o empenho de David:

Que o fosso da memória se transponha,
que seja a solidão atravessada!
Da cálida crisálida renasça
de novo o corpo o corpo todo!
Venham as roucas sílabas da posse
no búzio dos ouvidos enroladas!
sobre a teia das veias impalpáveis,
reconstrua-se a cúpula dos olhos!
Que tudo, tudo, súbito se emprenhe
da realidade que a lembrança apenas
em folha de álbum, ressequida, guarda!
Que eu vá de novo decorar-te a seiva,
como um poema líquido que seja
urgente recitar na eternidade.

Enfrentar a voragem do tempo, descobrir os ângulos pelos quais o tempo nos devora, desafiar-lhe os quatro cantos com o canto poético é a grande tarefa de David Mourão-Ferreira. Para isso, escuta o «grito dos ventos», «pólen transformado», e constrói uma poética musical ímpar: «Além de amor, o meu amor quer melodia», diz o texto ao mesmo tempo que define a memória do amor: «O amor é um vidro sob um diamante: pois tudo foi vibrante e foi cruel». Em «Epitáfio», pode ler-se:
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Cada sorriso teu agora só desperta
esse remorso vil que a minha vida tem:
– A tua alma estava à minha espera, aberta…
Repousei no teu corpo e não fui mais além.

Com os tempos conjugados – o da memória e o da recriação, «biliões de cordas um só nó» –, pergunta e responde, no «canto secular do pensamento»:
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as pedras são pedras ou são vento?
(E são ombros, são espadas, são gladíolos.)
Mas os cantos são meus ou são do tempo?

Responda-se que os cantos, estes cantos, são do tempo futuro pois é lá que em cada leitor se recriarão.
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© Teresa Sá Couto

Espaço Web de Camilo Pessanha

A Biblioteca Nacional (BN) fez ontem a apresentação pública do sítio Web de Camilo Pessanha. Representante do simbolismo português, o autor deu-nos, num só livro, Clepsidra, uma poética de símbolo, sugestão e música, construídas com ânsia, abulia e sentido de diluição, de inutilidade da vida.
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Fernando Pessoa considerou-o seu mestre; António Ferro disse, sobre Clepsidra: «a nossa geração tem um missal. Saiu o livro de Camilo Pessanha. A alma de todos nós, desnorteada, tem, enfim, um relógio». Com efeito, o título Clepsidra funciona como símbolo de uma poesia de símbolos: se no grego significa relógio de água, a terminação –idra remete para hidra, mitológico monstro marinho, serpente de inúmeras cabeças que nascem e se desenvolvem à medida que são cortadas, símbolo da impotência humana perante os obstáculos, manifesto sobre a fragilidade da condição humana.
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Que este novo sítio na Web seja, pois, um incentivo para se revisitar Camilo Pessanha, o «exilado da beleza».
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Um poema:
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Encontraste-me um dia no caminho
Em procura de quê, nem eu o sei.
– Bom dia, companheiro – te saudei,
Que a jornada é maior indo sozinho.

É longe, é muito longe, há muito espinho!
Paraste a repousar, eu descansei…
Na venda em que poisaste, onde poisei,
Bebemos cada um do mesmo vinho.

É no monte escabroso, solitário.
Corta os pés como a rocha dum calvário,
E queima como a areia! … Foi no entanto

Que chorámos a dor de cada um…
E o vinho em que choraste era comum:
Tivemos que beber do mesmo pranto.

in Clepsidra, p.38, Biblioteca Ulisseia, 1987

terça-feira, 22 de setembro de 2009

A Televisão do share e das elites

Publico este texto em resposta a inúmeros pedidos de sugestões de títulos que analisam o jornalismo em Portugal, e na sequência doutros que tenho aqui trazido.

Se atentarmos nos plateaux informativos das nossas três estações de televisão, verificamos que «não se descobrirá o retrato do país que somos. Antes se vê aí desenhado um mapa social que salienta as elites que a TV absorve e reforça.». Esta é a conclusão de Felisbela Lopes depois de rastrear doze anos de programas informativos (de 1993 até 2005), num Estudo agora editado no livro «A TV das Elites». De contributo imprescindível para o debate da televisão que temos, a obra investiga e interroga a informação televisiva não-diária – sobretudo, debates e entrevistas – na peugada da verdade que se revela de nós através do que se oculta; são quatro capítulos em 371 páginas, num exame completíssimo que nos avalia social e culturalmente

Com a chancela da Campo das Letras, o título pertence à Colecção Comunicação e Sociedade – uma colecção ímpar de abordagem crítica à Comunicação Social – dirigida por Moisés de Lemos Martins, do Centro de Estudos de Comunicação e da Universidade do Minho. A presente obra retoma parte da dissertação de doutoramento de Felisbela Lopes, colaboradora do jornal Público de 1990 a 1996.

A análise clara, objectiva, contextualizada, bem documentada e bem organizada por capítulos e alíneas norteadoras, são um apelo para a leitura não só por jornalistas, políticos ou investigadores, mas também por «todos os interessados na res pública, incluindo particularmente aqueles que frequentam as escolas secundárias e o ensino superior», como refere, no prefácio, Manuel Pinto, coordenador do projecto Mediascópio e director do CECS – Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho.

Informação sacrificada pelo Share

Sendo certo que os dados audimétricos condicionam as opções de programação das televisões, um dos grandes objectivos de Felisbela Lopes é mostrar que as novas grelhas avançaram cada vez mais para o espaço privado sacrificando os programas informativos: se em 1993 – com coabitação das estações privadas no Panorama Audiovisual Português (PAP) – ainda se verificava um número razoável de programas de informação, a partir de 2000 «a informação semanal vai sendo desalojada do horário nobre dos canais privados para dar mais espaço ao entretenimento que hegemoniza os serões televisivos». A lei do mercado, e na guerra das audiências, enreda também o serviço público de televisão que passa a seguir os exemplos das privadas.

Concomitantemente, o espaço televisivo vai sendo tomado por elites, evidenciando-se, também a preferência que os jornalistas lhes dão. Como consequência, refere-se, em 2002 tinha-se um «espaço público pouco diversificado do ponto de vista temático» e com representatividade limitada, que nós reconhecemos por serem “sempre os mesmos a falar das mesmas coisas”. Defende-se que quem é desconhecido da opinião pública, ou não pertence a «instituições centrais onde se exerce o poder político» tem poucas possibilidades de aparecer no ecrã. «Consequentemente, construiu-se no espaço televisivo uma enorme espiral de silêncio que se foi avolumando ao longo dos anos.».

A par da explanação apurada, a autora apresenta quadros sintéticos da programação semanal nos diversos anos, perfil dos convidados, evolução das audiências, quadros comparativos de audiências, oferta e consumo de informação semanal de prime time (por meses, dias e horas), temas de maior sucesso, percentagens de políticos presentes nos programas de informação, entre outras vertentes em análise.

Informação ou espectáculo?

Refere a autora que, nos anos em Estudo, «o cidadão comum foi desvalorizado na informação semanal» das três estações de televisão. «Nesse período, poucos programas reclamaram a sua presença para os plateaux televisivos e, sempre que o fizeram, foi para o integrar em talk shows ou para lhe solicitar um testemunho pessoal sobre um tema que seria depois discutido por especialistas ou com actores das indústrias culturais». Na tentativa de o incorporar nas emissões surgiram os telefonemas, o televoto, cartas, SMS, «mas esses diferentes meios de acesso, para além de controlados pelos responsáveis dos programas, apenas permitiam uma participação marginal e, não raras vezes, pouco representativa da população portuguesa.». Acresce que, defende-se, aquela «participação à distância não equivale ao direito à palavra que os convidados dispõem nos plateaux dos debates televisivos», tanto mais que o cidadão comum está excluído das grandes-entrevistas.

Advoga-se que, nos doze anos, deparamo-nos com o crescimento de programas ditos informativos, um «terreno ambíguo entre informação (que não prestavam) e o entretenimento (que não era explícito, por se tratar de histórias reais e sofridas de pessoas concretas). (…) Os temas, embora pudessem ser integrados no espaço público, eram atravessados por vivências privadas apresentadas por um discurso emotivo ao serviço do espectáculo da palavra através do qual se exibia o ser humano degradante: crimes, escândalos sexuais, negócios de pornografia, etc. ser célebre, neste contexto, significava não ter direito a uma vida privada.». Por outro lado, defende-se, esta «espectacularização do discurso» é uma «forma ilusória de transformar a televisão num meio reparador de injustiças sociais», porquanto representam uma parte ínfima da população.

Refere a autora que este Estudo sobre a TV que temos não permite grandes optimismos. Todavia, apelando à intervenção de todos, lança-se um desafio, que fazemos também nosso: «não nos dêem a televisão que queremos, nós merecemos muito mais».


A TV das Elites, Felisberta Lopes; Campo das Letras, 2007


© Teresa Sá Couto

sábado, 19 de setembro de 2009

Sessenta anos de corrupção na ONU

Um livro demolidor de Eric Frattini

Digo-vos, infelizes, lixados pela vida, vencidos desolados, sempre empapados em suor, advirto-vos: quando os grandes deste mundo começam a amar-vos é porque vão converter-vos em carne para canhão. O aviso é de Louis-Ferdinand Céline, restaurado pelo polémico, inquiridor, denunciador e demolidor Eric Frattini. Autor de «A Santa Aliança – Cinco Séculos de Espionagem do Vaticano», o jornalista, investigador e escritor nascido em Lima, em 1963, assina mais este título abrasivo: ONU – História da Corrupção, onde descreve e documenta, sem constrangimentos, 60 anos de fraude, «corrupção, favores, assédio e abusos sexuais, pederastia, nepotismo, clientelismo, esbanjamento, burlas, torturas, subornos, má gestão e uma catastrófica administração» da Organização das Nações Unidas, tida como um «monstro que continua a engordar» exaurindo os ideais que lhe serviram e legitimaram a criação.

Em nota introdutória, datada de 2005, o autor diz que o livro não é um texto histórico sobre as Nações Unidas, mas um capítulo dentro da longa história daquela organização, feito com informação verídica, muita com recurso a documentos "classificados", fornecidos «por funcionários da ONU muito interessados em que se tornassem públicos». A exposição de Eric Frattini é acompanhada de fotografias, reprodução de documentos oficiais, uma extensa bibliografia, e listagem de Organismos e Meios de Comunicação consultados. O resultado é um ensaio que vai desde a raiz da ONU até aos ramos da actualidade.

Ao longo de doze capítulos, feitos degraus de descida aos subterrâneos iníquos do poder, o autor acompanha os mandatos dos sete Secretários-Gerais da organização para relatar como Trygve Lie, primeiro secretário-geral da ONU, cooperou abertamente com o Comité de Actividades Antiamericanas de McCarthy na sua "caça às bruxas" dentro da ONU; como Dag Hammarskjöld permitiu a entrada de agentes da CIA na sede da ONU e como ajudou essa entidade a manipular a política do Congo; como U Thant protegeu seis diplomatas árabes suspeitos de assassinar uma norte-americana numa orgia de sangue e sexo em troca de uma importante doação; como Kurt Waldheim ocultou o seu passado nazi e os seus anos de serviço no exército de Hitler; como Javier Pérez de Cuéllar protegeu e promoveu as influências pessoais e o esbanjamento entre altos funcionários da ONU; como Butros Butros-Gali protegeu altos funcionários da ONU – seus amigos pessoais – de graves acusações de assédio sexual sobre funcionárias da organização; ou como Kofi Annan fechou os olhos em relação aos maiores casos de genocídio no Ruanda e em Srebrenica e, por "omissão", face ao maior caso de corrupção de toda a história da ONU no programa "Petróleo por Alimentos", em que esteve envolvido o seu próprio filho, Kojo Annan».

Capacetes Azuis: abusos e impunidades

Partindo da asserção de um ex-funcionário da Onu – «Se um capacete azul chega à tua cidade ou aldeia e se oferece para te proteger, foge. Agarra numa arma. A tua vida vale muito menos do que a dele» –, Eric Frattini relembra múltiplos escândalos enredando os “capacetes azuis”. Diz-se que, se em 1988 estas forças da paz das Nações Unidas receberam o Prémio Nobel da Paz, a sua actuação posterior deixou para trás a imagem romântica dos soldados que alimentavam e protegiam as mulheres, os velhos e as crianças.

Referem-se abusos e exploração sexual de mulheres e raparigas no Camboja (1992-1993) ou na Libéria (1993-1997); torturas a prisioneiros na Somália (1992-1995) – «o jornal flamengo Het Laastse Nieuws publicou mesmo fotografias que mostravam um soldado da ONU a urinar sobre o cadáver de um somali»; violações de crianças no Congo (presença desde 1999) e em Moçambique (1992-1994); casos de pederastia na Serra Leoa (presença desde 1998) e no Kosovo (desde 1999); escândalos na Bósnia-Herzegovina (1995-2005) com a prática do mercado negro – tido como «fonte de rendimentos ilícitos para os soldados da ONU» com o qual «estavam a ficar bem ricos e a tornar ricas as máfias locais» –, também da prostituição juntando-se-lhe um rol de insanidades: «pelo menos trinta e dois “capacetes azuis” do Canadá feriram, torturaram e violaram doentes e enfermeiras de um hospital psiquiátrico na Bósnia»; abordam-se «casos de escravatura de mulheres somalis ou bósnias e abandono de civis desarmados às mãos dos seus agressores no Ruanda e Sbrenica», numa lista demasido vasta de condutas atrozes para que possamos ficar indiferentes.

Perante a bizarria e o anómalo, o texto refere que foi pedido por mais de 100 Estados-membros dos 191 que compõem a assembleia-geral da ONU que se rejeitasse a Resolução 1487 do Conselho de Segurança que impedia o Tribunal Internacional de julgar os “capacetes azuis”. Todavia, pode ler-se, «apesar das suas bem intencionadas palavras em que Annan afirmava que a resolução contrariava o espírito da Carta das Nações Unidas, o Conselho de Segurança renovou a 1422 e adoptou a Resolução 1487, como ampliação da anterior e com ela a “autorização de pirataria” para os milhares de “capacetes azuis” espalhados por todo o Mundo».

Um provérbio chinês aconselha: «Antes de iniciar a tarefa de mudar o Mundo, dá três voltas pela tua própria casa». Sendo o Mundo a casa larga de todos, é o dever de cada um participar na arrumação. Não o fazer é deixar a tarefa concentrada só nalguns e legitimar-lhe o poder sobre esse bem que deve ser comum. Este livro mostra-nos o preço e o perigo do comodismo de uma metade da humanidade perante a outra metade.

ONU – História da Corrupção, Eric Frattini, Editorial Campo das Letras, Porto, Setembro de 2006


© Teresa Sá Couto

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

«cem mil cigarros - Os Filmes de Pedro Costa».

«cem mil cigarros – OS FILMES DE PEDRO COSTA» é o próximo lançamento das edições Orfeu Negro. Coordenada por Ricardo Matos Cabo, a monografia tem mais de 300 páginas com textos de 28 críticos, ensaístas, realizadores e artistas de todo o mundo. O lançamento está marcado para 22 de Setembro, terça-feira, na Cinemateca Portuguesa, às 19h30.
Serão também apresentados os lançamentos da Midas Filmes da edição em DVD do primeiro filme de Pedro Costa, O SANGUE, a partir de um novo master digital de alta definição 2K, com restauro digital de imagem e som, e da reedição em DVD de ONDE JAZ O TEU SORRISO? Às 21h30, segue-se uma sessão de O SANGUE na sala Dr. Félix Ribeiro, com a presença do realizador.

O filme será objecto de uma reposição em cópia nova, no dia 24 de Setembro, em exclusivo no cinema UCI El Corte Inglés, em Lisboa, vinte anos depois da sua estreia mundial em Veneza.

As edições em DVD dos dois filmes são edições de coleccionador com várias horas de complementos e estarão à venda a partir do dia 1 de Outubro. O DVD de O SANGUE tem como extras: “Sangue antigo e sangue novo por João Bénard da Costa”, “Órfãos um comentário de Phillipe Azoury”, “Jeanne Balibar canta duas canções um filme de Pedro Costa”, “13 Fotografias de Paulo Nozolino”, “Fotografias de rodagem”, “Filmografia de Pedro Costa”, “Trailers” e “Capítulos”. ONDE JAZ O TEU SORRISO? tem como extras “Danièle Huillet, Jean Marie Straub, Cineastas – filme da colecção cinema de notre temps”, “6 Bagatelas – seis cenas inéditas montadas especialmente para esta edição”, “O Viandante e O Amolador – duas curtas-metragens inéditas de Danièle Huillet e Jean Marie Straub”, “Filmografias Pedro Costa, Danièle Huillet e Jean Marie Straub”.

Em Novembro, a Midas Filmes estreará ainda NE CHANGE RIEN, o último filme do realizador, antestreado na Quinzena dos Realizadores em Cannes. A estreia do filme contará com a presença da actriz Jeanne Balibar.

NE CHANGE RIEN foi também já apresentado na Filmoteca de Madrid, onde foi exibida uma retrospectiva completa do realizador, no Festival de Marselha, na Haus der Kulturen der Welt, em Berlim, e seguem-se apresentações em mais de vinte festivais em todo o mundo, entre os quais o Festival de Nova Iorque e a Tate Modern em Londres, onde em Setembro e Outubro será apresentada uma retrospectiva completa da obra de Costa e uma selecção de filmes que o inspiraram enquanto realizador.
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(conforme nota da Orfeu Negro)

domingo, 13 de setembro de 2009

Jorge de Sena voltou a casa

Cumpriu-se o que tinha de se cumprir: JORGE de SENA voltou a casa. Dia 11 de Setembro, na Basílica da Estrela, fez-se a Homenagem de trasladação dos seus restos mortais. Agora há que recuperar a sua obra literária, pois recuperá-la é recuperarmos parte de nós, portugueses.

Fique a página da Fundação José Saramago para o percurso biográfico e bibliográfico de Jorge de Sena, percurso que se confunde com o da nossa história.


Dois poemas de Jorge de Sena:

Recortes

Os meus recortes fugindo para o Sul!
Velozes, tão velozes!
Ainda ontem desdobrados
e hoje azuis de corpo inteiro!...
e a sombra de olhar circundante,
num passo apressado e decidido,
e a minha forma entregue, aberta,
escancarada,
mas a barreira caída em falhas de sinais.

Eu não soube cortá-los pelo meio,
colá-los
nas páginas onde os sentiria com os meus dedos
- igual aos cegos diante de um livro para cegos,
porém sentindo mais e muito mais
e cego eu fosse aos livros de mim próprio!

Os meus recortes
fugindo para o Sul no carroussel:
amanhã, um dia, tornarão a passar,
tornarão a fugir…

E eu talvez então nem fale
- porque falei hoje.

25/8/1939

Obras de Jorge de Sena, Poesia-I p.p. 47, 48, edições70

Madrugada

Há que deixar no mundo as ervas e a tristeza,
e ao lume de águas o rancor da vida.
Levar connosco mortos o desejo
e o senso de existir que penetrando
além dos lobos sob as águas fundas
hão-de ser verdes como a velha esperança
nos prados de amargura já floridos.

Deixar no mundo as árvores erguidas,
e da tremente carne as vãs cavernas
aos outros destinados e às montanhas
que a neve cobrirá de álgida ausência.
Levar connosco em ossos que resistam
não sabemos o quê de paz tranquila.

E ao lume de águas o rancor da vida.


Madrid, 4/9/1972

Obras de Jorge de Sena, Poesia-III, p.p. 207,208, edições70, 1989

sábado, 12 de setembro de 2009

Gonçalo M. Tavares elogiado em França

Segundo divulgado pela Caminho, O Senhor Calvino e O Senhor Kraus de Gonçalo M. Tavares acabaram de ser publicados em França pela editora Viviane Hamy, e arrancam aplausos da crítica na secção Avant-Portrait da revista francesa Livres Hebdo. Véronique Rossignol, que assina o texto crítico, refere-se a O Bairro como "a sua biblioteca ideal concebida como uma cidade ideal que ele povoa pouco a pouco com senhores, artistas queridos do seu panteão, aos quais consagra pequenos livros impossíveis de catalogar".
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Cita-se Alberto Manguel, que escreveu um texto para servir de posfácio à edição francesa de O Senhor Kraus (o posfácio que acompanha o Sr. Calvino é da autoria de Jacques Roubaud), e no qual o conhecido escritor argentino afirma: "O Kraus que Tavares instala no Bairro é um Kraus paralelo, reinventado para o nosso espaço e o nosso tempo."
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Sobre a obra de Gonçalo M. Tavares, a anteceder duas referências a Jerusalém e Aprender a Rezar na Era da Técnica, afirma-se:

«Enumerar os ilustres autores aos quais é comparado depois de Saramago ter declarado ver nele um futuro prémio Nobel seria esmagador. Traduzido em cerca de trinta línguas, Tavares foi louvado pelos maiores (Lobo Antunes, Vila-Matas ). Se a referência Kafkiana e a herança Mittel Europa são os tópicos que ocorrem com mais frequência para qualificar o seu universo literário, ele surge mais amplamente considerado como a nova encarnação na categoria "grande escritor europeu". ».
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Clicar na imagem para ler o texto da Livres Hebdo.
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Ver na Etiqueta os textos sobre Gonçalo M. Tavares.

Ideias e emoção com o Senhor Calvino

Sexto livro da série criada por Gonçalo M Tavares, «O Senhor Calvino» traz o olhar da procura essencial, e as coisas insignificantes suscitam reflexões singulares. Num dos sonhos, Calvino lança-se em perseguição da sua roupa, que alguém atirou de uma janela do alto de mais de trinta andares. Enquanto desce vai alcançando peça por peça, calça os sapatos, põe e ajeita a gravata, bem a tempo de chegar impecável ao chão.

Acordamos e concordamos: é merecido este desvelo para nos apresentarmos ao chão. Afinal, resta-nos sempre o chão, e podemos sempre contar com ele, porque ele tudo suporta: cansaço, traições, fracassos, fadigas ou como nos lembra o autor, no seu livro "Poesia 1": «aconteça o que acontecer, tens sempre um corpo que pesa; e um chão, mudo, imóvel, que não desaparece(1).

Este Senhor Calvino é construído com muito do “Senhor Palomar” – personagem do romance Palomar, de Ítalo Calvino. Ambas as personagens são conscientes do carácter inesgotável das coisas e detêm-se na superfície dessa diversidade para lhe apreenderem o sentido. Palomar observa os pássaros e as ondas do mar. Também Calvino tem como exercício fundamental «treinar o olhar sobre as coisas do mundo». O seu dia-a-dia desenrola-se entre a banalidade dos actos diários articulada com a intensidade da procura.

Por exemplo, Calvino, de vez em quando, obriga-se a andar com um balão que guarda uma «pequeníssima parte da totalidade do ar do mundo». Um exercício fundamental para apreender a importância do Nada; « escolher uma cor para o balão era atribuir uma cor ao insignificante». Doutra parte, «a quase insuperável fragilidade do balão obrigava ainda a um conjunto de gestos protectores que lembravam a Calvino a pequena distancia que existe entre a enorme e forte vida que ele agora possuía e a enorme e forte morte que andava sempre, como um insecto desconhecido mas ruidoso, a cada momento a circular em seu redor».

Calvino deambula perscrutadoramente. Passear sem objectivo é permitir-se aprender. «Via-se como um peregrino, mas não tinha meta nem mapa. Queria ir directo, sem desvios, para um sítio onde se sentisse perdido.». Talvez por isso, sentisse comprazimento em não indicar correctamente as direcções aos que entravam no bairro: «fazer com que as pessoas se perdessem no bairro era um acto de generosa simpatia (…) sabia que se as pessoas fossem directamente, sem qualquer desvio, para o seu destino, nunca teriam oportunidade de ver e conhecer cantinhos que só os homens muito perdidos descobrem.».

Metódico na procura, nos sábados de manhã transporta, sem qualquer falha, uma vara metálica paralela ao solo. De regresso traz a mesma vara, mas na diagonal e com postura relaxada. Conclui: «Uma falha mínima podia transformar uma paralela em diagonal» e, «qualquer transportador de paralelas devia ser pago a peso de ouro pois demonstrava que sabia colocar, com exactidão, a mão no centro das coisas». Sempre à procura do centro das coisas, e assim, do seu próprio centro, Calvino «não deixava de aperfeiçoar, todos os sábados de manhã, essa específica habilitação técnica e metafísica.». Ser que por vezes se emocionava com as ideias, «não com o mundo», Calvino achava que «quem não tinha pensamentos próprios não tinha vida própria».

Existir é jogar e para que se jogue o jogo da perpétua descoberta há que subverter as regras criando regras subversivas. Aplicando este método subtil, Calvino e Duchamp jogaram. Como não tinham definido as regras, não sabiam quem tinha ganho. Então, em alternância, começaram a «formular regras para o jogo que já haviam jogado, cada um tentando definir o jogo capaz de o fazer, embora a posteriori, vencedor».


O Senhor Calvino, Gonçalo M. Tavares, ilustrações de Rachel Caiano, Caminho, 2005

(1). Gonçalo M. Tavares, Poesia 1, Relógio D'Água, 2004

© Teresa Sá Couto

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

«100 fábulas De La Fontaine»

Numa jóia editorial com talento português

Volvidos três séculos das primeiras edições das Fábulas de Jean de La Fontaine, milhares de edições para outras tantas ilustrações, atento numa jóia editorial que nos deixa atónitos pela sua magnificência: «100 Fábulas de La Fontaine» envoltas em arte portuguesa, seleccionadas por José Viale Moutinho, traduzidas por portugueses como Bocage e Teófilo Braga, recriadas portentosamente pelas ilustrações de José Emídio; tudo reunido num livro de luxo ou não tivesse a chancela da Campo das Letras, editora que habitou os leitores à qualidade soberana destes objectos que nos tiram o fôlego.

É desacertado julgarem-se as Fábulas de La Fontaine apenas literatura infantil. Elas são para todos e comprova-se na intenção do fabulista francês mais famoso do mundo: «O mundo é velho /(Dizem) e eu creio que inda diverti-lo /Compete, como as crianças se divertem» (O poder das Fábulas, pag 202). Na apresentação, José Viale Moutinho diz como «o Senhor La Fontaine puxa as orelhas à república dos homens pondo a falar o reino dos animais»: «Papagaio real, quem passa? / – É o Senhor de La Fontaine que vai à Praça! / – E o que vai lá fazer? / – Colher os tiques da gente, /…/ Tal senhor escreve fábulas /e nenhuma outra ficção! / – É que os homens e as mulheres / (é bom se o souberes!) / têm tiques e pruridos tais /que é melhor /(Para não os ofenderes!) /pregar-lhes lições tais /que só metam animais!/…/ - E são lições para a humanidade /se comportar a preceito! / É que o tal de La Fontaine /queria ver este mundo /portar-se muito direito».

Viale Moutinho questiona-se sobre o «misterioso desígnio» que faz com que estas fábulas cheguem, vigorosas, aos nossos dias, para concluir que é a sua perenidade enquanto forma literária bem como a actualidade dos «conceitos morais que são o desfecho de todas elas». Justifica que a antologia de 100 fábulas «não é totalmente inocente», pois entende ser este o «núcleo mais duro da obra de La Fontaine, e considera que as fábulas do francês «já não suportam entre nós a edição integral».

As 100 fábulas coligidas têm tradução portuguesa de A. Lopes Cardoso, Abel Botelho, Acácio Antunes, Alfredo Alves, Bocage, Cipriano Jardim, Costa e Silva, Curvo Semedo, E. A. Vidal, Eduardo Garrido, Fernando Leal, Filinto Elísio, Francisco Palha, Gomes Leal, Gonçalves Crespo, Henrique Lopes de Mendonça, José Inácio de Araújo, José de Sousa Monteiro, Luís de Macedo, Miguel do Couto Guerreiro e Teófilo Braga.

As 100 ilustrações de José Emídio

As fábulas de La Fontaine foram ilustradas por grandes artistas ao longo dos séculos, com interpretações pessoais, mas que reiteram o seu carácter intemporal e universal. Destaco os guaches de Chagall, muito aplaudidos pela crítica da época, realizados entre 1926 e 1927 e exibidos em 1930 com pompa e circunstância. Antes da arte chagalliana, refira-se o trabalho de Gustave Doré (1867) sobre madeira, onde aparecem ora figuras humanas, ora animais.

As presentes 100 ilustrações nas páginas ímpares recriam de forma particular as narrativas das páginas pares. As interpretações das fábulas foram, seguramente, um desafio para José Emídio que o cumpre com distinção, criando um parentesco moral e narrativo, subtil e impressionista com as narrativas do francês. José Emídio, que já nos habituou à qualidade do seu trabalho, pinta como ninguém essa “poética comum" e universal, em pinceladas que põem em movimento quadros morais; um movimento pictórico que sai das páginas em direcção ao espectador que assiste com assombro à visão pessoal do artista. Doutra parte, estas ilustrações surgem com força mesmo se retiradas das fábulas. São, por todas as razões, 100 obras de arte imperdíveis.

Os vícios humanos e a fórmula da perenidade

No reinado tirano de Luís XIV (1643), La Fontaine encontrava a matéria para as suas breves narrativas em verso, com as rimas a facilitarem a memorização e a fixarem, de forma lúdica e humorística, os ensinamentos. O mesmo carácter lúdico da moralização dos costumes foi seguido pelo nosso dramaturgo Gil Vicente, que teve na máxima Ridendo castigat mores – a rir corrigem-se os costumes – soberana actuação. Os avisos do fabulista francês constroem-se com recurso a animais antropomorfizados. A reconversão é feita com agilidade e engenho narrativos, amplificação subtil dos vícios sociais e um talentoso carácter interventivo na sociedade e na moralidade. Algumas fábulas são recriações de fábulas do grego Esopo que por sua vez foram aperfeiçoadas pelo latino Fedro. No entanto, este tipo de texto já aparece no século XVIII a.C., na Suméria. É, no entanto, La Fontaine que as populariza em todo o mundo. As Fábulas foram editadas em 12 livros, de 1668 a 1694: I a VI (1668), VII a VIII (1678), IX a XI (1679), e XII em1694. Muito apreciado na sua época, La Fontaine pertenceu ao grupo literário-filosófico francês de Molière, Racine, Nicolas Boileau-Despréaux, entre outros, tendo sido eleito membro da Academia Francesa, em 1683.

Desta forma, chegam com actualidade incólume máximas morais, das quais destaco a da Cigarra preguiçosa e da formiga laboriosa; da raposa matreira como um vigarista; a fábula do corvo e da raposa cuja «lição vale um queijo»; da rã vaidosa que inchou para ser maior que o boi e rebentou; do lobo que come o cordeiro – «Sempre o sagaz prepotente /quer ter por base a razão, /inda que seja aparente» (O lobo e o Cordeiro, p. 30); «Na dor deseja-se a morte; /Mas quando vem faz tremer; /Qu’ é dos viventes o instinto /antes penar que morrer.» (O Lenhador, p. 38); «Assim, nas mútuas desordens /Dos grandes, dos potentados, /Quase sempre os mais pequenos /Vêm a ser os esmagados.» (Os Dois Touros e a Rã, p. 44); «Quase sempre as ímpias tramas /urdem o mal do inventor; /E mil vezes a perfídia /Recai sobre o seu autor.» (O rato e a rã. p. 88); «Confiar na Providência /Para obter o qu’ intentamos /Sem que os meios lhe ponhamos /É demência. /Nada obtém quem não procura; /Que foi sempre a diligência /Mãe da sólida ventura.» (O Carreteiro atolado, p. 156).

Viale Moutinho refere a «Excelente fórmula» encontada por La Fontaine que ditou a intemporalidade das suas histórias morais em verso: «Apurou a palavra e as maneiras de dar recados às gentes e divertiu com isso essas mesmas gentes, que não deram, ou fingiram que não davam (ou que não dão!), pelo espelho diante do rosto, lá isso não é mentira nenhuma. E como ele zurziu as mesmíssimas gentes e como continua a zurzi-las á escala internacional! E toda a gente gosta, às vezes fingindo que é com os outros, isso gosta, gosta muito…».

100 Fábulas de La Fontaine; selecção de José Viale Moutinho; ilustrações de José Emídio; 224 páginas; Editora Campo das Letras, Porto 2005

© Teresa Sá Couto

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Como se produz uma notícia?

As relações entre o jornalista e a fonte

«Que narrativas e histórias interessam aos jornalistas? Como trabalham os jornalistas os seus recursos e que rotinas? Que representação do poder e da sociedade em geral deixam ficar nas notícias? Que fontes de informação falam das notícias? Que fontes de informação são seleccionadas pelos jornalistas?»

Responder a estas e muitas outras questões é o objectivo do livro A Fonte não quis revelar, de Rogério Santos, doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa e docente de Comunicação na Universidade Católica Portuguesa. Por 242 páginas o leitor é convidado a seguir o percurso da construção da notícia, a apreender as relações entre jornalistas e fontes de informação. Na vertigem das sociedades da comunicação, com a notícia procurada e metamorfoseada a cada instante, o livro vem lançar alguma luz sobre o «jogo informativo» de que todos fazemos parte.

Na introdução, o autor adverte que grande parte da pesquisa compreendida no texto foi base para a sua tese de doutoramento sobre como o HIV-AIDS foi abordado pelos media portugueses. A investigação apoiou-se, ainda na Sociologia do jornalismo, com recurso a vários autores, pelo que no final é apresentada uma extensa lista de Bibliografia consultada.
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A «dança guerreira» no acesso à informação
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Diz-nos o autor que lendo-se conveniente e atentamente uma notícia, ela revela uma «dança de lances de jogo e negociação» entre o jornalista que a produziu e a fonte de informação que a promoveu. Comparando-se a um jogo de xadrez onde existem regras definidoras e regras estratégicas, é-nos explicado que a complexidade aumenta conforme o número de «entrantes» no jogo e há que contar com «fontes políticas, judiciais, científicas e outras, jornalistas, e os vários meios noticiosos em concorrência, e a opinião pública», que o texto explica desta forma:

«A relação entre jornalista e fonte de informação, para além de usar regras definidoras – rigor na informação, rapidez na prestação da informação, enquadramentos adequados dos acontecimentos, colaboração ou desconfiança mútua –, emprega as regras estratégicas do jogo – necessidades concorrentes de publicitar o acontecimento de uma fonte de informação e do jornalista obter uma informação nova ou exclusivo. Mas não existe uma determinação prévia onde está o poder, ou quem controla o conhecimento num dado momento. O jogo é, em simultâneo, desempenhado por vários intervenientes, que escrutinam o poder, as forças e a influencia dos adversários, para fazerem os seus lances.

A disputa de recursos disponíveis implica a luta e negociação sobre os acontecimentos importantes ou relevantes. Assim, a luta ou troca de informação regista-se não entre um jornalista e uma fonte de informação, mas numa multiplicidade de agentes sociais, que incluem jornalistas, meios noticiosos, fontes de informação e a sociedade no seu todo.».

Mais: diz-nos o autor que neste jogo de influência e conflito entre jornalistas e fontes, «cada uma das partes cria uma agenda de temas e tenta influenciá-la». Assim, refere-se, «jornalistas e fontes de informação procuram protagonizar o jogo, mas sabem que são usados pelos outros agentes sociais. Trata-se de uma dança ou simbiose guerreira entre o que se sabe e o que não se sabe, entre o que se disponibiliza e se esconde».

Neste jogo ou dança ou arena de luta, onde coabitam o segredo, a confidência, a censura e a publicidade, o autor adverte para o carácter pernicioso de fontes e jornalistas que põe em relevo uma multiplicidade de interesses: «as fontes de menores recursos apostam na intriga, desvendam as rivalidades de organizações maiores»; «fontes rivais através de fugas de informação ou balões de ensaio, boicotam os projectos das organizações a que pertencem» e, «graças a redes de contactos informais com jornalistas», veiculam os seus interesses que servem também os objectivos dos jornalistas sedentos de novas notícias.

A fonte não quis revelar, Rogério Santos, Editorial Campo das Letras, Porto, Junho de 2006

© Teresa Sá Couto

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Prémio de Literatura Casa da América Latina / Banif para Helder Moura Pereira


Hélder Moura Pereira venceu o Prémio de Literatura Casa da América Latina (CdAL) / Banco Internacional do Funchal (Banif), pela tradução do romance O Inútil da Família, do autor chileno Jorge Edwards. O romance foi editado pela Assírio & Alvim, em 2008.

A edição de 2009 do prémio que visou distinguir a melhor tradução literária de obras latino-americanas, publicadas em Portugal em 2007 e 2008, no valor de 7.500 euros, teve a unanimidade do júri. O Prémio será entregue dia 16 de Setembro, às 18:30, na CdAL.
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É, pois, mais um Prémio para a prestigiada Assírio & Alvim e para Helder Moura Pereira; recorde-se que o autor, enquanto poeta, venceu o Prémio Pen Clube 2008 de Poesia com a obra Segredos do Reino Animal, editada em 2007, também pela Assírio.

António José Telo vence Prémio John dos Passos

O Historiador e professor catedrático António José Telo acaba de vencer o Prémio John dos Passos, no valor de 2500 euros, atribuído pela Câmara Municipal de Ponta do Sol (Madeira), pela obra História Contemporânea de Portugal – do 25 de Abril à Actualidade, de dois volumes, editada pela Presença. Quando foi lançado o primeiro volume, em Março de 2007, elaborei um texto que agora aqui recupero.

História dos nossos 30 anos de democracia

Em Portugal, é o poder que cria os partidos e não o contrário, como é normal noutras sociedades, escreve o historiador António José Telo, referindo-se à criação de partidos que representassem a direita portuguesa logo após a Revolução do 25 de Abril. Argumenta que, por cá, fugindo à denominação maldita, os partidos que vingaram legalmente sentiram a «necessidade de colocar o “social” ou o “socialismo” no nome».

A falta de dirigentes conhecidos, a inacessibilidade aos órgãos de informação, a falta de representatividade nos órgãos do povo e a falta de financiamento privado e apoio internacional – «quem tinha dinheiro para investir na política (…) preferia fazê-lo em quem lhe dava alguma garantia de vir a ser poder a curto prazo» – levou a que as organizações assumidas de direita fossem «pulverizadas».

Respondendo à urgência de se coligir o material histórico e a necessidade de o explicar, António José Telo brinda-nos com o História Contemporânea de Portugal – do 25 de Abril à Actualidade, o primeiro de dois volumes que interpretam a história recente da nossa vivência em democracia. Neste primeiro tomo explana-se desde a Revolução do 25 de Abril até 1985; o segundo volume cobre o período entre 1986 e a actualidade, contemplando, ainda, a descolonização e a adesão de Portugal à União Europeia.

António José Telo, Professor catedrático de História na Academia Militar e autor de uma vasta obra no campo da História, Defesa e Relações Internacionais, refere no prefácio as dificuldades de escrever a História dum período recente: «Temos acesso à selva da informação tornada pública no dia-a-dia em infindável quantidade, mas muito duvidosa na sua verdade e que tende a asfixiar pela mera quantidade».

Com a «informação sobre a espuma das coisas» interpelada e com recurso a todo o tipo de fontes e testemunhos, desenvolve-se uma «obra que pretende ser uma fonte fidedigna de época». Este primeiro tomo tem 400 páginas para cinco capítulos que organizam criteriosamente a informação. Os títulos e subtítulos conferem-lhe um fácil manuseio e as explicações apresentadas pelo autor possibilitam uma interacção do leitor com a sua História. Ao longo do texto apresentam-se janelas e quadros explicativos com transcrições de documentos, declarações e factos como surgiram a público, composição dos diversos governos constitucionais, resultados de eleições para a Presidência da República; incluem-se ainda gráficos com dados sobre censos, educação e saúde.

O primeiro capítulo versa «O 25 de Abril e o novo poder», as novas organizações políticas numa conjuntura conturbada, própria do renascimento de um país. No segundo capítulo apresenta-se «A deriva comunista – Outubro de 1974 a Novembro de 1975». O terceiro capítulo é dedicado à «Consolidação na instabilidade», analisando-se «a violência remanescente», as novas estratégias dos Partidos Políticos com poder, o nascimento da AD, os realinhamentos partidários e a adesão à CEE. O quarto capítulo aborda «Uma economia à procura de uma estratégia», explanando-se impasses, crises e modulações várias. No quinto capítulo, apresenta-se o estudo sobre «Sociedade e Mentalidades – 1974-2006», analisando-se explicativamente as mudanças: «de emigrantes a imigrantes?», a nova família e o papel da mulher, o ensino, a saúde, a segurança social, a habitação, a Cultura e o lazer, entre outros assuntos.

Saber a História para interpretar o presente

Numa breve entrevista ao JL (Jornal de Letras), António José Telo referiu que escrever esta História mudou a sua «perspectiva sobre a evolução de fundo no Portugal nos últimos tempos». Comprovando-se que, como referiu, «a História ajuda a ver um pouco mais longe», no terceiro capítulo, ao abordar-se o «o fim de uma fase», com as eleições de Outubro de 1985, depois do Verão Quente, a assinalarem uma nova etapa na democracia portuguesa, lê-se:

«A instabilidade política de 1975/1985 tinha sido em larga medida uma herança do espírito do PREC de 1974/1975. A deriva comunista terminou com o 25 de Novembro, mas os seus efeitos nas mentalidades perduraram. Estava enraizada numa parte substancial da população a ideia consagrada na Constituição de que não se podia abrir mão da “conquistas irreversíveis» e que se caminhava para o socialismo, com tudo o que isso implicava(…)
Quando começaram as políticas de austeridade que obrigavam a apertar o cinto, a reacção geral foi fortemente negativa e contestatária. (…) A mais pequena tentativa de diminuir os poderes do imenso Estado levantava um coro de protestos de várias origens, com o fogo cruzado que partia da oposição, do Presidente da República, do Conselho da Revolução e da Rua.
(…) O Estado não só mantinha a sua esfera de acção consagrada no PREC, como alargava mesmo a outras funções, onde se destacavam o Serviço Nacional de Saúde, o aumento da segurança social e do ensino obrigatório e gratuito (teoricamente). (…)Era relativamente fácil cair no despesismo, que só tinha um travão eficaz quando surgia a crise de pagamentos internacionais e o FMI aparecia para impor a austeridade, sob pena da bancarrota. (...)
Sá Carneiro procurou desatar o nó górdio do problema em 1980, mas o seu desaparecimento prematuro fez tudo regressar ao mesmo, fossem os governos da AD ou do Bloco Central. Só em 1985 se reuniram as condições para acabar com esta fase. Em larga medida isso deveu-se a um factor externo – a adesão à CEE(...)»
(pp.247,248)

Numa altura em que os nossos governantes reconhecem a necessidade de ser ensinada nas escolas portuguesas a História da jovem democracia e que o que vem a ser ministrado está ao sabor das iniciativas de professores que, colmatando o vazio dos programas ditados pelas tutela, fazem questão de levar aos seus alunos a História recente, esta obra é um contributo inestimável; para nos ensinar a nós, tanto mais que «um terço da população portuguesa nasceu depois da Revolução dos Cravos», e para que possamos ensinar os nossos jovens.

História Contemporânea de Portugal – do 25 de Abril à Actualidade, volume I, António José Telo; Editorial Presença, Lisboa, Março de 2007

© Teresa Sá Couto

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

À procura d’ Os Degraus do Parnaso

Com a morte do filósofo, ensaísta e poeta M.S. Lourenço, no passado dia 01 de Agosto, aos 73 anos, verificou-se uma “procura acentuada” do seu Os Degraus do Parnaso, edição integral pela Assírio&Alvim em 2002, o que terá levado a que a obra “esgotasse”, segundo dito em algumas livrarias de Lisboa a leitores deste blogue. Ora, esta informação é errada. Confirmado por mim, os livros estão sossegados nas prateleiras da Assírio à espera de leitores que os mereçam.
Excelente notícia é também a que nos dá conta que a Assírio vai editar, ainda este ano, a obra poético-literária reunida de M.S. Lourenço, com o título O Caminho dos Pisões.

M.S. Lourenço estreou-se com poesia em O Desequilibrista (1961, Moraes editores). Também pela Moraes, seguiram-se O Doge (1963) - romance miniatural que conheceu uma 2ªedição revista e aumentada pela Fenda, em 1998 -, Arte Combinatória (1971) e Wytham Abbey (1974). Também em poesia, a Perspectivas e Realidades publicou Pássaro Paradípsico (1979) e a Assírio&Alvim editou Nada Brahma (1991).
No campo da Filosofia, como bem lembrado na caixa de comentários em baixo, M.S. Lourenço é autor de A Espontaneidade da Razão, editado pela INCM e Teoria Clássica da Dedução, pela Assírio&Alvim (como se verifica no link em M.S.Lourenço) além de ter traduzido o Tratado Lógico-Filosófico e as Investigações Filosóficas de Ludwig Wittgenstein, pela Fundação Gulbenkian.

O aclamado Os Degraus do Parnaso, Prémio D. Diniz da Fundação da Casa de Mateus, colige ensaios literários que M.S. Lourenço editou no jornal O Independente. Teve a 1ªedição pelas Edições O Independente, em 1991, para ressurgir na edição imperdível que aqui se referencia.
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Extracto do texto Genius Loci:
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«[…]Em contraste com Fernando Pessoa, a minha pátria não é a língua portuguesa mas antes o Latim de são Jerónimo, conhecido por Vulgata, o nome com que se designa a sua tradução da Bíblia. Mas de todas as línguas românicas a portuguesa é a que mais se assemelha ao Latim de São Jerónimo. O leitor da sua tradução do Novo Testamento não cessa nunca de se admirar perante a miraculosa congruência entre ritmo, o vocabulário e a sintaxe da frase da Vulgata, em formulações como
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Maria conservábat ómnia verba haec,
Cónferens in corde suo

E a correspondente frase portuguesa
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Maria conservava todas estas palavras,
Conferindo-as no seu coração.
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Ambas as línguas conseguem exprimir a mesma interioridade meditativa mas lúcida do acto de conservar palavras para depois as conferir.

Assim é-se forçado a concluir que a atitude tomada pelos portugueses perante o seu património é de tipo ingénuo ou naïf, não estando assim em condições de opor à incultura da civilização pós-industrial os frutos da sua história linguística e cultural, não se distinguindo assim dos chamados povos primitivos, já referidos acima, estudados pela etnomusicologia.
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Os factores que determinaram uma sociedade, com quase novecentos anos, a possuir um tipo de consciência an-histórica são essencialmente dois. O primeiro é, ao longo de toda a história nacional, a inexistência, do ponto de vista da cultura, de uma classe social que a represente. A incultura em Portugal nunca esteve nem está associada a uma única classe social. A incultura é uma característica comum que une todas as classes sociais portuguesas, quer estas sejam definidas a partir do privilégio do nascimento quer a partir do privilégio do poder económico. Enquanto que no resto da Europa a cultura foi inicialmente um predicado da Coroa e depois, mais tarde, dos empresários, em Portugal a nobreza primeiro e os empresários depois nunca tiveram, nem têm ainda hoje, necessidades de cultura. É por isso que os portugueses, ricos e pobres, nobres, burgueses ou proletários não tiveram nunca, e assim não têm hoje, a paisagem, a arquitectura, os museus, as bibliotecas, e as orquestras que têm as outras nações europeias com a mesma longa história.
O segundo factor diz respeito à apropriação do poder económico e cultural pelos empresários, após o triunfo da primeira revolução industrial. Como disse atrás só nesta altura foi proposto o conceito de Estado de Cultura, com o fim de prover à realização de uma política de cultura nacional, a qual incluía a definição, o tratamento e a conservação de todo o elenco do património cultural. Em Portugal a inexistência da nobreza como classe de cultura e o aparecimento tardio de uma classe empresarial, mas de origem proletária, tornaram impossível a realização de uma tal política.
Assim, Portugal está na situação da princesa da ópera Ariana em Naxos: a nós também só nos resta esperar pelo dia em que Bachus desça e anule o desfavorável oráculo que paira sobre a nossa cultura.». p.p.141, 142, 143.