domingo, 28 de agosto de 2011

Hariemuj


                               
É sempre o fascínio dos livros e da sua edição. Enquanto uns deixam cair as suas editoras, outros enchem-se de coragem e iniciam a teia. Hariemuj é uma pequena e novíssima editora dirigida pela escritora Maria Quintans e pelo advogado Vítor Marques da Cruz. Na direcção de arte, a dupla conta com o paginador, designer e Arte-Finalista João Mota. Ver a página Aqui.

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O trabalho de equipa em prol da cultura não é novidade para Maria Quintans, que há muito nos habituou ao empenho e mérito dos seus gestos. Recordo que ela dirige, com João Concha e Ana Lacerda, a revista Inútil, projecto  experimental que une literatura, fotografia e ilustração. De periodicidade quadrimestral, e com três números temáticos  publicados até ao momento, a revista é um encontro de gerações de artistas, de estilos e sensibilidades diversas,  e tem dado visibilidade a novos autores, argumentos que lhe conferem um papel importante no débil e desapoiado panorama cultural português.


Em 2008, Maria Quintans publicou, pela Papiro, o pequeno grande livro de poesia Apoplexia da Ideia, que une as talentosas ilustrações de João Concha à sua escrita original, a um mesmo tempo delicada e enérgica, lúcida e encantatória, secreta e reveladora, características que se reconhecem no livro de prosa poética Chama-me Constança, publicado no final de 2010 pela editora Salamandra. Ambos os livros estão disponíveis no mercado.

A editora Hariemuj vai constar, a partir de agora nesta página, na coluna das editoras, à esquerda, onde estão também editoras já desaparecidas e que tiveram grande importância na divulgação do livro em Portugal; afinal, a história do livro faz-se de perdas e alentos.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

25 anos sem O'Neill


Alexandre O'Neill foi um dos grandes poetas portugueses. Lê-lo é também entender a falta que ele nos faz.
Em sua homenagem, e em homenagem à poesia portuguesa, que é dizer a mesma coisa, deixo três textos e a referência ao imprescindível Alexandre O'Neill - Poesias Completas, editado pela Assírio&Alvim, em 2000 (as páginas aqui referidas são as da 5.ª edição, de Maio de 2007).


Resume todas estas sentenças delirantes numa única sentença:
Um escritor deve poder mostrar sempre a língua portuguesa. (p.370)

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Não te ataques com os atacadores dos outros.
Deixa a cada sapato a sua marcha e a sua direcção.
O mesmo deves fazer com os açaimos.

E com os botões.
(p. 368)


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Bicicleta

O meu marido saiu de casa no dia
25 de Janeiro. Levava uma bicicleta
a pedais, caixa de ferramenta de pedreiro,
vestia calças azuis de zuarte, camisa verde,
blusão cinzento, tipo militar, e calçava
botas de borracha e tinha chapéu cinzento
e levava na bicicleta um saco com uma manta
e uma pele de ovelha, um fogão a petróleo
e uma panela de esmalte azul.
Como não tive mais notícias, espero o pior.
(p.417)


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

José Rodrigues, o feitiço da luz (fotografia)


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Fotógrafo amador, que ocupa as horas vagas com a arte do olhar, José Rodrigues surge-nos finalmente em livro e exposição: .a des.crever esta língua que me é mar: , com chancela da Câmara Municipal de Cascais, será apresentado no dia 30 de Agosto, às 18 horas, no Centro de Interpretação Ambiental, situado no majestoso lugar da Ponta do Sal, em São Pedro do Estoril; as 53 fotografias são acompanhadas por textos de Isabel Mendes Ferreira e prefácio de José Pires F.
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No ensejo do lançamento, outro aplauso: é inaugurada a exposição Marés, organizada pela Agência Cascais Atlântico. A exposição ficará patente até ao dia 22 de Setembro, com fotos em loop contínuo, em painéis electrostáticos, e outras reproduzidas em painéis suspensos (conforme maquete da exposição, em baixo, imagem gentilmente cedida por José Rodrigues).
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São deste esmalte /os olhos de Afrodite. É deste /mar e deste céu /a carne palpitante/ da beleza, escreveu o poeta Albano Martins no poema Golfo Sarónico. É a carne palpitante da beleza que José Rodrigues fabrica na sua câmara escura, uma carne poética, depurada, de beleza avassaladora.

No impulso criador, está a luz. É pela luz que o fotógrafo calcorreia a orla marítima, e é com ela que decanta a realidade. Perseguindo-a, o fotógrafo posiciona-se muitas vezes rente aos elementos procurando-lhes a essência que a luz lhes dá, as formas que ele há-de perscrutar, interpretar e registar com o olho da objectiva prenhe de subjectividade: os labores de água, luz e vento, linhas sinuosas, símbolos quase hieroglíficos, figuras de uma mágica encenação, tudo enigmas escritos a sal no silêncio da areia.

É uma luz transgressora que confere tridimensionalidade à superfície plana dos fotogramas, tira densidade ao real, dissolve-o numa aproximação ao surreal, em aventura pelo domínio do maravilhoso e do sonho. E a dureza da pedra surge-nos com a leveza do ar, a luz abre fendas nas rochas à procura de sentidos, o mar prateado extasia-se na areia ou, exausto, entrega-se-lhe como sangue de sacrifício.

É a luz que esculpe planos gerais e grandes planos ora com dinamismo abrupto e inesperado, ora com placidez e quietude místicas, mas sempre em discursos sobre o efémero e o transitório. É, ainda, o discurso da espera de José Rodrigues na sua paciente missão de topógrafo dos diálogos íntimos e secretos.

Enquanto se espera pelo livro e pela exposição, temos ao nosso dispor as duas páginas de José Rodrigues, onde corre o deslumbramento: