sábado, 31 de janeiro de 2009

Hipnotismos de Paulinho Assunção

Titula-se «O Hipnotizador», é escrito por Paulinho Assunção e vem do Brasil. Mesmo os resistentes à Literatura Brasileira, que não lhe divisam o «português açucarado», mas sim um ruído da língua de Camões, encontram na escrita deste autor uma expressão linguística espantosamente depurada a enformar uma prosa poética singular e hipnótica.

Repleta de personagens fantásticas, esta é uma narrativa sobre a demanda da escrita, a investigação do próprio caminho e da emoção da caminhada, por luz e trevas da cidade de Ouro Preto, aqui homenageada, para atingir o mundo todo. São mil e uma histórias inebriantes feitas de caminhada em caminhada, a bordo de letras andarilhas, com palavras que pedem palavras, «acasos dispersos que entram em convergência». «E não é saboroso esse exercício de pôr em andaimes as construções feitas de vento?», pergunta o narrador ao leitor sabendo que, rejubilante, este aplaudirá, aparelhado para a soberba viagem.

O narrador, Ferdinando Flauta Mágica, é um viajante que andou por muitos «mundos e caminhos em busca das chamadas coisas inacreditáveis. Ou improváveis. Ou duvidáveis.». Um nome misterioso de quem já teve «centenas de nomes» pela vida fora: nomes de «guerra» e de «paz», nomes «claros» e «escuros», nomes «oceânicos», esquisitos, ciciantes e murmurantes. O que viu «transborda de uma vida e vai preencher outras vidas mais», entenda-se, a de todos quantos lerem este excelso Diário de Viagem. O enredo desenvolve-se pela «dádiva de um chamado», refere o misterioso narrador, numa altura em que já é impossível abandonar a narrativa: um «convite para um encontro com o mistério do meu nome», eis o «tema desta história que, toscamente, e com a respiração desgovernada, eu conto a você, leitor, e a você, leitora.».

E tem o leitor em 109 páginas uma prosa límpida e alada, visual, musical e de odor inebriante, consequência de uma cabeça de viajante: «sempre desembestada e sem rédeas: basta um descuido e ela muda de trilhas. Basta um descuido e ela vai daqui para acolá, livre, sem freios. Essa é a dívida que pago por ser amante das histórias e das peripécias. Um homem como eu, um homem assim da minha espécie, está condenado a trilhar sem bússolas os caminhos feitos de pedra e os caminhos feitos de nuvens».

A «Sociedade de Contadores de histórias»

Tudo se passa «numa certa noite de Inverno», «num dos lugares mais misteriosos da cidade de Ouro Preto», onde o narrador acaba de chegar, vindo de muitas partes do mundo para as ceder àquele local. O desafio é conhecer a Cidade-Baixa, os subterrâneos de Ouro Preto, «lugarejos secretos» que Flauta Mágica – o que viaja de recordações e é «residente das lembranças» – assemelha aos que há sob Praga, Munique, Buenos Aires, Porto, e o «leme da imaginação» leva-o pela Grécia, Hungria, savanas africanas, ao interior de mosteiros espanhóis, à «meditação nas altas montanhas da Indochina». Assim se faz uma história sobre as peregrinações pelo mundo em busca de histórias. E assim se leva o mundo a uma pequena cidade transformando-a numa cidade do mundo.

A Ferdinando Flauta Mágica vão-se juntando outras tantas personagens surpreendentes para uma jornada de convívio com a «Sociedade de Contadores de Histórias»: entre muitos outros, estão Língua-Solta, homem de «rosto ameno e pacífico», apesar da «cicatriz em forma de lua minguante» a cortar-lhe a face, «olhos cor de pedra-sabão» e que, «embora seu nome indicasse o posto, parecia tudo fazer e tudo dizer com a língua guardada»; Centauro Veloz, um velhinho «galante e com nariz para o alto» que em jovem fora mordomo de dois governadores de Minas Gerais e com elegância segurava as tochas que iluminavam a caminhada «rumo às profundezas de Ouro Preto»; Jerónimo, um cego que sonhava com o fogo, e que o narrador imagina que tivesse asas, «as asas talvez de um anjo, talvez as asas de uma ave cuja espécie jamais conheceremos»; António-das-Hipérboles, homem «especialista em exagerar os factos do mundo» ; João Codax, um sineiro aposentado, com novas grandes missões; Maga Romena, especialista em dragões e conhecedora de todas as suas histórias «já escritas ou inventadas pelo mundo afora»; Nancy Cairo, «uma perfumista, fabricante de fragrâncias, inventora de odores, arquitecta de cheiros»; Magóia Coromande, uma detective que investiga o roubo das ossadas do «Hipnotizador» patrono da Petúnia Negra, organização dedicada aos estudos da hipnose, mas que é disputado por outra sociedade rival que o quer para patrono do seu mundo com grandes bibliotecas de ficção.

Todos percorrem os subterrâneos de Ouro Preto, rumam ao Salão das Histórias de Suspense, ao Salão das Histórias Intermináveis, ao Salão das Histórias Policiais, pelos corredores labirínticos onde a magia da imaginação acontece.

«O coração de um homem que acredita em fábulas é um coração destinado aos sobressaltos, aos disparos incontroláveis.» Por mais viajado que fosse Flauta Mágica, esperava-o o inesperado. Por mais livros que um leitor tenha lido, é o sobressalto, o espanto da leitura que ele procura. E, claro, o hipnotismo. Tudo está neste livro de Paulinho Assunção: «Ah, os filósofos. E os poetas. E os loucos. E as crianças. As mulheres apaixonadas. E os sem eira nem beira pelo morro abaixo das fantasias.».

O Hipnotizador, Paulinho Assunção; Editorial Campo das Letras, Porto, Fevereiro 2008

© Teresa Sá Couto

Poesia da angolana Ana Paula Tavares

Segundo um dito umbundu, «Um cesto faz-se de muitos fios». Também uma teia. Teia é o poema fabricado pelos fios das palavras que lhe tecem, minuciosos, o corpo. Assim é a poesia de Ana Paula Tavares, voz depurada da Literatura Africana de Expressão Portuguesa. Manual para Amantes Desesperados, livro editado em 2007 e Ritos de Passagem, o título inaugural da autora, reeditado no ano passado, são duas urdiduras poéticas que motivam este texto.

Em Manual para Amantes Desesperados, a teia que a poeta tece é feita de fogo e sede, de areia e vento, de sangue e febre, de sons e de segredos. Tecedeira exímia, a poeta mostra que é oriunda de um lugar onde «há pedras antigas /gastas das mãos das mulheres /que inventam a farinha de levedar /os dias». Ela conhece os segredos do canto de triste vida do pássaro bem-te-vi e verte-os num lirismo de feminilidade singular: «Deixa as mãos cegas /Aprender a ler o meu corpo /Que eu ofereço vales /curvas de rio /óleos /Deixa as mãos cegas /Descer o rio /Por montes e vales».

Construída com substantivos genesíacos, a poética da angolana nascida em Lubango, província da Huíla, em 1952, mas a viver em Lisboa, é de fortíssima tessitura feminina em diálogo com o elemento masculino: «Deixa a mão pousada na duna/ Enquanto dura a tempestade de areia/ A sede colherá o mel do corpo/ Renasceremos tranquilos/ De cada morte dos corpos/ Eu em ti/ tu em mim/ O deserto à volta.».

Do lado feminino surgem a areia, a duna, a sede, a tempestade, as tranças, a máscara, a árvore, a febre, a solidão; no outro lado, marcadamente masculino, o chão, o sonho, o navio, pássaros, vento, deserto, gritos, búzios. Todavia, entre os dois, há um rio poético que os separa e a articulação, em versos melódicos e de jorro espontâneo, revela-lhes a dicotomia, em quadros intimistas sobre a condição humana: «Deixa olhar o rei /Mas foi o escravo que chegou /Para me semear o corpo de erva rasteira /Devia sentar-me na cadeira ao lado do rei /Mas foi no chão que deixei a marca do meu corpo /Penteei-me para o rei /Mas foi ao escravo que dei as tranças do meu cabelo».

Numa navegação solitária e desamparada, «Os sonhos são desertos /Com navios encalhados» e dão origem a gritos soterrados: «Os gritos em feixe /dentro de mim». Gritos soterrados sim, mas tornados estrídulos no silêncio da poesia: «Navego uma solidão de búzios /No mar verde de canela e açafrão// Meu coração é um lago /Por onde deslizou a vida /sem flores /Sem nenúfares». E «Ficam os sonhos a voar /Pássaros na boca do vento», e nesta poesia.

Com escrita ritualística, pejada de sonoplastias que agitam os sentidos, o pequeno livro solta os cantos do cuco, da cotovia, do bem-te-vi que articula, pungente, as três sílabas tradicionais do seu nome. Sem dúvida, um abraço lusófono de quem o explica assim:

De onde eu venho nascem os rios /nos nervos da terra /correm certos para o mar ou /perdem-se noutros lugares do tempo /sem que ninguém /os detenha / /Venho de muitos rios e um só mar /o Atlântico /suas cores secretas /a música erudita da praia /a espuma lenta das redes /de onde eu venho há lá e cá.

Ouvem-se também os tambores da mãe África, nas cerimónias ancestrais de iniciação onde a mulher jovem recebia a máscara Pwo, com lágrimas entalhadas abaixo dos olhos numa expressão dolorosa de perda, também simbologia de morte e renascimento. A consagração desta mulher ancestral, no enredo doloroso da sociedade colonial, encontra na palavra poética de Ana Paula Tavares o seu templo de modernidade:

Debaixo da árvore da febre /perdi a máscara Pwo /as pulseiras pesadas /da família / /Vesti o pano de noivar /os colares de missangas /e fiz de novo as tranças. /Preparada para o tempo /caminhei sobre as marcas de sangue /deitei-me /debaixo da árvore da febre//A mulher do mercado trouxe a pemba /traçou a minha testa e /as mãos /O velho soldado /entrançou-me as pernas de histórias e confusão /…/Debaixo da árvore da febre /ardo devagarinho /sem as palavras/ o silêncio /os óleos de protecção /os cantos de atravessar desertos /o fogo sagrado dos antepassados. / Viram a minha máscara Pwo?

Ritos de Passagem

«Dactilas-me o corpo / de A a Z / e reconstróis / asas / seda/ puro espanto /por debaixo das mãos /enquanto abertas /aparecem, pequenas/ as cicatrizes», escreveu a autora no poema Alfabeto, em Ritos de Passagem, o seu primeiro livro de poesia, editado em Angola, em 1985; nascia, então, a poeta e colonizava-se a literatura lusófona.

Ao todo, são vinte e quatro poemas dispostos em três partes («De cheiro macio ao tacto», «Navegação circular» e «Cerimónias de passagem»), ou três «andamentos», como diz Inocência Mata no Prefácio, aludindo às etapas do processo de aprendizagem do Eu poético nesta cerimónia vocabular iniciática.

Feminina, confundindo-se com a terra e a nação, nas quais se prolonga e se explica, a poesia de Ana Paula Tavares tece-se nos anseios primordiais. Nos frutos, quase todos de África, numa sequência de poemas, a autora desvela, com depuração, o mistério feminino. Assim surge a «abóbora menina», com as fases da preparação da mulher («folhinhas verdes/ flor amarela/ ventre redondo»), primeiro menina, «de segredos bem escondidos», depois adolescente, «procurando ser terra», e depois fêmea fecunda que espera que «nela desaguam todos os rapazes»; assim irrompe o erotismo do Mamão, que, cortado longitudinalmente, mostra a carne rosada e húmida, declara a metáfora do desejo e do prazer, a «Frágil vagina semeada /pronta, útil, semanal», onde se formam as ânsias, «se alargam as sedes» e «no meio cresce / insondável / o vazio…».

No poema «Colheitas», traça-se o percurso da mulher em paralelo com o da natureza, com os círculos que completam sobre si mesmas, a natureza por anos de sementeira, a mulher pelos vinte e oito dias do seu ciclo menstrual: «uma viagem /nasce-se, brota-se do chão /e dez anos depois o primeiro / forma-se espera e cai / por gravidade / ao vigésimo oitavo dia».

Noutro poema, a mulher surge fragmentada no seu ser e na sua condição, mas também reivindicando a sua unicidade, a sua utopia, o desejo de libertação; é a mulher confrontada com os seus limites, mas também confrontada com o apelo fundo para os ultrapassar e a vontade de dar conta disso a todas as mulheres:

Desossaste-me
cuidadosamente
inscrevendo-me
no teu universo
como uma ferida
uma prótese perfeita
maldita necessária
conduziste todas as minhas veias
para que desaguassem
nas tuas
sem remédio
meio pulmão respira em ti
o outro, que me lembre
mal existe
Hoje levantei-me cedo
pintei de tacula e água fria
o corpo aceso
não bato a manteiga
não ponho o cinto
VOU
para o sul saltar o cercado

Editados pela Editorial Caminho, que há muito dá voz às Literaturas de Expressão Portuguesa, os dois pequenos e preciosos livros estão disponíveis com capas belíssimas de Luandino Vieira. Em Ritos de Passagem – na reedição do ano passado –, surgem ilustrações impressivas de Luandino Vieira, também no interior; é uma leitura cromática, a manchas de café, tinta-da-china, sensualidade e erotismo, comprovando-se que o escritor angolano é um dos cativos dos ritos da autora de Manual para Amantes Desesperados.

Paula Tavares, Manual para Amantes Desesperados, Editorial Caminho, 2007 e Ritos de Passagem, Editorial Caminho, 2007

*Texto publicado no sítio da Orgia Literária em 30.01.2009)
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© Teresa Sá Couto

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Ímpetos de amor em «Os Versos do Capitão»

«Os Versos do Capitão» de Pablo Neruda é um livro pleno de «arrebatamentos de amor e fúria» que se manteve durante bastante tempo no anonimato. Finalmente reconhecido pelo autor e editado, o livro caminhou sozinho, reconhecendo o autor e reconhecendo talvez o único português que o poderia traduzir: o poeta Albano Martins. Lançado entre nós pela Campo das Letras, em 1996, a obra está já na sua 11ª edição.

«Os versos do Capitão», no original Los versos del capitan, foi publicado em 1952, e traduzido por Albano Martins em 1996. Na imensa obra do poeta chileno, estes poemas são considerados um “Intervalo lírico e íntimo”, embora com a mesma intensidade dos Veinte poemas de amor e una canción desesperada. Na representação que aqui deixo parece-me ser essa marca evidente. Tal como o é a sua história de amor, que pode ser de qualquer um de nós, ou como o próprio afirma: «Ai, vida minha, / entre nós não arde só o fogo, / mas a vida toda, / a história simples, /o simples amor / duma mulher e dum homem / parecidos com todos».

Sensuais e sanguíneos, os versos revelam-nos o poeta como oleiro do amor e da palavra. E espelham-nos a nós, que no próprio barro esculpimos a essência e o sentido da vida: «Há em todo o teu corpo /uma taça ou doçura a mim destinada // como se te houvessem, meu amor, feito de argila /para as minhas mãos de oleiro. /Os teus joelhos, os teus seios, / a tua cintura, /faltam em mim como no côncavo /duma terra sedenta /a que retiraram /uma forma /e, juntos, / estamos completos como um só rio, /como um só areal.».

A mulher é o barro com que o homem se molda

Nesta “história” íntima do poeta ou, simplesmente, do homem e da mulher, a fêmea amada é a Rainha proclamada, a desejada, a única, a que concentra todo o frémito e razão de vida do sujeito poético:«Proclamei-te rainha. /Há-as mais altas do que tu, mais altas. /Há-as mais puras do que tu, mais puras. /Há-as mais belas do que tu, mais belas. /Mas tu és a rainha. //E, quando surges, /todos os rios marulham /no meu corpo, os sinos/ abalam o céu, /e um hino enche o mundo. /Apenas tu e eu, /apenas tu e eu, meu amor, /o escutamos.».

Os pés e as mãos surgem não só como elos tácteis, sensuais e eróticos, mas também ao serviço de razões místicas e arroubos espirituais de paixão: «Mas se amo os teus pés /é só porque andaram /sobre a terra e sobre/ o vento e sobre a água, /até me encontrarem.».

Com as suas mãos, o poeta perscruta o corpo da amada, como um mapa infinito: «Vês estas mãos? Mediram / a terra, separaram / os minerais e os cereais, / fizeram a paz e a guerra, / derrubaram as distâncias / de todos os mares e rios / e, no entanto, / quando te percorrem / a ti, pequena, / grão de trigo, calhandra, / não conseguem abarcar-te // Nesse território, / desde os pés à fronte, / andando, andando, andando, /passarei a vida.».

Com «As tuas mãos», as mãos da amada, cumpre-se um destino: «e quando puseste /as mãos no meu peito, /reconheci essas asas / de pomba dourada, / reconheci essa greda / e essa cor de trigo. / Passei os anos/ da minha vida a procurá-las. / Subi as escadas, /atravessei os recifes, /levaram-me os comboios, / as águas me trouxeram, / e na pela das uvas /imaginei tocar-te. / De repente a madeira /trouxe-me o teu contacto. / As amêndoas anunciavam-me /a tua secreta doçura, até que as tuas mãos / em meu peito se fecharam / e ali como duas asas / terminaram a viagem.».

No singelo e, talvez por isso, magnífico poema «O teu riso» evidencia-se a subjugação de amor, mas com a felicidade que só os amantes entendem:

«Tira-me o pão, se quiseres, /tira-me o ar, mas não / me tires o teu riso. Não me tires a rosa, /a lança que desfolhas, / a água que de súbito / brota da tua alegria, /a repentina onda de prata que em ti nasce. / A minha luta é dura e regresso /com olhos cansados /às vezes por ver /que a terra não muda, /mas ao entrar teu riso /sobe ao céu a procurar-me/ e abre-me todas/ as portas da minha vida. // Ri-te da noite, /do dia, da lua, /ri-te das ruas / tortas da ilha, / ri-te deste grosseiro /rapaz que te ama, / mas quando abro / os olhos e os fecho, /quando meus passos vão, / quando voltam meus passos; /nega-me o pão, o ar /a luz, a primavera, / mas nunca o teu riso, /porque então morreria.».

Os caminhos e desalinhos do amor

Os amantes são sempre uma Ilha ainda que às vezes fustigada por ventos. A sua perseverança encontra uma linguagem própria para exprimir a sua vontade de isolamento: «O vento é um cavalo:/ ouve como ele corre /pelo mar, pelo céu./ Quer levar-me: escuta / como percorre o mundo / para levar-me para longe. / Esconde-me em teus braços / por esta noite apenas, / enquanto a chuva abre / contra o mar e contra a terra / a sua boca inumerável. // Deixa que o vento corra /coroado de espuma, / que me chame e procure / galopando na sombra, / enquanto eu, submerso / sob os teus grandes olhos, / por esta noite apenas / descansarei, meu amor.».

Em «Ausência» apela-se à espera. E promete-se, em jeito de exigência: «Meu amor, /encontrámo-nos / sedentos e bebemos/ toda a nossa água e o nosso sangue, /encontrámo-nos / com fome / e mordemo-nos / como o fogo morde, / deixando-nos em ferida. / Mas espera-me, / guarda a tua doçura. / Eu te darei também / uma rosa.».

Os Versos do Capitão, Pablo Neruda, tradução para português de Albano Martins; Editora Campo das Letras, Porto

(to Artur)

© Teresa Sá Couto

Feitiço de música e palavras

A poesia e a música nascem do silêncio. Tal como o ser humano. Convocar as duas artes para ajudar no crescimento das crianças é cada vez mais uma missão de todos. «O Segredo Maior – canções a brincar», que nos remete para a construção dos afectos, é um feitiço que forma personalidades da gente de palmo e meio. Um livro com poemas, ilustrações, partituras onde se sonorizam as palavras, e um disco que atesta toda a magia. João Lóio comanda a equipa deste projecto singular. E assim se define a excelência e o espanto por ela.

No poema final, lê-se, e ouve-se, que «o mundo só vai prestar /para nele se viver/ no dia em que a gente ver /um gato maltês casar /com uma alegre andorinha». Acrescento, que o mundo só vai prestar quando todas as nossas crianças forem felizes, mas enquanto houver produtos editorais desta valia, o sonho está mais perto.

Os ATLs, cientes da importância da linguagem poética e musical no desenvolvimento psicossocial dos mais pequenos, desdobram-se em actividades lúdicas. O livro «O Segredo Maior» – também título do projecto musical de João Lóio, já com uns anos, mas aqui com novos suportes – insere-se no apoio a essas actividades dos tempos livres das crianças, destinado a elas, aos pais, professores, educadores, «e a todos aqueles que sintam o desejo de desvendar este segredo», como refere Regina Castro no Prefácio.

Céu, coração e feitiço percorrem todo o trabalho: na polissemia da palavra pelos 17 temas; na polifonia dos sons onde se reconhece música Soul, Funky, Blues, Rock, Pop, Jazz, Música Erudita, Tradicional Portuguesa e até Fado, com orquestrações e interpretações de pasmar, capazes de levar a criança a tomar consciência da linguagem musical, ouvir e diferenciar sons, ritmos e alturas, e percepcionar o diálogo harmónico que se estabelece na diversidade; no cromatismo das ilustrações de Fedra Santos, simples, expressivas e cheias de dinamismo.

O trabalho inicia-se com o tema «canção das perguntas» lançadas ao espaço infinito do pensamento e instiga à descoberta da individualidade e da criatividade: «para onde é que eu vou? /e de onde é que eu vim? /que segredos sem par!.../…/sem começo nem fim /as perguntas, em mim /vão comigo no ar.». Com muitas perguntas “de brincar” edifica-se a coisa mais séria de todas: a personalidade dos pequenos aprendizes que se pareparam para a complexidade do viver. Nesta vertente pedagógica incluo mais cinco temas: «Andorinha do céu» onde se incentiva ao voo: «entre as asas fico bem /entre as asas quero ir /entre as asas quero ir no ar…no mar que me enfeitiçou…»; «Uma joaninha» que «pousa na palma da mão» e no coração, e conta segredos ao ouvido e ao interior da ternura; o tema instrumental «Esquilo», com guitarra, flautim, marimba 1 e 2 e percussão, numa beleza de orquestração que activa sensações mais esconsas, descobertas até ao arrepio; «Meu peixinho vermelho», tema que dá forma à solidão, pois também ele anda só «no meio de tanto mar»: «Andas dum lado pró outro /à procura de quê? /pareces a letra A à procura do Bê.».

É sabido que a educação musical ajuda as crianças a desenvolver o raciocínio lógico-matemático, a memória, a capacidade de concentração, além de desencadear emoções.
No apelo à memória, e à saudade, viaja-se afectuosamente à ruralidade, numa ponte de diálogo intergeracional. São prova disso, os temas: «Falar em pés», com toadas festivas e brincalhonas do circo, onde «um código secreto /é o ideal /para dizer segredos e /coisas que tal»; «Dim-dom», toca o sino; «Eu queria ir ao circo / -Giroflé-flé-flá»; O «Pintainho, pi», de um amarelo «bestial», ao som do "perfeito" rock; o surpreendente «Couves» – onde se “atesta” que com couves se faz caldo-verde, esparregado, um cozido ou um guisado – que nos faz sorrir pela originalidade, alegria e mestria da composição musical.

Finalmente, considero um terceiro e último grupos que reúne temas sobre os afectos e relacionamento com o outro: o soberbo instrumental «Uma viagem sem fim» prepara o tema «Amigo é quem vem /quando alguém o chamar /e traz se é preciso /um sorriso a ajudar /Amigo é quem guarda /o segredo maior /e que nos faz sentir melhor /e que nos faz sentir melhor»; «Mãe, tão boa mãe» é construído por quatro estrofes com repetição das mesmas palavras, provando-se que a palavra mãe, por mais que se diga, jamais se esgota; «Dorme meu lindo amor», canção de embalar tradicional, com a figura da mãe a configurar a protecção e a paz: «sossega o teu pensar /que eu não te deixo sozinha, ó-ó, ó-ó»; «Conta-me um conto», «conta, conta, conta /abracadabra /bruxa malvada/asas morcego /pé de cabra /faz um feitiço /leva sumiço /cruzes e figas /num caniço»; «Valsa, valsinha», um instrumental para soltar as asas adestradas com os voos até esta altura; «O Mundo só vai prestar», tema de música popular brasileira com que termina o trabalho, um final que é, todavia, o início da caminhada, porque o objectivo está definido: procurar ser feliz.

Ficha técnica - CD:
Intérpretes: António Paulo Silva, Ana Luísa Dias de Carvalho, Guilhermino Monteiro, João Lóio e Regina Castro Músicos: Piano - José Sarmento, Guitarra - Carlos Rocha, Contrabaixo - Alberto Jorge, Percussão - Eduardo Lopes, Flauta - Jorge Salgado, Clarinete - Luís Carvalho, Bombardino - Luís Senra, Sintetizador - José Sarmento e João Lóio

O Segredo Maior – canções a brincar (Livro e CD), João Lóio, ilustrações de Fedra Santos; Editorial Campo das Letras, Porto 2006

© Teresa Sá Couto

domingo, 25 de janeiro de 2009

Sousa Mendes – o justo desobediente

A 19 Julho de 1885, em Cabanas de Viriato, nascia Aristides de Sousa Mendes do Amaral Abranches, minutos depois do seu irmão gémeo César. Quatro anos depois nascia Salazar, em Santa Comba Dão. Todos estudaram na Universidade de Coimbra. Os irmãos gémeos seguiram para o mundo em carreira Diplomática. O último ficou por cá a dar tristeza à tristeza dos portugueses e a urdir ferreamente a Ditadura.

«César e Aristides de Sousa de Mendes, António de Oliveira Salazar, todos filhos da Beira Alta, como poderiam eles suspeitar de que iriam estar directamente envolvidos nos acontecimentos tumultuosos e trágicos que marcaram o século XX?».

Admirador do diplomata que, em desobediência justa a Salazar passou cerca de 30 mil vistos, sobretudo a judeus, salvando-os do Holocausto nazi, José-Alain Fralon, jornalista do Le Monde assina um livro admirável, arrebatador e imperdível: Aristides de Sousa Mendes – Um herói português surge para contar com frontalidade e assombro a história do homem que fica inscrito a ouro na História da humanidade.

Lançado em 1999, o livro foi reeditado em 2007, altura em que se sucediam em Portugal homenagens a Sousa Mendes e anunciado o projecto de um Centro de Estudos e Divulgação da vida e obra do cônsul, na cidade da Guarda. Refere o autor que o livro só foi possível com o contributo dos filhos de Sousa Mendes e do neto, António de Moncada que «levanta bem alto o pendão da memória do avô», mas também de muitos outros com valiosos e apaixonados testemunhos, inscritos neste livro em discurso directo.

Nove capítulos, Prólogo, Epílogo e Posfácio enformam esta obra magnética não só pelo conteúdo que desvela, outrossim como o expõe: um percurso total pela vida de Aristides, a família, os deveres, os direitos e as armadilhas da carreira, mostra-se Portugal, as actuações de Salazar, contextualiza-se o país no tempo e no espaço mundial, tudo num discurso vivo, com a objectividade do jornalismo, mas também com o timbre apaixonante de uma escrita literária que contagia e torna adicta a leitura, palavra a palavra até à última pagina. São incluídas algumas fotografias que registam diversas épocas da vida de Aristides. A abrir, um magnífico prólogo solta o fascínio da leitura. Confira-se:

Estavam à espera.
No calor daquele Verão bordalês, esperam milhares deles.
Alguns tinham partido de Paris na véspera. Outros, os que vinham de Riga, de Varsóvia ou de Berlim, havia semanas, longas como meses, que tinham começado a trilhar os caminhos do êxodo. Todos fugiam dos bárbaros, cuja sombra se estava a projectar sobre toda a Europa. Chamavam-lhes refugiados. Mas agora sabemos que eles tinham sido pura e simplesmente condenados à morte.
Para salvar a vida, cada um tinha apenas de conseguir uma simples assinatura no passaporte.
Mas o único homem que lhes podia apor essa assinatura não estava autorizado a fazê-lo. Porque eles eram judeus, ou polacos, ou apátridas. Ou de “nacionalidade indefinida”. Ou, para usar o termo exacto, indesejáveis.
Quantos homens se teriam limitado a lavar as mãos como Pilatos e a obedecer aos superiores? Não é da minha responsabilidade!
Ele, não.
Chamava-se Aristides de Sousa Mendes.

«Vou salvá-los todos» – a voz da consciência

Conta-se minuciosamente a vertiginosa corrida contra o tempo de Sousa Mendes para assinar os vistos e desobedecer à circular 14 que exigia, «para quase todas os casos, uma autorização, por escrito, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros». A 16 de Junho de 1940, conta o filho Pedro Nuno, Aristides levantou-se sereno e decidido para cumprir os 3 famosos loucos dias de trabalho: «A partir de agora, vou dar vistos a toda a gente, deixou de haver nacionalidades, raças, religiões», terá dito e explicado que fora a «sua consciência ou a de Deus, que lhe ditara a conduta a seguir: «Não posso consentir que todas estas pessoas morram. Muitas delas são judias e a nossa constituição diz claramente que nem a religião, nem as ideias políticas de um estrangeiro podem servir de pretexto para lhe recusar a entrada em Portugal».

Para que o processo fosse mais rápido, «instalou-se uma verdadeira cadeia de montagem»: o rabino Kruger – que se tornaria grande amigo de Aristides – recolhia os passaportes nas filas intermináveis de gente e, «uma vez colocados em cima da secretária, Aristides assinava e josé Seabra apunha o carimbo exigido». Mostra-se como a família terá tentado demover o cônsul, em nome da segurança de todos, até acabar, também ela por ser contaminada pela hercúlea tarefa humanitária e ajudar com dedicação. Esgotado pelo trabalho ininterrupto, Aristides sintetizava progressivamente a assinatura, passando a assinar apenas «Mendes» e «tinha renunciado à tarefa de inscrever no grande registo o nome de todas as pessoas a quem eram concedidos os vistos. “Os vistos foram concedidos fora das horas de expediente”, escreveu mais tarde, para se defender. No dia anterior, já tinha decidido não cobrar as taxas de registo dos vistos. Na guerra não se olha a meios».

Refere-se o episódio do dia 25 de Junho, na fronteira franco-espanhola, quando o cônsul voltava a Portugal: «mandou os refugiados que o rodeavam segurem-no. Conduzia o carro devagar. O estranho cortejo chegou a um pequeno posto fronteiriço, cujos soldados ficaram a olhar para eles, embasbacados. Felizmente não dispunham de telefone, nem tinham ainda recebido as novas instruções de Madrid acerca do encerramento das fronteiras. Sousa Mendes, do alto da sua imponência – e continuava a tê-la, apesar das roupas amarfanhadas, dos sapatos cheios de pó, do rosto cansado, dos cabelos despenteados – disse aos espanhóis: “Sou o cônsul de Portugal, estas pessoas viajam comigo, todas tem os passaportes em boa e devida forma, como podem verificar; sejam então simpáticos e deixem-nos passar”. O incrível aconteceu: passaram.».

Aristides escolhera o seu caminho e a lei de Salazar – Manda quem pode, obedece quem deve – seria obviamente cumprida: Salazar era o que “não perdoava” e Aristides foi exonerado aos cinquenta anos. Sem dinheiro e com uma vasta família para alimentar, morreria na miséria, a 3 de Abril de 1954, vitimado por uma congestão cerebral e uma pneumonia, no local onde nasceu, com ecos da frase de Fernando Pessoa: «Dói-me a cabeça e o universo».

Aristides de Sousa Mendes – Um Herói Português, José-Alain Fralon; Editorial Presença, 2ª edição, Julho 2007

© Teresa Sá Couto

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Obra poética de Eugénio de Castro

Introdutor do Simbolismo em Portugal – a que se juntariam Guerra Junqueiro, o poeta dos oprimidos, o pungente António Nobre, e o magistral Camilo Pessanha –, Eugénio de Castro esculpiu na poesia finissecular a alma portuguesa, crepuscular, cavada por «bastas dores», melancólica e saudosa: «Cada uma das palavras que vais ler /Com olhos de divina claridade, /Leva-te, meu encanto, uma saudade /Mais triste do que as rolas a gemer».

Coligida e publicada no princípio do século XX, a obra poética de Eugénio de Castro (1869-1944), há muito esgotada, regressa aos escaparates, para ventura da Cultura Portuguesa. Patrocinado pela Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas, e com a chancela da Campo das Letras, o presente Tomo III reúne os quinto e sexto volumes das «Obras Poéticas de Eugénio de Castro», numa reprodução fac-similada, com um «texto sem ruído», segundo Vera Vouga, que dirige a edição.

Defendendo que a literatura portuguesa tem duas notas dominantes, a amorosa e a elegíaca, e que «Portugal parece la pátria de los amores tristes y la de los grandes naufrágios», o escritor e filósofo espanhol Miguel de Unamuno analisa o culto da dor, que, refere, «parece ser uno de los sentimientos más característicos de este melancólico y saüdoso Portugal», encontrando-o, acentuado, na obra de Eugénio de Castro.

Debruçando-se sobre o longo poema «Constança», que aborda a morte da infeliz mulher de D. Pedro I, diz ser esta a sua obra mais profundamente portuguesa, «aquella en que su alma ha conseguido vibrar más al unísono con el alma de su pueblo. Parece como si su mano, al escribirla, se hubiese convertido en el arpa eólica de su pueblo, vibrando al soplo del alma de éste», acrescentando:

«Esta figura de Constanza, que llena el más sentido y el más portugués de los poemas de Castro, parece á ratos un símbolo de Portugal mismo, de ese hermosísimo y desgraciado portugal que desde el dia lúgubre de Alcazarquivir parece vivir vagamente sumergido en ensueños de pasadas grandezas».

Nos subterrâneos da alma

Em reacção contra a objectividade e cientifismo do Realismo, os poetas simbolistas procuram novos instrumentos capazes de exprimir o misterioso mundo do Eu, o inferno subterrâneo do ser humano, a voz da ânsia, da dor, do cansaço, do pessimismo: «De cidade em cidade, alcei-me a serras, /E lá de cima, olhando para baixo, /Só vi angústias, ódios, lutas, guerras.».

Na lírica ou na poesia dramática, Eugénio de Castro fez ecoar essa necessidade intestina, através de uma estética de sugestão de estados de alma, radicada no Símbolo, na Parábola, na Alegoria. Corre assim um soneto incluído no «Depois da Ceifa», livro publicado em 1901:

Em que emprego o meu tempo? Vou e venho,
Sem dar conta de mim nem dos pastores,
Que deixam de cantar os seus amores,
Quando passo e lhes mostro a dor que tenho.

É de tristezas o torrão que amanho,
Amasso o negro pão com dissabores,
Em ribeiros de pranto pesco dores,
E guardo de saudades um rebanho.

Meu coração à doce paz resiste,
E, embora fiqueis crendo que motejo,
Alegre vivo por viver tão triste!

Amor se mostra nesta dor que abrigo:
Quero triste viver, pois vos não vejo,
Nem sequer muito ao longe vos lobrigo.

Nota: Sempre com direcção da professora universitária e investigadora Vera Vouga, a Campo das Letras editou em 2001 o Tomo I das «Obras Poéticas de Eugénio de Castro» e, em 2002, o Tomo II.


Obras Poéticas de Eugénio de Castro; Editorial Campo das Letras, Porto, 2007

© Teresa Sá Couto

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Aniversário de Eugénio de Andrade

O poeta Eugénio de Andrade, pseudónimo de José Fontinhas, faria hoje, dia 19 de Janeiro de 2009, 86 anos. Deixou-nos em 2005.

Filho da Beira e seu embaixador, a sua poesia ecoa por todo o mundo Português. Dizia ele que a sua poesia é «o historial de uma grande fidelidade: à terra, à língua, ao calor de alguns encontros afortunados». Direi eu sobre ele que foi assim que nos fidelizou: pela simplicidade solar, pela limpidez e por aquela espécie de música que envolve a sua poesia.

A mãe é, por excelência, a figura central da sua poesia. A mãe e a terra, o que é dizer exactamente o mesmo. O Poeta, esclarece-nos: «O Alentejo é a pátria, a pequena pátria, a pátria "chica" como dizem os espanhóis, porque eu, embora não tenha nascido no Alentejo, nasci naquela parte da Beira Baixa que indubitavelmente o prolonga. É de lá que vêm as imagens arquetípicas da minha poesia, e algumas delas nunca mais se atenuaram. Quero eu dizer: foi com a terra, o vento, a luz, a água, foi sobretudo com minha mãe, que aprendi essas palavras transparentes, cheias de brilhos. (...) Falar da terra ou da mãe é a mesma coisa. Quando digo mãe digo terra, quando digo terra digo mãe. O corpo, esse, é uma explosão: é nele que se dá o encontro com o outro, é a descoberta da razão da vida».

Poeta do Amor e do Erotismo
Sempre ligado à Terra, esse berço da vida, ventre, habitação dos corpos, Eugénio é tido, também, como o Poeta do Amor. O elemento mítico do Fogo, o desejo, a combustão dos corpos, o que ilumina e destrói, surge conjugado com Terra, harmonicamente:

Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um
- Eu vi a terra limpa no teu rosto,
Só no teu rosto e nunca em mais nenhum.

O animar dos corpos confunde-se com a Terra e tudo o que a realiza, numa quente e cúmplice intimidade:

Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
e dei às romãs a cor do lume

***
Húmido de beijos e de lágrimas,
ardor da terra com sabor a mar,
o teu corpo perdia-se no meu.
(Vontade de ser barco ou de cantar.)

A poesia irrompe em harmonia com os outros dois elementos míticos: ÁGUA e AR.
A água é o princípio seminal fértil, a sede, a boca, o erotismo, a fecundação, a palavra, a pureza da criação:

Levar-te à boca,
beber a água mais funda do teu ser
se a luz é tanta,
Como se pode morrer?

O ar é respiração do corpo, o desassossego, mas outrossim, a construção da liberdade e da esperança: «Beber-te a sede e partir / eu sou de tão longe»; «Morre / de ter ousado / na água amar o fogo», ou ainda, «Deixa a mão / caminhar / perder o alento / até onde se não respira».

A palavra certa

Ser-se fiel à palavra é sê-lo à alma. Assim o é a lírica de Eugénio: simples, despojada, um hino de palavras concretas e límpidas.
Diz o poeta sobre a sua relação de fidelidade às palavras: «Não se escreve com emoções; escreve-se com a memória. Como um oleiro, ao trabalhar um vaso, quando escrevo estou só preocupado em transformar essa memória em palavras, em musica. "Sentir, sinta quem lê", como dizia Fernando Pessoa» ; «Quanto a mim, gosto das palavras que sabem a terra, a água, aos frutos de fogo do Verão, aos barcos no vento; gosto das palavras lisas como seixos, rugosas como o pão de centeio. Palavras que cheiram a feno e a poeira, a barro e a limão, a resina e a sol».

Bibliografia: Eugénio de Andrade, As Mãos e os Frutos, Campo das Letras, 1998; Poesia e Prosa, Vol.III. Círculo de Leitores, 1987; Antologia Breve, Fundação Eugénio de Andrade, 1999

nota: este meu texto foi inicialmente editado, com variantes, no site TriploV
.© Teresa Sá Couto
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(ao Hugo , que me alertou para a data do aniversário de E.A)

«Livros Com Ideias Dentro» de António Rego Chaves

Resgatar grandes obras de grandes nomes que mudaram o pensamento do mundo, buscar-lhes ideias, aprisioná-las numa interpretação crítica musculada, contextualizá-las, revelar-lhes a actualidade, revolvê-las para, argutamente, as soltar a novas reflexões dos leitores é a proposta de António Rego Chaves no necessário «Livros Com Ideias Dentro».

A lista proposta, que contempla nomes portugueses e estrangeiros, é vasta e de tirar o fôlego. Confiara-se: Abbé Pierre, Amos Oz, António Sérgio, Arendt, Beauvoir, Camus, Celan-Heidegger, D. Carlos, Duras-Miterrand, Einstein-Freud, Ernest Jünger, Garrett, Hans Küng, Henri Alleg, Hernâni Cidade, Hobsbawm, Kafka, Kant, Malraux, Manuel Laranjeira, Maquiavel, Marquês de Pombal, Marx, Montaigne, Mounier, Oriana Fallaci, Padre Manuel Antunes, Pasolini, Renzo de Felice, Roger Sruton, Sabato, Salazar, Sartre, Sebald, Simone Weil, Stefan Zweig, Unamuno, Voltaire, Wilde, Wittgenstein. Contam-se ainda os textos titulados Raiz & Utopia, Ramires e Maurras (sobre o Integralismo Lusitano), Jesuítas e Vaticano II.

O público que se alveja é, pois, particular e exigente: o que conhece as obras e encontra aqui um desafio interpretativo, ou o que está desperto para elas e tem nestas páginas o incentivo que faltava. Todo modo, «Livros Com Ideias Dentro» é uma obra de referência, porquanto são raras edições desta índole, que reúnem, num só espaço, um universo intelectual variado com textos curtos e exactos, pontapeando toda a literatura kitsch. São 81 páginas, que coligem 44 recensões críticas, seleccionadas de cerca de duas centenas que António Rego Chaves, licenciado em Filosofia e com reconhecida actividade jornalística, publicou no Jornal de Negócios.

A actualidade do implacável Maquiavel

Saindo em louvor do politicólogo Maquiavel e do seu implacável «O Príncipe», no texto titulado, precisamente, «Em louvor de O Príncipe», António Rego Chaves relembra o que disse Francis Bacon daquela obra: «Estamos muito reconhecidos a Maquiavel e a outros como ele, que escreveram aquilo que os homens fazem, e não aquilo que devem fazer.».

Salientando que o autor quinhentista continua a ser incompreendido pela generalidade dos seus leitores, A. Rego Chaves remete, ilustrando, para o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa que define «levianamente o “maquievalismo” como sistema político, baseado nas ideias do escritor e político florentino Maquiavel e caracterizado pelo princípio amoral de que os fins justificam todos os meios e que a arte de governar deve estar acima de todas as preocupações de carácter ético, religioso…». O italiano, defende-se, «queria desvendar aos seus contemporâneos os segredos do realismo político, a invenção, a táctica e a estratégia, a “ciência” do Poder», limitando-se a proclamar «não apenas que o rei ia nu, mas que os príncipes antigos e os da sua época sempre tinham andado em pelota, ainda que nenhum deles tivesse admitido tal prática.».

A enformar a argumentação, o texto chama Jean Giono, que se pronunciou sobre as «Concepções psicológicas, sociais e políticas» de Maquiavel: o seu grande conhecimento da alma humana fá-lo crer que «para ele, um homem de confiança é um homem que se pode comprar», sabendo que «não se pode confiar totalmente senão nas fraquezas e, em particular, no interesse pessoal».
E António Rego Chaves acrescenta: «Pessimista, Maquiavel? Tememos bem que não. Considerava que “é necessário ser um príncipe para compreender totalmente a natureza do povo e ser um vulgar cidadão para compreender totalmente a natureza dos príncipes.” Talvez tenha encarado o cruel César Bórgia, filho do não menos cruel Papa Alexandre VI e aventureiro sem escrúpulos, como o “governante perfeito”, pois aprendera à sua custa que “aquele que negligencia aquilo que é feito em benefício daquilo que devia ser feito efectiva mais rapidamente a sua ruína do que a sua preservação”. Também sabia, por saber de experiência feito, que os homens “são ingratos”, inconstantes, mentirosos e velhacos, fogem do perigo e são gananciosos” e não vislumbrava qualquer espécie de “salvação” para aquilo que considerava ser a natureza humana, estando convicto de que ninguém poderia ser ao mesmo tempo um bom cristão e um governante forte, condição esta indispensável ao eficaz exercício do poder.».

Segundo A. Rego Chaves, o «arguto repórter» e «lúcido historiador de comportamentos dos políticos» que foi Maquiavel, permitiu-lhe constatar que o objectivo da acção dos políticos «não seria, segundo lhe foi dado a observar, pôr em prática grandes ideais capazes de conduzir a Humanidade à formação e consolidação de sociedades mais perfeitas, mas apenas jogar o jogo do Poder – para o ganhar, seja a que preço for, retirando qualquer carga moral aos meios utilizados para alcançar os seus fins egoístas. Para os governantes – mas não para o repórter e historiador Maquiavel – tais mesquinhos fins, justificariam, de facto, todos os meios.».
Pertinentemente, pois temos de aquiescer, António Rego Chaves refere que «a denúncia do florentino em nada contribuiu para alterar a pratica dos líderes políticos que nos últimos cinco séculos se têm assenhoreado dos destinos dos povos.».

Livros com ideias dentro, António Rego Chaves, Campo das Letras, Porto 2008


© Teresa Sá Couto

Maria num mapa de cicatrizes


«Maria estava apaixonada e, como na inclinação de um caminho, os seus seios e a sua boca inclinavam-na para o desejo. Certas coisas invisíveis vêem-se.». Maria ama, mas «não se prende o amor com pregos, ao coração. Daí a fragilidade». Maria vive, e a vida é composta de fendas. As fendas da vida também se vêem: gumes que traçam por dentro da pele um mapa de cicatrizes. Viajar pela vida de Maria é seguir pelas fendas até ao mais escuro da dor e incongruência humanas: o medo, e a loucura. Saberemos, também, que amor e ódio vibram em semelhante nervo excitado, pronto a soltar-se.

Maria Bloom é a personagem central da história «A Perna Esquerda de Paris» de Gonçalo M. Tavares, ele que, com as suas narrativas/ensaio, detém a arte de nos deslumbrar, inquietando-nos. Uma expressão única, com a palavra certa na frase perfeita. Assim se pontapeia o marasmo literário.

Maria, Bloom, o marido e Gregor amigo do casal são a trilogia central tragédia. Dito assim, porque a “construção do infortúnio humano” é feita com muitas outras personagens, chamadas para a ficção para darem a forma e a explicação das sombras internas. Outrossim, concorrem para a reflexão da complexidade humana os pensamentos de um narrador que divaga, porém certeiro na argumentação.

O caminho do caminheiro

A natureza humana é repleta de carências e de equilíbrios instáveis: «Maria olhou para a montanha. Com dois olhos, um fica sem montanha. Fechou o olho esquerdo. Sentiu-se equilibrada: como uma equação já resolvida na matemática. Abriu o olho esquerdo, desequilibrou-se. Caiu. Por que razão não fizeram ali duas montanhas?».

Compreender-se o homem na sua totalidade é tê-lo como sistema nas proposições: ser físico, biológico e antropossocial. Segundo Edgar Morin, esta é uma circularidade viciosa e virtuosa, em que as três componentes criam uma relação de dependência, antinomias e reciprocidades. Compreender o homem é ter a complexidade como base, e a complexidade como guia. É esta a base de Gonçalo M. Tavares. O homem é um sistema que deve ser aberto para ser conhecido, «toda a fechadura é um sinal de fracasso da humanidade.». E Maria mostra-nos como deve ser feita a reflexão do ser humano, complexo por natureza: «Maria tinha uma dicotomia. Tinha-a encontrado na rua, ontem, dentro da cabeça, ao fim da tarde. Era uma dicotomia simples que a maravilhava: O ser Natural/ ser Artificial Talvez por isso, Maria tivesse aulas de paradoxos, «duas vezes por semana, das seis às cinco e meia da tarde», às quais nunca chegava a tempo, «porque chegava sempre adiantada.».

«Os olhos também têm roupa íntima: e despem-se

O tempo vai passando pelas personagens durante cerca de 30 anos. Maria vai apreendendo o lodo da existência. O tempo passa por nós não para nos completar, mas para nos retirar fatias, para nos esburacar. Um dia, Gregor, numa aposta com Bloom, ganha-a e mata-o. E Maria vai perscrutando os poemas. Maria, que gostava de ouvir os pássaros e de ter sido escritora, vai perscrutando os poemas, e aprende que não se enxota a tragédia como se enxotam as moscas; na primeira noite ao lado de Gregor, vomita.

Os olhos nem sempre vêem a dor, o negrume do sofrimento. Gonçalo Tavares ensina-nos a vê-lo:

«O homem velho vestido de preto chora, na mão dois quilos de peras. Pego nelas, para o aliviar, mas não pego no resto porque não é possível: de que lado se segura na tristeza? A cinco centímetros de um homem que sofre tu podes nada sofrer, e o mundo e os homens são isto, o resto é estratégia e contratos de sobrevivência. O velho vestido de preto bebe um copo de água. A água a entrar num homem vestido de preto, a água a entrar numa roupa preta: como diluir o preto da roupa com um copo apenas? Muitos litros de água terá de beber o homem que sofre.»;

«Maria tinha pudor nos gestos longos, publicava nos seus dias apenas gestos miniatura (…) tinha amigos, mas os amigos não a tinham a ela. Vivia como um comboio. Tinha a sua linha, o seu percurso, os seus carris. Por vezes parava como os comboios param.».

Ao contrário da tragédia que nunca é estática, que avança sempre, e o autor mostra-nos isso. Nesta narrativa, como na existência mais interior do ser humano, mostra-se que «tudo o que ainda pode matar ou amar não está obsoleto». Mostra-se no final aberto, em jeito de movimento espiralado, que aqui se transcreve, dispensando-se os comentários:

«Maria Bloom tinha a cabeça curvada e o medo levantado. Gregor segurava um martelo e estava com ele parado de mais na mão. Quem tem assim a mão tão estática quer matar. Dois velhos, e o homem velho ainda tem ciúmes da mulher velha. Gregor acusa Maria de tentar seduzir outro homem. Maria Bloom chama louco a Gregor no único sítio onde tem coragem: na cabeça. Gregor segura um martelo e Maria viu esse homem matar outro homem e um animal, um burro. Foi há trinta anos, mas era este homem. E a mão dele continua parada.».

(to Artur)

© Teresa Sá Couto

domingo, 18 de janeiro de 2009

Blog de Ouro

A Cláudia acaba de me atribuir o Blog de Ouro.


(Só tu, amiga para me atribuires um galardão! E obrigada pela menção "mulher excepcional". Comoveste-me!)


Para quem ainda não sabe, a Cláudia Sousa Dias é minha companheira nesta lida da escrita, na Orgia Literária, e autora do blogue Hasempreum livro, este sim merecedor de todos os galardões.

sábado, 17 de janeiro de 2009

A verdade e a máscara

Com as palavras podem escrever-se «palavras-ficção»: «Água, Cão, Cavalo, Cabeça»; quatro palavras, gatilhos para «os movimentos de ficção» de vinte e cinco pequenas narrativas sincopadas, na cadência do disparo. «O cão pode ser visto como música equilibrada (harmonia é a palavra) devido às suas quatro patas (como uma mesa orgânica). Mas se ao cão se cortar uma das patas a nossa vida altera-se, e sangra tudo, como quem é traído por uma mulher ou pela morte do pai.».

Assim corre a escrita que busca as desarmonias, os desequilíbrios, a loucura do ser humano ou a verdade por detrás da máscara. Assim é o mundo, e as palavras desnudam-no para o tomar. E assim reconhecemos a escrita original e inconfundível de Gonçalo M. Tavares.

Numa das estórias deste «água, cão, cavalo, cabeça», lê-se que a natureza do homem «não tem mapas, nem cores como os mapas». A natureza do homem é «uma aranha», melhor, «um aranhiço: é mais confuso do que uma aranha». E, acrescenta-se, os aranhiços «são como os pais que protegem o filho e o filho que se protege a si próprio, e ainda como todos os seres com sangue e até as plantas: é preciso sobreviver, eis o universo».

É neste “projecto de sobrevivência” que se insere a obra de Gonçalo: no universo largo e complexo, com a complexidade da natureza do homem, capturada nas faces mais sombrias. Como a bala, que é um «animal impaciente e rápido», a escrita do autor, viva e sem pudor, investe o impensado, abala a “ordem estabelecida”, revoluciona-nos a forma de olhar. A responsabilidade do discurso de Gonçalo está em mostrar a desordem para, pela palavra, encontrar uma ordem, o que pode corresponder à ideia de que é desintegrando-se que o cosmos se organiza ou na missiva de He Xiu: «Uma ordem surgira da decadência e da desordem».

Os quatro substantivos que fazem o título deste novo livro constituem novas investidas na análise desse universo, manipulada por um investigador de talento.
«água» remete-nos para vida, sangue, lágrimas, dor; «cabeça» remete-nos para loucura, o lugar onde nos escondemos; «cão» e «cavalo» surgem-nos como metáforas literárias para «os aranhiços» de «água» a «cabeça». Última na disposição é, todavia, a «cabeça» o “segredo” de tudo,:

a cabeça é o sitio para a fuga mais rápida que as outras, posso entrar na raiva e voltar, e um segundo depois entrar no tédio, e depois voltar.
Viaja-se: o ocupante da cabeça vai aqui, depois mais à frente (desejo, asco, angústia) e regressa.

Também o cansaço pode chegar à cabeça e, lê-se, é um momento mínimo, menos que um segundo, mas vem por vezes um pensamento de ódio, e é isto o cansaço, é aqui que ele pode chegar. É preciso ter medo dos homens e das mulheres cansadas. E a cidade é rápida de mais, empurra-nos para o nosso corpo pior (de entre os vários possíveis.).

O corpo “que revela”, sempre presente na obra do autor, é o produto da ditadura da cabeça. O texto mostra-nos isso, como quando conta a consequência de ter sido disparada uma arma só de fazer barulho, numa pata, e na cabeça de um cão:
A forma como o cão caminha não foi do tiro no pé, mas na cabeça: está louco, o cão, vê-se nas pernas.

Onde fica o amor e o coração?

No projecto de sobrevivência, o que se faz ao amor e ao coração? O texto responde:
E o único fenómeno estranho ao instinto de sobrevivência que manda em qualquer pessoa, animal ou anjo que exista, é o amor. Mas o amor é tão popular entre os vivos que se tornou num sentimento da multidão: há que receá-lo como se receia a palavra de ordem de qualquer ajuntamento exaltado.

Quanto ao coração, é arremessado como um projéctil pesado:
A catapulta tem um braço de lançamento que termina numa concha exactamente como uma colher. E é na colher que ponho o coração (…)para mandar para longe alguma coisa é necessário primeiro segurar com força nessa coisa, depois efectuar um movimento rápido com o braço, e por último travar subitamente e projectar o pulso para a frente (…)uma máquina de guerra. Atirar o coração para longe. A catapulta.

Carl Sagan disse: «Eis que, pela primeira vez, fazemos parte deste mundo, o nosso vasto e terrível universo.». É assim que sentimos a leitura de Gonçalo M. Tavares. Fique, sem mais comentários, um último exemplo:

(…)Tinha que pagar a um oculista. Levava o cheque já preenchido. Cheguei ao sitio e disseram-me: Morreu ontem, num desastre de carro. Tinha o cheque em nome dele, e agora estava morto. O primeiro pensamento foi: se eu tenho um cheque para lhe pagar, ele não pode estar morto. O segundo pensamento, passado uns segundos, foi: vou ficar com o dinheiro. O terceiro pensamento foi: como é que a tua cabeça foi capaz de ter aquele 2º pensamento? O quarto foi: toda a gente pensa todas as hipóteses numa situação, mesmo as hipóteses mais nojentas. Mas o senhor tinha um pai ainda vivo, e eu rasguei o cheque antigo e escrevi o nome do pai no cheque – era quase o mesmo, só mudava a primeira palavra. Estávamos os dois num restaurante de comidas rápidas, de pé. E o pai do meu oculista, que morrera num desastre de automóvel dois dias antes, estava vestido de preto e estava triste, falava pouco, e tinha os olhos baixos. Mas recebeu o cheque.

Água, Cão, Cavalo, Cabeça, Gonçalo M.Tavares; Editorial Caminho, Lisboa 2006

© Teresa Sá Couto

nota: outros textos sobre a obra de G.M.Tavares, em baixo, na etiqueta correspondente

«Histórias Falsas» encostadas à verdade

Há livros com sabedoria para saírem do presente levando-nos, leitores, em viagens donde retornamos mudados. «Histórias Falsas» de Gonçalo M. Tavares é um desses objectos de mudança: fora da sua esfera, e fora de si, o leitor pode regressar finalmente ao seu centro, numa espécie de «Conhece-te a ti mesmo».

Recuando três mil anos, ao tempo dos grandes filósofos, constroem-se nove pequenas estórias, com ficção encostada à verdade, com grandes revelações sobre a errância humana: o homem é um caminheiro numa vida de encruzilhadas e desvios de percurso, para melhor ou pior. O que interessa é mostrar os caminhos: «o homem que desce o caminho mais fácil deve também aprender o difícil, porque num qualquer momento, é certo, precisará dele.».

Pascal perguntava: «que quimera é o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que sujeito de contradição, que prodígio! Juiz de todas as coisas, verme imbecil; depositário da verdade, cloaca de incerteza e de erro; glória e nojo do universo. Quem deslindará esta embrulhada?». Ora, é neste deslindar do ser humano que enquadramos a escrita de Gonçalo M. Tavares. As suas histórias de personagens aliam a ficção à reflexão existencial, dissecando o homem até à verdade: o homem é um sujeito de contradições, é ordem e desordem, afecto e ódio, razão e loucura, porque é racionalidade e irracionalidade. Como defende Edgar Morin, «Verdade e erro são antagonistas e complementares na errância humana», e Gonçalo mostra-nos isso como nenhum outro escritor.

No dédalo dos caminhos, conta-se a «história de Listo Mercatore» e as suas duas vidas, antes e depois de conhecer o filósofo Diógenes. Na primeira, «Bebia de manhã para ter coragem para enganar, à noite para esquecer os efeitos dessa coragem e para adormecer. Para alimentar o estômago, os sentidos e o desejo, precisava de dinheiro. Os banquetes e as mulheres alimentavam as farsas». À noite tinha sonhos que o atormentavam: «por mais que se ande, o que se andou permanece no corpo: chama-se cansaço, fadiga; ou memória. Ele agia e as suas acções permaneciam nos ossos, pesavam. Como aquele homem que vive com um punhal espetado nas costas e não tem determinação para se livrar da lâmina ou, em último caso, para pedir ajuda.».

Um dia, conhece Diógenes, o filósofo que comia, sentado no chão um prato de lentilhas. Com a arrogância de quem tinha o estômago farto, Mercatore disse-lhe: «Se tivesses aprendido a bajular o rei, não precisavas de comer lentilhas.» Diógenes respondeu-lhe à letra: «E tu – disse o filósofo – se tivesses aprendido a comer lentilhas, não precisavas de bajular o rei.». Esta resposta foi epifania para Mercatore. Perturbado, caiu em si. Tornou-se um asceta. Purificou-se. Quando morreu, no seu quarto estavam apenas algumas garrafas de água; e lentilhas» E o seu corpo «transmitia uma calma incomum. Morrera no meio do sono, tranquilo.».

Na «história de Aurius Anaxos», assiste-se à destruição de Aurius, primo do filósofo Anaxágoras, e por ele influenciado. Durante a vida, Aurius «entusiasmava-se inteiramente com um caminho, uma acção e, logo a seguir –por vezes mesmo no meio da subida – aí mesmo, a metade, desistia, virando costas e recomeçando, agora por outro lado, indiferente ao esforço que fizera para chegar àquele ponto». Quis mostrar que não era inconstante como o criticavam, tornou-se obsessivo e, ouvinte com mau ouvido, pois deturpava os ensinamentos, a inveja do primo tomou conta dele.

Na «história de Elia de Mircea», testemunhamos a aprendizagem de Elia, que tentava ser sábio e ouvia o mestre, o sábio Lao Tse, que ensinava: «o verdadeiro mestre não é o que força a passagem, é o que a seduz. Quando o mestre passa os cães não ladram, admiram.»; fácil é vencer quando se é mais forte; difícil é utilizar a força para os outros não perderem; mas só isso é justo.». Até que uma noite a intensidade que ensina entra-lhe no sonho, «um sonho com tanta importância que atravessou a parede, tornou-se real e consequente». Assim se mostra que a aprendizagem dura a vida inteira.

O sacrifício e o fulgor das figuras femininas

É recorrência no autor aliar à mulher o Amor e a Morte, constitutivos do drama existencial – como constatámos noutras suas obras apresentadas. Também neste livro, a mulher é o «animal com o coração maior que o corpo», a que nunca desiste do amor, a luz que se mantém quando no homem só há sombras. «A história de Julieta, a santa da Baviera» é representativa de mulheres «com a força que só o coração e o desespero conseguem», carregando às costas filhos e maridos, livrando-os da morte. Romeu, o duque da Baviera, era «obcecado pela procura e excessivo na rapidez com que passava pelas coisas»: ele e Julieta amaram-se «e no dia seguinte acordaram. Ela embevecida. Ele, com tédio». Cruel, «matava como o agricultor semeia», até que encontrou um adversário maior, que o derrotou. «Abandonado por todas as mulheres que ao longo da vida abandonara, teve um instante em que se arrependeu como acontece a todos os que se vêem frente à morte». Mas eis que aparece Julieta, já velha, ainda apaixonada, para o carregar às costas. Sem milagres, são os dois queimados – «só se pode odiar a mulher que ama o inimigo». Num último sacrifício, Julieta oferece primeiro às chamas o seu corpo, que só depois consomem o do seu amado. Por isso, enaltecendo-a, o adversário, o imperador Conrado III mandou construir-lhe, no local, uma estátua, «quase um milénio depois de Cristo ter levantado a ingénua hipótese do amor».

A «história de Lianor» é a de uma mulher recusada por Tales de Mileto – não por sobranceria, mas por prudência. As mulheres guardam no corpo a serpente, sempre pensara.». Ela quis morrer e atirou-se ao mar fazendo com que Tales levasse uma vida virada para a água onde o corpo dela desaparecera.

A «história de Faustina» fala-nos da esposa do Imperador Marco Aurélio – que dava à mulher «o pouco que pode dar quem do mundo se defende não esbanjando emoções» – que se apaixonou por um centurião. Traição irremissível, todavia pediu clemência para o amante: «A paixão, por momentos, a falar mais alto do que a ambição»; nesse acto chegava até onde pode chegar o amor: à total imprudência. Pedia o impossível, acelerava o inevitável». Os silêncios do Imperador «vinham de quem tem o poder: assustavam». Crendo que só o asco faria com que ela esquecesse aquele amor, o sangue quente do amante foi vertido sobre o corpo de Faustina, o que a atormentaria até à morte.

Surpreender a realidade pelo seu lado mais inesperado é um exercício perturbador, mas prenhe de revelação. E é de conhecimento que se trata, quando apreendemos a singularidade da expressão literária de Gonçalo M. Tavares.

Gonçalo M. Tavares, Histórias Falsas; Editora Campo das Letras, Porto, 2005

© Teresa Sá Couto

nota: a edição deste texto surge na sequência de pedidos, que há algum tempo tenho vindo a receber, sobre "por onde começar a ler Gonçalo M. Tavares". O último, feito por Adélia Riès, veio despoletar em definitivo a minha acção. As sugestões podem ser várias. Opto, todavia, por este «Histórias Falsas» e pelo «Água, cão, Cavalo, Cabeça», com texto que passo também a editar. Votos de Boas Leituras.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Poesia de solidão e erotismo

«Guardas tudo de mim / – não sei se entendes /a ternura da dádiva – /também não te pergunto…/ para quê? /O meu amor é isto: /desejar-te em segredo /pouco esperar do que vier de ti /e nada te pedir.».

Afirmar o discurso amoroso na extrema solidão que o caracteriza é a proposta do belíssimo livro «Discurso amoroso» de Maria Aurora Carvalho Homem que assina vinte e um poemas com sabor, cheiro, segredos e erotismo; Francisco Simões faz os desenhos que delineiam o apelo dos corpos e a fusão dos incêndios. A Editora Campo das Letras dá guarida aos discursos num livro com formato A4, papel cartonado sépia clara – capa e páginas.

Adolfo Casais Monteiro escreveu que a poesia dá «aos homens um sentido que não há nos gestos nem nas coisas». Miguel Torga escreveu que a poesia «Desassossega o mundo sossegado» do poeta, e instiga-o a ensinar «a cada alma a sua rebeldia.». Finalmente, Teixeira de Pascoaes definia assim a poesia: «A ciência desenha a onda; a poesia enche-a de água». Indissociável da vida, a poesia é a mais pura, secreta e silenciosa fala do homem. O livro que aqui refiro é mais uma voz dessa linguagem primordial.

Disse Roland Barthes que «Dis-cursus é, originariamente, a acção de correr para aqui e para ali, são as idas e vindas, as “tarefas”, as “intrigas”, e que «o apaixonado não deixa, na verdade, de correr dentro da sua cabeça, de empreender novas tarefas e de fazer intriga contra si próprio. ». Tendo por guia o sentimento amoroso resgatado à criação da palavra, Maria Aurora Carvalho Homem oferece-nos um «Discurso Amoroso» tecido de frémito, de respiração e sufoco, de aridez que pede chuva, com fortíssimo erotismo que desvela o sabor do corpo, o cheiro e os segredos: «é um perfume raro /(Segurelha? Alecrim?) /não sei. /É o cheiro que tenho /quando tu sais de mim.».

O apelo táctil do papel, morno nestes dias frios, páginas sépia clara, longas e nuas, intercalando com páginas onde se imprimem os poemas, noutras os desenhos, como uma pele que se percorre e descobre, concorre para envolvência dos sentidos. Os desenhos, embora – ou talvez por isso mesmo – recriem os corpos com frágeis linhas a carvão, são de uma beleza e intensidade ímpares.

E diz o texto de um amor de exílio, de «convulsão do ventre», e «arrepio das veias», que mais não precisa do que «indícios breves» para o embalo e o murmúrio:
«Ardo sozinha /a mão convulsionada /a desenhar-te em mim»

«Nomeio-te em segredo /e não te digo /retenho-te nos olhos /e tudo acende»;

«Quero-te assim /longínquo e doce /terno e ausente /só posso desejar-te nas palavras»;

Ou, na íntegra:

Percorro-te
A língua de cetim
A prolongar o êxtase
As mãos de seda
No rio do teu corpo.
Afloro a nascente:
E num grito
Todo tu és torrente.


O coração está presente em todo o livro, fazendo jus ao que dele disse Roland Barthes: «o coração é o órgão do desejo (o coração incha, desfalece, etc., como o sexo), tal como este é retido, encantado, no campo do Imaginário. O que é o mundo, o que é que o outro vai fazer do meu desejo? Eis a inquietação onde se concentram todos os movimentos do coração, todos os “problemas” do coração.».

No belíssimo poema que a seguir transcrevo, o coração é, ainda, apanhado na armadilha do tempo indomável e destruidor. Confira-se:

É tarde, meu amor
É muito tarde.
O tempo implacável me consome
E destrói o vigor do corpo moço:
Apagou o fulgor do meu olhar
Roubou a altivez do seio cheio
Secou o rio manso do meu ventre
Cobriu de pergaminho a minha mão
É tarde, muito tarde
Mas… por dentro
Ainda bate, por ti, o coração.

Discurso Amoroso, Maria Aurora Carvalho Homem, desenhos de Francisco Simões, Editorial Campo das Letras, Porto 2006

© Teresa Sá Couto

(to Artur)

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

«O Retábulo de Genebra»

Com escrita delicada e vigorosa, Sérgio Luís de Carvalho traz-nos O Retábulo de Genebra, o seu sexto romance, que se segue aos As Horas de Monsaraz (1997), El-Rei Pastor (2000), Os Rios da Babilónia (2003), Retrato de S. Jerónimo no Seu Estúdio (2006) e Os Peregrinos sem Fé (2007).

Com enfoque no retábulo «A Pesca Milagrosa» de Konrad Witz, tido como a primeira paisagem realista da História da Arte, pintado em 1444, em pleno «gótico flamejante», Sérgio Luís de Carvalho urde um Romance Histórico sobre os encadeamentos da memória e da arte. É que, se o campo da pintura é o espaço, o autor mostra-nos que o campo da Literatura é o tempo, onde tudo se conjuga, se resgata e actualiza o passado, se casam realidade e efabulação. Outrossim, nos trilhos do tempo, o autor revela-nos a Literatura como peregrinação – Leitmotiv da sua escrita –, feita com trabalho árduo, rigoroso, depurado, inquiridor da condição humana, em permanente busca interior. A metáfora da escrita como peregrinação, onde não falta a homenagem aos companheiros de caminhada, surge sintetizada na vieira dos romeiros de Santiago, que vão «pagar promessas, carpir pecados e cumprir penas», clara neste, mas já fortíssima no romance anterior.

Método e conteúdo contaminam-se, iluminando-se. A narrativa é circular, de acordo e ao sabor das erupções da memória. A trama inicia-se e termina em 1535, com a destruição de imagens em igrejas de Genebra, no ensejo das lutas entre papistas e protestantes, com vantagem para os iconoclastas adeptos de Lutero e de Calvino. Particularmente, está em causa o Retábulo de Konrad Witz, constituído por cinco painéis: o de S. Pedro, Apresentação de Metz perante a Virgem, Libertação de S. Pedro, Adoração dos Magos e A Pesca Milagrosa, este, o único a ser salvo, uma misteriosa salvação, que Sérgio Luís de Carvalho diligencia solucionar: ela deve-se ao olhar inovador e moderno do pintor que cria uma cena bíblica nas «margens galileias da Suiça», como se o Léman fosse o Tiberíades, com a paisagem e as gentes humildes de Genebra «figurantes de um enorme retábulo sacro», como se os Apóstolos fossem pescadores daquela cidade, dando ao espectador o sentido de pertença daquele lugar pictórico e real, que é proibido destruir.

De memória em memória, recua-se até 1400 – nascimento de Konrad Witz –, e no caminho de mais de um século, reconstrói-se o ambiente da Guerra dos Cem Anos, as façanhas, aprisionamento e execução de Joana d’Arc e os «tempos perturbados» do Consílio de Basileia. De memória em memória, mostra-se a tradição setentrional da pintura realista, a competência antiga da pintura flamenga na criação de fundos paisagísticos, bem como o espantoso passo com a ênfase sobre a actividade humana que a separa da ideia de paisagem pura.

E Sérgio Luís de Carvalho representa-nos a nova concepção de pintura com novos fundamentos literários: oferece-nos quadros narrativos belíssimos, pictóricos, prenhes de sinestesias e silêncios – os silêncios onde se conjuram memória e arte –, e na arte desta escrita os silêncios soltam os sons, as cores e todas as sensações: o som da turba ora orgulhosamente azafamada, ora inquieta, «o ruído cavo e fundo da cidade a mexer-se», a luz que «lava e limpa» o estúdio de Witz, o cheiro das maçãs viçosas que repousam no parapeito da janela, o cheiro a tinta, o «cheiro antigo» que envolve a oficina. «A memória é uma coisa muito estranha», conclui-se a cada assalto dela, «à qual basta apenas um vislumbre, um esgar desvendado na distância, uma cor, um sentimento, qualquer coisa à qual pouco baste para surgir. E será o bastante».
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A escrita como peregrinação interior

Exímio, Sérgio Luís de Carvalho mostra-nos a escrita como peregrinação interior num processo metafórico sedutor, que esconde e oculta: passa o espaço exterior, moldado pela memória, para os olhos do pintor – «talvez os olhos de um pintor sejam diferentes, ou talvez apenas busquem o que estão ensinados a descobrir» –, que o comunicam à mão que pinta. Porém, a memória é «feita de encadeamentos», encadeia tudo, até a escrita e a pintura, mas cabe à escrita o papel organizador. E «a memória confunde tudo, mescla tudo, com tintas misturadas numa paleta» ou numa vieira de Santiago, que «cabe na palma da mão aberta, o interior liso e suave» com uma «boa base para misturar tintas», que a escrita organiza, com paciência, dedicação e esforço. Um «quadro estranho e desacostumado» formava-se à frente do pintor que olha, fixa e compreende: «não é um raio fulminante disparado por qualquer musa que o atinge, não é uma coisa súbita e sonante, não é um momento isolado do seu mundo. Há uma ordem muito velha nestas coisas, um caminho de trabalho feito desde há muitos anos. Konrad sempre soube que encontraria se buscasse, sempre assim foi. As musas não são para aqui chamadas, o esforço, sim.» (p. 52).

A voz da peregrinação funda e antiga é, também, representada na personagem Gex, rapaz vagabundo, que o pintor recolhe na rua e que passa a ser o seu ajudante: «os dedos do miúdo seguram o carvão com força a mais, é um pouco desajeitado, pois claro, afinal o que é que se esperava? Contudo, naquele corpo torto por anos de pé boto e mau destino, reluz ainda um instinto muito antigo, um instinto que vem dos tempos mais arcaicos e que se não ensina. O mesmo instinto que leva os animais a temer o fogo, que leva os carrascos a chorar perante a imagem da Madona, que leva o vulgo a prostrar-se defronte de um belo quadro e que leva um pintor a perceber que um moço vadio de Genebra entende arte, ainda que não saiba sequer o que isso seja.» (p. 152).

Ao poder tocar no retábulo, o rapaz seria um «peregrino chegado finalmente ao seu destino», depois de «caminhar por tanta estrada». Ao transportar ao pescoço a vieira dos romeiros da Galiza dada pelo mestre Witz, que a recebeu do seu mestre Jan van Eyck, Gex garante a passagem do testemunho da corrente peregrina.

Se a Galiza ressurge em mais um romance de Sérgio Luís de Carvalho como marca duma dedicação antiga e correspondida com os leitores galegos, que recebem os livros do escritor ao mesmo tempo que nós, a homenagem aos companheiros de caminhada contempla também Sintra, no ensejo da comitiva flamenga de Filipe de Borgonha à corte de D. João I, vila com azulejos amouriscados e a serra em torno dela «mais saída de algum cantão suíço que das paragens ibéricas», com «gente oscilante entre entusiasmos pueris e melancolias fundas», patentes nos «versos lânguidos» dos velhos trovadores, «como se sofrer, partir e morrer estivesse gravado a fogo na alma desta gente». Uma alma Ibérica antiquíssima que tem na Literatura Portuguesa e em Sérgio Luís de Carvalho um seu ilustre representante.


Sérgio Luís de Carvalho, O Retábulo de Genebra, Campo das Letras, 2008

Nota: texto editado no sítio da Orgia Literária em 03.01.2009

© Teresa Sá Couto