No original, L’Avenir de La Nostalgie - soberanamente traduzido por Clara d’ Ovar para «O Porvir da Nostalgia», como, aliás, é de excelência toda a tradução - , a obra foi escrita em 1989, e é o primeiro livro de Jean-Jacques Lafaye que, entretanto, reuniu uma obra admirável nas áreas da literatura e da música. Antigo Agente Internacional de Amália Rodrigues, é dele o título «Amália, uma voz no mundo», editado em Portugal pela Quetzal. A sua ligação à alma portuguesa valeu-lhe, ainda, a nomeação de comendador da Ordem do Infante D. Henrique, em 2006, pelo então Presidente da República Jorge Sampaio.
Aos 16 anos era já um «genial poeta» e «são as palavras que lhe oferecem a vida que respira». Apenas «foi três vezes à Universidade: a primeira para se matricular, a segunda para pedir o certificado de assiduidade (!!!) e a terceira para uma agradável conversa com os professores.». Lê muito, e cada vez mais, «escreve novos poemas e não hesita em receber amigos às onze da manhã, em mangas de camisa, despenteado, “navegando” entre montes de livros que cobrem o chão como dantes no seu quarto de criança, os olhos cansados: é que em plena noite uma ideia o acordou e o levou para a mesa de trabalho! Uma boémia activa e fecunda, uma sábia desorganização, um longo e lento desregramento da sua antiga disciplina escolar, tudo o que ele esperava!». Aos 23 anos doutorou-se em filosofia com uma tese sobre Taine. Viaja pela Europa, atinge o mundo todo. Traduz poetas estrangeiros, para aprender com eles; é também ensaísta, dramaturgo, novelista, contista, historiador e biógrafo.
Enquanto o espírito se eleva a altos pensamentos, a alma «enterra-se no negrume de tentações incertas»: «Ao longo da sua vida Zweig manterá uma curiosidade um pouco mórbida pelas formas marginais do sentimento e do desejo»; «O sentimento trágico da existência já está no coração da literatura de Zweig: ele quer sempre interpretar a extraordinária tensão dos nervos, a paixão secreta que dirige a vida e os actos. Esta densidade explosiva que se contenta em aflorar exerce sobre a sua alma uma atracção perigosa, no princípio de um século em que, por duas vezes, ele verá a derrocada.».
A vivência da guerra desmorona-lhe o seu mundo. Crítico do nazismo e regimes fascistas, vê na palavra a salvação: «pelo domínio da palavra, tenho de despertar a consciência dos homens transviados por outras fanfarras. Pela escrita, ilustrar o imperativo da criação que não é mais do que conduzir o género humano para mais humanidade! Mostrar como os chefes enganam os povos nos caminhos do ódio, como as gentes ávidas de conquistas se ligam aos profetas da desgraça, como do caos das paixões pode nascer uma ordem superior, de que maneira uma derrota terrestre contém a promessa da vitória espiritual: é a meta que Zweig se impõe quando começa o seu Jeremias, em pleno 1916. É o seu primeiro combate de homem contra a guerra – em plena guerra.».
Em 1942, Zweig é visitado pela vertigem mórbida, termina o romance O jogador de Xadrez, e joga o xeque-mate da sua existência. «Zweig não foi levado ao suicídio apenas pela guerra mundial, o fantasma de Hitler e a perseguição ao povo judeu. Não; é um homem de sessenta anos que põe fim ao erro de toda uma existência ao serviço de um ideal».
O Porvir da Nostalgia – Uma vida de Stefan Zweig, Jean-Jacques Lafaye; editorial Campo das Letras, Porto, Novembro 2007