quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Feitiço de música e palavras

A poesia e a música nascem do silêncio. Tal como o ser humano. Convocar as duas artes para ajudar no crescimento das crianças é cada vez mais uma missão de todos. «O Segredo Maior – canções a brincar», que nos remete para a construção dos afectos, é um feitiço que forma personalidades da gente de palmo e meio. Um livro com poemas, ilustrações, partituras onde se sonorizam as palavras, e um disco que atesta toda a magia. João Lóio comanda a equipa deste projecto singular. E assim se define a excelência e o espanto por ela.

No poema final, lê-se, e ouve-se, que «o mundo só vai prestar /para nele se viver/ no dia em que a gente ver /um gato maltês casar /com uma alegre andorinha». Acrescento, que o mundo só vai prestar quando todas as nossas crianças forem felizes, mas enquanto houver produtos editorais desta valia, o sonho está mais perto.

Os ATLs, cientes da importância da linguagem poética e musical no desenvolvimento psicossocial dos mais pequenos, desdobram-se em actividades lúdicas. O livro «O Segredo Maior» – também título do projecto musical de João Lóio, já com uns anos, mas aqui com novos suportes – insere-se no apoio a essas actividades dos tempos livres das crianças, destinado a elas, aos pais, professores, educadores, «e a todos aqueles que sintam o desejo de desvendar este segredo», como refere Regina Castro no Prefácio.

Céu, coração e feitiço percorrem todo o trabalho: na polissemia da palavra pelos 17 temas; na polifonia dos sons onde se reconhece música Soul, Funky, Blues, Rock, Pop, Jazz, Música Erudita, Tradicional Portuguesa e até Fado, com orquestrações e interpretações de pasmar, capazes de levar a criança a tomar consciência da linguagem musical, ouvir e diferenciar sons, ritmos e alturas, e percepcionar o diálogo harmónico que se estabelece na diversidade; no cromatismo das ilustrações de Fedra Santos, simples, expressivas e cheias de dinamismo.

O trabalho inicia-se com o tema «canção das perguntas» lançadas ao espaço infinito do pensamento e instiga à descoberta da individualidade e da criatividade: «para onde é que eu vou? /e de onde é que eu vim? /que segredos sem par!.../…/sem começo nem fim /as perguntas, em mim /vão comigo no ar.». Com muitas perguntas “de brincar” edifica-se a coisa mais séria de todas: a personalidade dos pequenos aprendizes que se pareparam para a complexidade do viver. Nesta vertente pedagógica incluo mais cinco temas: «Andorinha do céu» onde se incentiva ao voo: «entre as asas fico bem /entre as asas quero ir /entre as asas quero ir no ar…no mar que me enfeitiçou…»; «Uma joaninha» que «pousa na palma da mão» e no coração, e conta segredos ao ouvido e ao interior da ternura; o tema instrumental «Esquilo», com guitarra, flautim, marimba 1 e 2 e percussão, numa beleza de orquestração que activa sensações mais esconsas, descobertas até ao arrepio; «Meu peixinho vermelho», tema que dá forma à solidão, pois também ele anda só «no meio de tanto mar»: «Andas dum lado pró outro /à procura de quê? /pareces a letra A à procura do Bê.».

É sabido que a educação musical ajuda as crianças a desenvolver o raciocínio lógico-matemático, a memória, a capacidade de concentração, além de desencadear emoções.
No apelo à memória, e à saudade, viaja-se afectuosamente à ruralidade, numa ponte de diálogo intergeracional. São prova disso, os temas: «Falar em pés», com toadas festivas e brincalhonas do circo, onde «um código secreto /é o ideal /para dizer segredos e /coisas que tal»; «Dim-dom», toca o sino; «Eu queria ir ao circo / -Giroflé-flé-flá»; O «Pintainho, pi», de um amarelo «bestial», ao som do "perfeito" rock; o surpreendente «Couves» – onde se “atesta” que com couves se faz caldo-verde, esparregado, um cozido ou um guisado – que nos faz sorrir pela originalidade, alegria e mestria da composição musical.

Finalmente, considero um terceiro e último grupos que reúne temas sobre os afectos e relacionamento com o outro: o soberbo instrumental «Uma viagem sem fim» prepara o tema «Amigo é quem vem /quando alguém o chamar /e traz se é preciso /um sorriso a ajudar /Amigo é quem guarda /o segredo maior /e que nos faz sentir melhor /e que nos faz sentir melhor»; «Mãe, tão boa mãe» é construído por quatro estrofes com repetição das mesmas palavras, provando-se que a palavra mãe, por mais que se diga, jamais se esgota; «Dorme meu lindo amor», canção de embalar tradicional, com a figura da mãe a configurar a protecção e a paz: «sossega o teu pensar /que eu não te deixo sozinha, ó-ó, ó-ó»; «Conta-me um conto», «conta, conta, conta /abracadabra /bruxa malvada/asas morcego /pé de cabra /faz um feitiço /leva sumiço /cruzes e figas /num caniço»; «Valsa, valsinha», um instrumental para soltar as asas adestradas com os voos até esta altura; «O Mundo só vai prestar», tema de música popular brasileira com que termina o trabalho, um final que é, todavia, o início da caminhada, porque o objectivo está definido: procurar ser feliz.

Ficha técnica - CD:
Intérpretes: António Paulo Silva, Ana Luísa Dias de Carvalho, Guilhermino Monteiro, João Lóio e Regina Castro Músicos: Piano - José Sarmento, Guitarra - Carlos Rocha, Contrabaixo - Alberto Jorge, Percussão - Eduardo Lopes, Flauta - Jorge Salgado, Clarinete - Luís Carvalho, Bombardino - Luís Senra, Sintetizador - José Sarmento e João Lóio

O Segredo Maior – canções a brincar (Livro e CD), João Lóio, ilustrações de Fedra Santos; Editorial Campo das Letras, Porto 2006

© Teresa Sá Couto

2 comentários:

Fedra Santos disse...

Teresa, muito obrigada pela sua análise minuciosa a este projecto encantador do João Lóio. O livro é realmente uma delícia. Espero que tenha a visibilidade que merece e que o João Lóio nos presenteie com outra obra do género o mais rapidamente possível.

Teresa disse...

Fedra, essa parceria entre os dois foi magnífica. Obrigada pelo encantamento que proporcionaram :)

Esperemos, pois, por novos projectos.

T.