terça-feira, 22 de setembro de 2009

A Televisão do share e das elites

Publico este texto em resposta a inúmeros pedidos de sugestões de títulos que analisam o jornalismo em Portugal, e na sequência doutros que tenho aqui trazido.

Se atentarmos nos plateaux informativos das nossas três estações de televisão, verificamos que «não se descobrirá o retrato do país que somos. Antes se vê aí desenhado um mapa social que salienta as elites que a TV absorve e reforça.». Esta é a conclusão de Felisbela Lopes depois de rastrear doze anos de programas informativos (de 1993 até 2005), num Estudo agora editado no livro «A TV das Elites». De contributo imprescindível para o debate da televisão que temos, a obra investiga e interroga a informação televisiva não-diária – sobretudo, debates e entrevistas – na peugada da verdade que se revela de nós através do que se oculta; são quatro capítulos em 371 páginas, num exame completíssimo que nos avalia social e culturalmente

Com a chancela da Campo das Letras, o título pertence à Colecção Comunicação e Sociedade – uma colecção ímpar de abordagem crítica à Comunicação Social – dirigida por Moisés de Lemos Martins, do Centro de Estudos de Comunicação e da Universidade do Minho. A presente obra retoma parte da dissertação de doutoramento de Felisbela Lopes, colaboradora do jornal Público de 1990 a 1996.

A análise clara, objectiva, contextualizada, bem documentada e bem organizada por capítulos e alíneas norteadoras, são um apelo para a leitura não só por jornalistas, políticos ou investigadores, mas também por «todos os interessados na res pública, incluindo particularmente aqueles que frequentam as escolas secundárias e o ensino superior», como refere, no prefácio, Manuel Pinto, coordenador do projecto Mediascópio e director do CECS – Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho.

Informação sacrificada pelo Share

Sendo certo que os dados audimétricos condicionam as opções de programação das televisões, um dos grandes objectivos de Felisbela Lopes é mostrar que as novas grelhas avançaram cada vez mais para o espaço privado sacrificando os programas informativos: se em 1993 – com coabitação das estações privadas no Panorama Audiovisual Português (PAP) – ainda se verificava um número razoável de programas de informação, a partir de 2000 «a informação semanal vai sendo desalojada do horário nobre dos canais privados para dar mais espaço ao entretenimento que hegemoniza os serões televisivos». A lei do mercado, e na guerra das audiências, enreda também o serviço público de televisão que passa a seguir os exemplos das privadas.

Concomitantemente, o espaço televisivo vai sendo tomado por elites, evidenciando-se, também a preferência que os jornalistas lhes dão. Como consequência, refere-se, em 2002 tinha-se um «espaço público pouco diversificado do ponto de vista temático» e com representatividade limitada, que nós reconhecemos por serem “sempre os mesmos a falar das mesmas coisas”. Defende-se que quem é desconhecido da opinião pública, ou não pertence a «instituições centrais onde se exerce o poder político» tem poucas possibilidades de aparecer no ecrã. «Consequentemente, construiu-se no espaço televisivo uma enorme espiral de silêncio que se foi avolumando ao longo dos anos.».

A par da explanação apurada, a autora apresenta quadros sintéticos da programação semanal nos diversos anos, perfil dos convidados, evolução das audiências, quadros comparativos de audiências, oferta e consumo de informação semanal de prime time (por meses, dias e horas), temas de maior sucesso, percentagens de políticos presentes nos programas de informação, entre outras vertentes em análise.

Informação ou espectáculo?

Refere a autora que, nos anos em Estudo, «o cidadão comum foi desvalorizado na informação semanal» das três estações de televisão. «Nesse período, poucos programas reclamaram a sua presença para os plateaux televisivos e, sempre que o fizeram, foi para o integrar em talk shows ou para lhe solicitar um testemunho pessoal sobre um tema que seria depois discutido por especialistas ou com actores das indústrias culturais». Na tentativa de o incorporar nas emissões surgiram os telefonemas, o televoto, cartas, SMS, «mas esses diferentes meios de acesso, para além de controlados pelos responsáveis dos programas, apenas permitiam uma participação marginal e, não raras vezes, pouco representativa da população portuguesa.». Acresce que, defende-se, aquela «participação à distância não equivale ao direito à palavra que os convidados dispõem nos plateaux dos debates televisivos», tanto mais que o cidadão comum está excluído das grandes-entrevistas.

Advoga-se que, nos doze anos, deparamo-nos com o crescimento de programas ditos informativos, um «terreno ambíguo entre informação (que não prestavam) e o entretenimento (que não era explícito, por se tratar de histórias reais e sofridas de pessoas concretas). (…) Os temas, embora pudessem ser integrados no espaço público, eram atravessados por vivências privadas apresentadas por um discurso emotivo ao serviço do espectáculo da palavra através do qual se exibia o ser humano degradante: crimes, escândalos sexuais, negócios de pornografia, etc. ser célebre, neste contexto, significava não ter direito a uma vida privada.». Por outro lado, defende-se, esta «espectacularização do discurso» é uma «forma ilusória de transformar a televisão num meio reparador de injustiças sociais», porquanto representam uma parte ínfima da população.

Refere a autora que este Estudo sobre a TV que temos não permite grandes optimismos. Todavia, apelando à intervenção de todos, lança-se um desafio, que fazemos também nosso: «não nos dêem a televisão que queremos, nós merecemos muito mais».


A TV das Elites, Felisberta Lopes; Campo das Letras, 2007


© Teresa Sá Couto

Sem comentários: