segunda-feira, 10 de agosto de 2009

«As Mulheres Deviam Vir Com Livro de Instruções»


Com as mulheres há que ter uma postura cartesiana: «primeiro destruir as opiniões e, depois, não confiar cegamente nos sentidos, tantas vezes ilusórios e falsos», ou então vê-se um tipo enredado «nas mais inverosímeis trapalhadas». Por isso As Mulheres Deviam Vir com Livro de Instruções.

Isto não é uma brincadeira. É até um caso muito sério. Um caso seríssimo espraiado em 141 páginas de barafundas, apimentadas por um humor fino e inteligente, com escrita dúctil, vibrante e coloquial. Uma comédia de costumes, de Manuel Jorge Marmelo, regozijo para os leitores, homens e mulheres de cá, mas já no lado de lá a falar castelhano: está editado em Espanha pela editora basca Txalaparta e, mais longe, em Itália, pela pela Vertigo Edizioni, Roma, 2008 (ver segunda imagem). Mais um voo português à conquista do mundo. E que voo!

Foi o primeiro livro traduzido de Manuel Jorge Marmelo. O acordo prevê a posterior edição em outros três países de língua castelhana da América Latina: Chile, Argentina e Uruguai. O autor nasceu no Porto em 1971. É jornalista desde 1989. Estreou-se nas letras em 1996 com O Homem que julgou morrer de amor/O caso virtual (ver na etiqueta correspondente ao autor).

O «As Mulheres Deviam Vir Com Livro de Instruções» apresenta-nos uma profusão de histórias burlescas e bem contadas, num processo narrativo sólido. O narrador, participante, mas não omnisciente, sobretudo no que diz respeito a mulheres, é Madureira, 43 anos, espécie de trolha, «canalizador-carpinteiro-pedreiro-pintor-mecânico-de-pequenos-electrodomésticos, formado na Faculdade da Necessidade», bígamo, casado “secretamente” com Uiko e Maria da Anunciação, com 3 filhos em cada família, e mais umas "aventuras". Porém, avisa, quanto mais mulheres, «mais discussões e os inconvenientes conjugais».

Esta polivalência fá-lo enredar-se com todos os outros: Noronha, dono de uma Agência de Inovação Ocupacional que arranja emprego a Maria Rosa com o advogado Francisco J. Morais, passando estes a ser amantes. O advogado Morais é um indivíduo sem escrúpulos, formado na Católica, casado com Belinha e pai de Catarina, bela miúda, mas mártir do visa gold. Belinda é uma trintona avançada, a quem a falta de homem na cama, dormem em quartos separados, «desperta-lhe apetites furacónicos», e por isso o professor de aeróbica tem dificuldade de escolher entre a mãe e a filha.

É sobre a movimentação feminina que o narrador faz as elucubrações e conjecturas, de tal forma enredadas que nem o leitor sabe como elas reagirão nos inúmeros desfechos. Fica provada a tese inicial: as mulheres são «um bicho fugidio» e criaturas imprevisíveis que sabem mais sobre o homem do que ele sobre elas.

A escrita é muitas vezes brejeira, mas, diz o narrador, «Não é a escrita que descamba; são os tempos». E não é raro estes tempos de escrita despoletarem-nos gargalhadas, ou sorrisos rasgados. Trava um diálogo directo com o leitor, desculpando-se ora das suas opiniões, ora desvalorizando o marfim que lhe cresce na cabeça, por obra da Maria da Anunciação, ora por isto e por aquilo, o que atesta a sua atrapalhação perante a imprevisibilidade feminina. Ou perante o mundo todo, sobre o qual confessa: «Aliás, o mundo todo devia ser servido com um manual detalhado, uma bibliografia inclusa – com dosagem recomendada e intervalos entre tomas – que a todos preparasse, à nascença, para os infinitos desaires que a vida nos reserva»
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As Mulheres Deviam Vir com Livro de Instruções, Manuel Jorge Marmelo, Editora Campo das Letras, Porto 1ª edição de 1999, 8ª edição de 2002

© Teresa Sá Couto

nota: dedico este texto ao meu amigo João Ferro, que o descobriu noutro blogue meu, antigo, o qual já me tinha esquecido que existia.

4 comentários:

c.a. (n.c.) disse...

«Esta polivalência fá-lo enredar-se com todos os outros: Noronha, dono de uma Agência de Inovação Ocupacional que arranja emprego a Maria Rosa com o advogado Francisco J. Morais, e de quem passa a ser amante.»

Peço desculpa pelo atrevimento, mas não entendi quem é amante de quem. Será que me passou alguma coisa?

Julgo que todos os seres humanos deviam vir com livro de instruções. A vida ficava mais fácil, embora, muito provavelmente, perdesse metade da piada... :-)

Teresa disse...

Boa noite.

Tem razão, sim senhor, e já clarifiquei, ainda que, na cadência desta história, todos possam ser amantes de todos que não destoaria da orquestração que nos é proposta por MJMarmelo :)))))

A descrição do episódio de Maria Rosa e o seu "Chico" está no curto capítulo «Hoje é o primeiro dia», da página 27 à 30.

Pois, mas com livro de instruções os seres humanos perdiam a piada toda e, por consequência, a nossa vidinha seria demasiado insonsa.

c.a. (n.c.) disse...

Obrigado. Perdoe a «picuinhice». A redacção inicial da frase levou-me a conjecturar ligações entre os personagens que me pareceram em contradição com o título do livro. Daí ter resolvido deixar-lhe esta nota.

Aproveito para lhe dizer que vi que «linkou» a minha «Casa» ao seu blog. Foi uma surpresa. Quando resolvi tornar o blog público não contava ter leitores. Foi uma decisão difícil, aliás. Levei muito tempo a tomá-la. Também por isso a sua atenção é-me particularmente grata. Obrigado. Bem haja.

Teresa disse...

Fez bem ter deixado a nota. Agradeço.

Fez bem publicar o blogue.
Gostei do que li. Está-se bem nessas palavras. Segui-las-ei. Parabéns.

TSC